Fiscalização em cerca de mil unidades comprova sucateamento na Atenção Básica
Em 952 unidades básicas de saúde fiscalizadas em 2014 pelo Sistema Nacional de Fiscalização do Conselho Federal de Medicina (CFM), 331 tinham mais de 50 itens em desconformidade com o estabelecido pelas normas sanitárias, sendo que 100 apresentavam mais de 80 itens fora dos padrões. Em 4% das unidades fiscalizadas, não havia sequer consultório médico. “Sabíamos que a situação era precária, mas agora, com a informatização da fiscalização, comprovamos em números o quanto a assistência básica está abandonada”, afirma o presidente do CFM, Carlos Vital.
“A consulta médica é uma ação elementar em um centro de saúde, mas em 41 das unidades visitadas não tinha uma sala para o médico atender”, denuncia o diretor do Departamento de Fiscalização do CFM, Emmanuel Fortes. No Pará, médicos atendiam debaixo de uma árvore. O CFM também constatou que 15% dos consultórios não garantiam a confidencialidade da consulta e 22% das unidades não possuíam sala de espera.
As fiscalizações foram realizadas em ambulatórios (164), Unidades Básicas de Saúde (UBS) (118), centros de saúde (88) e postos dos Programas de Saúde e de Estratégia da Família do Sistema Único de Saúde (SUS). Foram avaliadas a estrutura física das unidades, os itens básicos necessários ao funcionamento de um consultório e as condições higiênicas. Em todos os aspectos, a situação encontrada é preocupante.
Estrutura física – Em relação ao ambiente físico, foi constatado que 353 (37%) das unidades não tinham sanitário adaptado para deficiente; 239 (25%) não tinham sala de expurgo ou esterilização; 214 (22%) não possuíam sala de espera com bancos ou cadeiras apropriadas para os pacientes; e em 170 (18%) faltavam sala ou armário para depósito de material de limpeza. “Não há como realizar um atendimento de qualidade nessas condições. Como o médico vai colher a história do paciente e fazer um bom diagnóstico numa situação em que não há privacidade e o ambiente é totalmente insalubre?”, questiona o conselheiro federal pelo Pará, Hideraldo Cabeça.
Em 36 (4%) dos consultórios ginecológicos faltavam sanitários e em 20 (2%) não era garantida a privacidade do ato médico. “Não dá nem para imaginar uma mulher sendo submetida a um exame ginecológico sem que sua privacidade seja resguardada”, critica Eurípedes Souza, que faz parte da Comissão para a Reformulação do Manual de Fiscalização do CFM. Também foram encontradas 161 unidades (17%) com instalações elétricas e hidráulicas inadequadas, sem sala de atendimento de enfermagem (6%) e sem sanitários para pacientes (3%).
Em relação aos itens básicos, dos consultórios fiscalizados, 521 (51%) não tinham negatoscópio; 430 (42%) estavam sem oftalmoscópio; 408 (40%) não tinham otoscópio, em 272 (27%) faltavam tensiômetros e 235 (23%) estavam sem estetoscópio. Até termômetro estava em falta em 106 (10%) desses consultórios. “A falta de equipamentos, insumos e medicamentos interfere negativamente na forma como o médico vai aplicar seu conhecimento para tratar o paciente, que é o principal prejudicado com essa falta de condições”, afirma o secretário-geral do CFM, Henrique Batista e Silva
Quanto aos itens básicos de higiene, 23% dos consultórios fiscalizados não tinham toalhas de papel; 21% estavam sem sabonete líquido e em 6% o médico não podia lavar as mãos após as consultas por falta de pia. “Esses são itens básicos, que, segundo a Anvisa, não deveriam faltar em nenhum consultório”, afirma Emmanuel Fortes.
Unidades não têm agulhas e seringas – Mesmo sendo locais para a realização de consultas e procedimentos básicos, algumas das unidades de saúde visitadas deveriam ser equipadas para dar um suporte inicial a pacientes em situações graves. No entanto, 29% dos 305 estabelecimentos visitados que deveriam oferecer um tratamento emergencial não tinham seringas, agulhas e equipos para aplicações endovenosas.
Em 226 (74%) dessas unidades também faltavam desfibriladores para atender pacientes com paradas cardíacas, que também não teriam remédios para tomar, já que em 150 (49%) também estavam em falta medicamentos para atendimento de parada cardiorespiratória. Já 181 (59 %) dos estabelecimentos fiscalizados também não tinham ressuscitadores manuais do tipo balão auto-inflável.
Também faltavam oxímetros (em 75%), aspiradores de secreções ( 71%), cânulas naso ou orofaríngeas (70%), cânulas/tubos endotraqueais (69%), laringoscópio com lâminas adequadas (66%), sondas para aspiração (64%) e máscara laríngea (53%). Para o conselheiro federal por Goiás, Salomão Rodrigues, a falta de condições de trabalho faz com que haja uma quebra entre o humanismo e a técnica no fazer médico. “A falta de condições provoca um dilema ético no médico, que passa a exercer sua profissão de forma muito restrita, já que não pode prescrever os medicamentos e tratamentos necessários para tratar uma enfermidade. Nessas situações, os médicos atuam mais como pajés, lançam mão do lado humano da medicina, já que não dispõem das condições técnicas”, raciocina.
