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Neurocientista recruta vítimas de abuso sexual e outros traumas para teste com substância eventualmente achada no ecstasy, em Goiânia

Trabalho dura 12 semanas e utiliza MDMA. Pesquisa é exclusiva para pacientes que têm transtorno do estresse pós-traumático

 

Por Murillo Velasco, G1 GO

Uma pesquisa coordenada pelo neurocientista Eduardo Shenberg está recrutando quem sofre de transtorno de estresse pós-traumático para testar um tratamento que utiliza metilenodioximetanfetamina (MDMA), substância eventualmente encontrada em comprimidos de ecstasy, em Goiânia. Segundo ele, o trabalho dura 12 semanas e é destinado a vítimas de abuso sexual e outros traumas de violência.

“A pesquisa é um estudo clínico com pacientes que vão passar por um tratamento psicoterapêutico do transtorno do estresse pós-traumático. São pessoas que são sequestradas, sofrem abuso sexual, policiais, às vezes pelo próprio ofício, bombeiros que, eventualmente, se envolvam em alguma tragédia, violência urbana, ou ainda vítimas de desastres naturais”, explicou ao G1.

A pesquisa foi aprovada pelo Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), do Ministério da Saúde, e utiliza MDMA importado dos Estados Unidos, com a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Segundo o neurocientista, o trabalho segue os princípios éticos internacionais de pesquisa clínica e é feito pelo Instituto Plantando Consciência, em parceria com o Centro de Educação e Psicoterapia, em Goiânia.

O especialista destaca que o MDMA é diferente da droga consumida ilegalmente, chamada de ecstasy. Segundo ele, o medicamento utilizado na pesquisa passou por um rigoroso processo de controle de qualidade.

“Nas ruas, o uso ilegal foi apelidado de ecstasy, mas o problema é que estes comprimidos de ecstasy são fabricados sem nenhum controle, na maioria dos casos, nem contêm MDMA, só contêm outras substâncias intoxicantes. Então é importante deixar claro que não estamos trabalhando com ecstasy que é a droga ilegal, estamos trabalhando com MDMA puríssimo, feito com controle de qualidade nos Estados Unidos”, ressaltou.

Para se candidatar a uma vaga no tratamento-teste, o paciente deve sofrer de transtorno do estresse pós-traumático há pelo menos seis meses, e ter feito pelo menos uma tentativa anterior de tratamento, sem sucesso. O contato deve ser feito diretamente com o Instituto Plantando Consciência.

Shenberg destaca que todo o tratamento é gratuito. “O tratamento é experimental, um estudo, ele não foi aprovado, está em fase de testes. Nos Estados Unidos ele está na fase mais avançada que existe, que eles chamam de ‘Estudo Fase 3’, que é a última fase de pesquisa que se faz com qualquer remédio, antes de ele ser comercializado como remédio, enfim, de ser oferecido a pacientes regularmente”.

Eduardo Shenberg é biomédico, graduado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com mestrado em psicofarmacologia pela mesma instituição, dourado em neurociência pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado em neurociências pela Unifesp e pelo Imperial College, em Londres.

Tratamento
O tratamento no âmbito da pesquisa consiste em três etapas principais. A primeira delas é a triagem, em que é feita uma avaliação psiquiátrica completa, para checar se o paciente se enquadra no parâmetro do estudo aprovado pelo Conep. Caso esteja apto, ele é submetido a exames clínicos de sangue e eletrocardiograma. Se todos os exames estiverem normais, o voluntário pode agendar as sessões de psicoterapia.

O estudo dura 12 semanas, com sessões ocorrendo uma vez por semana. Segundo Shenberg, para cada três sessões feitas sem o uso do MDMA, o paciente é submetido a uma com o uso da substância. Serão três sessões com a ingestão do medicamento. Dois meses após a psicoterapia, o voluntário volta a passar por uma avaliação psiquiátrica, aos moldes do que foi feito na triagem.

“Três destas sessões são realizadas com o paciente tomando o MDMA no consultório, sob o acompanhamento de um médico e dois psicólogos, um homem e uma mulher, necessariamente. Isso por questões de vítimas abuso sexual. Às vezes pode ser muito difícil para o paciente fazer terapia com um homem, se ele foi abusado por homem”, explicou.

De acordo com o neurocientista, nas sessões em que o paciente faz o uso do MDMA é necessária a internação, com pernoite na clínica. Segundo ele, caso haja qualquer necessidade, os terapeutas e médicos que acompanham o estudo podem ser acionados.

“Nas consultas em que o paciente toma o MDMA no consultório, ele toma o MDMA pela manhã. A consulta dura de seis a oito horas, porque a substância intensifica os processos emocionais, acelera o raciocínio. O paciente se lembra muito do trauma e consegue fazer uma psicoterapia muito profunda”.

Eficácia
Eduardo Shenberg explicou que, atualmente, os tratamentos vigentes para o transtorno do estresse pós-traumático só funcionam com eficácia para cerca de 30% das vítimas, sendo que 70% dos pacientes não melhoram. Segundo ele, a doença acaba bloqueando a pessoa, que teme falar sobre os seus traumas.

“O paciente, muitas vezes, se fecha emocionalmente. A memória é tão agressiva e tão intensa que o paciente não consegue falar a respeito. Ele vai para consultório fazer psicoterapia, acaba falando de outros assuntos. Ele não consegue narrar o trauma para os terapeutas, não consegue falar como se sente e pode até entrar em pânico se for pressionado a falar sobre o evento traumático”, pontuou.

O neurocientista explica que a substância gera efeitos que trazem à tona os traumas vividos pelo paciente, por meio de estímulos feitos ao cérebro.

“O MDMA estimula a liberação de uma série de neurotransmissores no cérebro e estimula a secreção de alguns hormônios. Com o resultado conjunto da substância, esses neurotransmissores e hormônios, ela aumenta a empatia, diminui o medo e aumenta a capacidade de raciocínio, colocando o paciente em um estado temporário de pensamentos e emoções modificados, que facilitam a terapia e permitem o paciente lembrar e sentir as emoções relacionadas ao trauma e fazer a terapia”, explicou.

Ele afirma que, neste sentido, o tratamento com o MDMA tem sido eficaz nos testes já feitos anteriormente.

“O resultado, tendo que estudos que fizeram comparação entre o MDMA com o placebo, que é uma pílula contendo nenhuma substância ativa, mostraram que, dos pacientes que tomaram MDMA 70 % melhoraram, enquanto os que tomaram placebo, só 25% melhoraram. Isso mostra que a substância tem um efeito muito grande e muito importante para facilitar o processo terapêutico”, concluiu.

Foto: Mayara Jardim/Divulgação

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