Protegido por sigilo médico, o prontuário de um paciente deve ser liberado aos familiares após sua morte, segundo nova decisão da Justiça Federal de Goiás.
A medida determina ao CFM (Conselho Federal de Medicina) que oriente os médicos a permitir o acesso da família ao documento, que contém dados do histórico de saúde e cuidados prestados.
A decisão contraria pareceres anteriores do conselho, o qual defende que o sigilo médico “seja respeitado mesmo após a morte do paciente” e que o prontuário seja liberado de acordo com o Código de Ética Médica –que prevê autorização ao acesso apenas pelo paciente ou após ordem judicial.
O principal argumento oposto à liberação está na necessidade de proteger informações que, por motivos diversos, o paciente poderia não querer revelar à família, como o diagnóstico de uma doença ou ausência de laços consanguíneos, por exemplo.
O conselho já havia sido obrigado a emitir, em 2014, uma recomendação os médicos e instituições de saúde para que liberem o acesso aos documentos, desde que seja “documentalmente comprovado o vínculo familiar e observada a ordem de vocação hereditária”. Mas buscava reverter a medida.
Agora, a nova decisão da Justiça confirma o acesso ao prontuário. A medida passa a valer em todo o país.
Já o Ministério Público Federal de Goiás, responsável pela ação, que tramita há quatro anos, alega que o acesso ao prontuário deve ser facilitado, já que caberia à família tomar decisões e ser responsável pelos dados do paciente após sua morte.
A decisão que libera o acesso ao prontuário foi tomada neste mês pelo juiz Leonardo Buissa Freitas, da 3ª vara da Justiça Federal de Goiás. Em 2012, o acesso já havia sido permitido por meio de liminar, mas o CFM recorreu em seguida.
Com o avanço do processo, veio a obrigação de recomendação em 2014. Segundo o procurador Ailton Benedito, o pedido ocorreu após notícias de que familiares dos pacientes tinham dificuldades em acessar o prontuário. “Criava-se um obstáculo e a família buscava decisão judicial para isso”, afirma.
Longa espera
Foi o que ocorreu com a professora Patrícia Cláudia da Costa, 41, nos últimos dois anos, tempo em que ela esperou para ter acesso ao prontuário do atendimento da mãe, Maria Goreti da Costa, que faleceu em 2013.
Internada após uma queda que atingiu sua medula, Maria precisava de uma cirurgia para tentar recuperar seus movimentos. Apesar do diagnóstico de urgência, o procedimento, custeado pelo plano de saúde, demorou 24 dias para ocorrer. Nesse período, ela sofreu uma infecção generalizada. Morreu um dia após a cirurgia.
Desconfiada, a família recorreu à Justiça para obter o prontuário, na tentativa de provar a demora do atendimento. Ainda assim, o hospital resistiu a ceder o documento. “Só conseguimos quando o juiz determinou busca e apreensão e prisão”, conta ela, que entrou com nova ação por danos morais. ” Queremos que o hospital reconheça o erro”, diz.
Para Ailton Benedito, o prontuário médico é o melhor instrumento para que os familiares possam fazer o controle dos procedimentos médicos ministrados ao paciente. “Quem deve zelar pela integridade dos direitos do paciente quando ele falecer são seus sucessores, para ver se não houve nenhum tipo de negligência”, diz.
De acordo com a sentença, o paciente, ainda vivo, que se opuser à liberação, deve deixar expressa sua vontade. Neste caso, o acesso será vedado.
Procurado, o CFM diz que ainda não foi notificado oficialmente da nova medida, sobre a qual ainda cabe recurso, afirma.
Fonte: jornal Folha de São Paulo
(http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/04/1766420-justica-autoriza-acesso-de-familias-a-prontuario-apos-morte-de-paciente.shtml)
Foto: Keith Burtis/Flickr