Curativos – Mesmo que os desfibriladores sejam exigidos apenas de alguns estabelecimentos, toda unidade básica de saúde deve possuir uma sala de procedimentos e curativos com condições para dar um atendimento mínimo a pacientes com pequenos ferimentos, ou em pós-operatório. No entanto, em 11% das 952 unidades fiscalizadas faltavam material para curativos e retirada de pontos, e 5% não obedeciam às normas de esterilização sanitárias, nem tinham material para assepsia.
Numa época em que a febre amarela e o sarampo voltam a aparecer, 8% das unidades de saúde estavam sem vacinas e em 5% o acondicionamento era feito de forma inadequada, em refrigeradores sem termômetros externos. Remédios estavam em falta em 61 (6%) das unidades fiscalizadas e em 37 (4%) delas estavam sendo distribuídos remédios com a validade vencida. Em 119 (13%) não havia controle para a movimentação de medicamentos controlados.
Para o 1º secretário do CFM, Hermann Tiesenhausen, a falta de infraestrutura e de insumos básicos impede que o médico cumpra a sua função social de atender com qualidade o paciente. “Ao final, a sociedade é a principal prejudicada, pois o médico não tem condições de aplicar todo o seu conhecimento em prol de quem precisa da ajuda dele”.
Informatização avança em todo o país – A implantação do Sistema Nacional de Fiscalização do CFM começou com a edição da Resolução nº 2.056/13, em novembro de 2013, que trouxe o Manual de Vistoria e Fiscalização da Medicina no Brasil. O documento apresenta uma lista com os itens que não podem faltar em ambulatórios, centros de saúde e consultórios médicos. Com base nesta listagem, foi formatado um software, distribuído junto com um tablet, uma máquina fotográfica e um scanner portátil para todos os Conselhos Regionais de Medicina (CRM), que receberam treinamentos para usar a nova ferramenta.
Durante o ano de 2014, o Setor de Tecnologia da Informação do CFM participou do treinamento de 220 usuários, entre médicos fiscais, conselheiros, funcionários e agentes administrativos dos CRM. Até o momento, os estados que mais usaram o novo sistema foram Paraná, Tocantins, Minas Gerais, Alagoas, Espírito Santo, Amapá, Goiás, Pará, Paraíba e Mato Grosso do Sul. Para implantar o novo sistema, o CFM investiu R$ 1,6 milhão desde 2011 até este ano. Além dos 27 tablets entregues a cada CRM no início de 2014, o Conselho Federal adquiriu no início deste ano 73 novos equipamentos, que também serão entregues aos CRM.
De acordo com Emmanuel Fortes, o Sistema Nacional de Fiscalização está sendo aperfeiçoado constantemente. “Na medida em que vamos usando é que vamos percebendo falhas. Umas delas é que os médicos fiscais não estavam colocando todas as informações. É preciso que eles preencham o formulário etapa por etapa”, alerta.
O presidente do CFM, Carlos Vital, reforça a importância dos CRM na utilização do novo instrumento de fiscalização. “Com o que já conseguimos captar é possível comprovar a falta de estrutura da saúde no Brasil, mas temos de continuar aprimorando o sistema e a adesão de todos é fundamental”, afirma.
Os itens constantes no Manual de Vistoria obedecem ao que está estabelecido na RDC-50/02, resolução da Anvisa que regulamenta os projetos físicos de estabelecimentos assistenciais; no SomaSus, que é um sistema de apoio à elaboração de projetos de investimentos em saúde; em portarias do Ministério da Saúde e em Resoluções do CFM. “Não inventamos nada. Colocamos na Resolução o que já era cobrado pelo próprio governo em seus mecanismos legais”, ressalta Emmanuel Fortes.
CFM editará em breve Manual de Fiscalização dos Hospitais – Depois de definir as regras para a fiscalização em Unidades Básicas de Saúde e ambulatórios, o CFM vai editar as regras para a fiscalização em hospitais, que devem constar da nova atualização do Manual de Vistoria e Fiscalização da Medicina no Brasil. “A nossa previsão é que até o final do primeiro trimestre de 2015 entregarmos uma proposta para o Plenário do CFM”, afirma o 3º vice-presidente do CFM, Emmanuel Fortes, que nos últimos anos tem se dedicado à revisão do documento.
Para Fortes, o novo manual deve alterar substancialmente o trabalho nos CRM, ao fortalecer e uniformizar as atividades de fiscalização de serviços médico-hospitalares. “Nosso objetivo é definir o que é seguro em termos de infraestrutura, equipamentos, insumos e até na quantidade de médicos necessários para dar assistência correta à população. Estamos trabalhando para garantir a honestidade da oferta dos serviços médicos ao povo brasileiro”, detalha. O mesmo cuidado aconteceu com a edição de critérios semelhantes para postos de saúde e consultórios.
O Manual definirá os portes das instituições por capacidade de leitos e de acordo com a complexidade. Também determinará os equipamentos e insumos mínimos para segurança do ato médico e vai orientar sobre a infraestrutura exigida de estabelecimentos de apoio diagnóstico, em hospital ou unidade autônoma, institutos médico-legais e de verificação de óbito.
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Fonte: http://portal.cfm.org.br/
Foto: GOVBA, via Flickr