Médico em plantão de 36 horas; consulta com estudante; diagnósticos errados e sem os exames necessários; ausência de prontuário mesmo após duas passagens pela UPA (Unidade de Pronto Atendimento), em menos 24 horas.
Esse foi o atendimento prestado a Fernando Garcia, 55 anos, pela Secretaria de Saúde de Ribeirão Preto (SP), de acordo com relato dos próprios médicos que atenderam o homem.
Os depoimentos foram colhidos pela Polícia Civil, no inquérito que investiga se possíveis erros médicos na morte. O motorista morreu no dia quatro de abril, com infecção generalizada, após procurar atendimento na UPA quatro vezes. Ele estava com infecção no rim, mas recebeu diagnóstico de gases, má digestão, pedra no rim e crise depressiva.
“O que está me deixando de pé é a espera por Justiça. Só vou ter paz quando alguém me der uma resposta. Tenho vontade de dormir e não acordar mais”, são as palavras da viúva, Ruth da Silva Carvalho.
Com o inquérito nas mãos, ela custava a acreditar na acusação do médico que deu três diagnósticos equivocados para seu marido.
“Se houve erro, com todo respeito ao sofrimento da família e da forma como a vida terminou para o paciente, participaram: o próprio paciente por estar sofrendo há tantos anos e não tinha seguimento com especialista e não houve envolvimento da família com essa finalidade”, o profissional concluiu no final de seu depoimento, mesmo após escancarar as falhas de atendimento.
Ele admitiu que estava em plantão de 36 horas, proibido em resolução do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, “e, por isso, descansou na própria unidade”, conforme consta em depoimento. Também relatou que, baseado em um raio-x, entendeu que Fernando estava com gases e fez uma lavagem intestinal.
“Meu pai estava com uma infecção. Como ele não viu? Não dá para entender…”, desabafa o filho mais velho, Fernando Garcia. O segundo médico que atendeu o pai, já na terceira passagem pelo plantão, atestou em seu depoimento: “Muito embora tenha sido atendido por outro colega médico, as dores dele não haviam cessado”.
O inconformismo da família é com a falta de respostas. “Mesmo com tudo isso, não tem definição de lugar nenhum: Cremesp, polícia, prefeitura. A gente quer Justiça”, critica o filho. A morte de Fernando está sendo investigada pelos três órgãos. Passados sete meses, porém, nenhum processo foi finalizado.
‘Médico é ser humano’
Em resolução de março de 2000 o Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) determina que não é permitido ao médico realizar plantões que ultrapassem 24 horas.
“Não é aconselhável. O adequado é que depois das 24 horas o médico tenha um período de descanso, afinal ele também é ser humano. Não é porque pegou diploma de médico que é diferente das outras pessoas”, destaca Angelo Sarti, delegado do Cremesp em Ribeirão Preto.
Angelo entende, porém, que não é possível julgar o médico que atendeu Fernando. “Se ele está em plantão e um profissional falta, ele não pode abandonar o turno”, defende.
A morte do homem também é investigada pelo Cremesp. Não há, entretanto, nenhuma previsão de conclusão do processo. Angelo adianta que pode levar dois anos para que o médico seja punido ou alguma outra medida seja tomada. A sindicância que está em andamento em Ribeirão ainda deverá passar por aval do conselho em São Paulo.
“Demora porque é preciso tomar todas as providências, investigar”.
Prefeitura deixa resposta a cargo da polícia
Em relação às falhas de atendimento escancaradas pelos médicos da UPA (Unidade de Pronto Atendimento), a Secretaria de Saúde de Ribeirão Preto limitou-se a informar que “o inquérito policial está em andamento”.
“Todos os documentos já solicitados à esta pasta, ou que vierem a ser solicitados, serão fornecidos oficialmente”, esclareceu a Secretaria de Saúde em nota.
O “A Cidade” havia questionado a Prefeitura sobre a conduta exposta pelos médicos e a falta de estrutura, mas nenhum dos questionamentos foi respondido pelo Executivo.
A reportagem também solicitou uma entrevista com o secretário de Saúde Stênio Miranda, mas o pedido não foi nem mesmo respondido pela assessoria de imprensa da pasta.
É preciso estrutura de trabalho
Segundo Ulysses Strogoff de Matos, Presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, diretoria de Ribeirão, “A estrutura de trabalho influencia diretamente na qualidade do atendimento médico. Essa estrutura tem início no vínculo do profissional com o local onde trabalha. A maneira como os médicos estão sendo contratados em Ribeirão Preto, pela terceirização, não fixa o profissional, não estimula e leva à sobrecarga. Não é habitual um médico de carreira trabalhar 36 horas seguidas. Todo ser humano tem limitações. Além disso, o médico precisa de equipamentos para trabalhar. Se pede um exame, o serviço precisa disponibilizar com agilidade. O contrário é incompatível com o atendimento de urgência. Se há uma falha de atendimento, é de conjunto; desde o momento em que o paciente entra na unidade de saúde. É preciso reestruturar a saúde em Ribeirão, desde o atendimento básico. Nós, do Sindicato, notamos uma progressiva piora na qualidade da saúde em Ribeirão nos últimos anos. Não existe justificativa para a metodologia adotada pela prefeitura.”
Fonte: http://www.jornalacidade.com.br/
Foto: abc_ishie, via Flickr