O programa Horizon, da BBC, testou com voluntários o efeito placebo. Metade disse estar se sentindo melhor três semanas após tomar uma pílula de arroz moído
Por BBC
Poderia uma pílula que contém apenas grãos de arroz moídos ajudar a curar dor nas costas?
O programa Horizon, da BBC, decidiu distribuir esse tipo de “remédio” a pessoas que sentiam dor nas costas sem avisá-las que estavam tomando um medicamento incapaz de promover qualquer alteração no organismo.
Com ajuda do pesquisador Jeremy Howick, um especialista em efeito placebo da Universidade de Oxford, a BBC testou se remédios falsos podem curar dor nas costas no programa “Meu cérebro pode curar meu corpo?”.
Foi o maior experimento desse tipo conduzido no Reino Unido, com cem participantes.
O que é o efeito placebo?
O chamado efeito placebo permanece um mistério, apesar de ser muito estudado.
Placebo é uma palavra que tem origem no latim e significa “agradar”. É usada, principalmente, para medicamentos que não promovem qualquer alteração no organismo, mas são capazes de modificar a forma como uma pessoa se sente em relação a determinadas doenças e até ajudar a melhorar certos sintomas.
Por isso, ele é tão importante em pesquisas médicas, nas quais pacientes recebem placebos e drogas verdadeiras sem saber exatamente qual deles estão tomando. Nesse tipo de teste, tenta-se avaliar se as drogas verdadeiras tiveram efeito maior em relação às pílulas que, em tese, não deveriam surtir efeito.
Como foi o experimento
Parte do grupo de cem pessoas que participaram do experimento atuou como grupo de controle – ou seja, não recebeu nenhum tipo de medicamento. O restante recebeu pílulas que se pareciam com remédios autênticos e amoxil 500mg que elas poderiam tanto ser um placebo quanto um novo analgésico poderoso.
Eles não sabiam, contudo, que todas eram, na verdade, comprimidos de arroz moído, ou seja, placebo.
Os medicamentos vinham em frascos cuidadosamente rotulados, avisando dos potenciais efeitos colaterais e alertando para manter o medicamento longe de crianças. Tudo era muito convincente.
A pesquisa da BBC foi conduzida em Blackpool, uma cidade ao norte da Inglaterra, onde uma a cinco pessoas sofre com dor nas costas. Dor crônica nas costas é muito comum e difícil de tratar.
Todos os voluntários disseram sofrer há anos com esse tipo de dor e narraram não estar satisfeitos com o medicamento que estavam tomando.
Na pesquisa, parte desse grupo teve uma consulta que durou no máximo 9 minutos e 22 segundos com um clínico antes de receber um suprimento de pílulas – essa é a duração média de uma consulta médica no sistema de saúde público no Reino Unido.
Um outro grupo teve o dobro do tempo com o médico. Fazia parte do experimento tentar medir se mais tempo com um médico poderia fazer diferença.
Céticos e crédulos
Muitas pessoas acreditam que o efeito placebo só funciona com os crédulos – ou seja, alguém cético jamais seria capaz de apresentar algum tipo de melhora tomando um comprimido feito de arroz moído, por exemplo.
Um estudo recente analisando as características de pessoas com dor nas costas que responderam melhor ao tratamento com placebo mostrou que não é exatamente assim.
Segundo essa pesquisa, os que estavam mais “conscientes” e “abertos a novas experiências” tiveram o maior benefício. Nesse mesmo estudo, ultrassonografia cerebral nos participantes mostrou diferenças anatômicas entre os que responderam ao tratamento com sucesso e os que não.
Foram encontradas diferenças em áreas do cérebro, que controlam emoções e recompensas. Mas ninguém sabe o que esses resultados realmente significam.
A professora da Universidade de Oxford Irene Tracey diz que, apenas por ser placebo, os efeitos ao tomar esse “medicamento” não são reais.
“Uma pessoa pode achar que o placebo é algo mentiroso ou falso, algo que representa uma trapaça e não é real. Mas a ciência nos diz, especialmente nas últimas décadas, que é real, é algo que tem um papel na psicologia e na neuroquímica”, afirma a professora.
Entre outras coisas, esse outro estudo recente mostrou que tomar um placebo pode liberar endorfina, um analgésico natural que tem estrutura similar à morfina.
‘Não senti aquela pontada’
De volta a Blackpool, a cidade onde uma parcela significativa da população sofre com dor nas costas, os voluntários do estudo receberam a visita da BBC e dos pesquisadores depois de três semanas tomando o placebo. Metade deles narraram ter tido um alívio – mesmo sendo um remédio de “mentira”.
Muitos disseram que estavam conseguindo fazer coisas que não eram capazes de fazer há anos. Entre os relatos de melhora significativa está Jim, de 71 anos, que foi parar numa cadeira de rodas por causa das dores crônicas nas costas.
Depois de tomar o remédio, ele se mostrou muito mais ágil. Questionado se ele preferia morfina ou as pílulas do experimento da BBC, ele disse ao repórter: “Parei de tomar morfina e passei a tomar suas pílulas azuis”.
Joe contou que as dores nas costas às vezes eram tão fortes que ele precisava apelar para analgésicos fortes como morfina e ketamina para conseguir sair de casa. Com o medicamento do experimento, ele disse que não sentiu uma única pontada.
Quase metade dos voluntários narraram ter uma melhora significativa na dor, um resultado positivo considerando que muitos deles tinham o histórico de tomar analgésicos fortes.
O tempo que os voluntários passaram com o médico também mostrou ter um efeito substancial no resultado, com as pessoas se beneficiando de uma consulta mais longa com o seu médico.
Placebo como prescrição médica
Um artigo recente publicado no periódico British Medical Journal sugere que pode ser ético prescrever placebos, desde que os médicos sejam honestos sobre o que estão fazendo.
Essa pesquisa apontou que há evidências crescentes, a partir de uma série de pequenos testes, de que os placebos podem funcionar mesmo quando os pacientes sabem que o que estão tomando.
Dessa forma, você pode obter os benefícios do controle da dor sem os efeitos colaterais significativos de tomar um medicamento “real”.
Foto: BBC