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Justiça em números

*Raul Canal

 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou, no último mês, os números do Poder Judiciário do ano de 2017. No período de 2014 a 2017 foram ajuizadas 1.778.269 demandas judiciais versando sobre direito de saúde. Dessas, 420.930 requeriam o fornecimento de medicamentos pelo SUS, 135.849 demandavam tratamento médico hospitalar contra o SUS, 564.090 foram ajuizados contras planos de saúde, 32.172 contra hospitais particulares reclamando de má prestação de serviços e 83.728 demandando indenizações por “erro médico”.

Em algumas dessas mais de 83 mil demandas há mais de um médico no polo passivo. Alguns profissionais figuram em mais de um processo. Mas, uma pela outra, numa conta de padeiro, se considerarmos o total de 458.625 (13.11.2018) médicos ativos no Brasil, concluiremos que 18,25% dos médicos brasileiros foram processados nos últimos quatro anos.

Lembro que, em 1999, quando publiquei minha primeira obra nessa área, embora com estudos muito empíricos, haja vista que a Internet ainda era discada e os tribunais não estavam informatizados, meus estudos apontaram que 4% dos médicos brasileiros estavam sendo processados naquele momento. Estudos norte-americanos apontavam que 9% dos médicos estadunidenses sofriam processos naquela década. Ou seja, nós mais do que duplicamos a realidade americana de duas décadas atrás.

Isso não representa nenhum demérito para o médico brasileiro, mas é reflexo da nova realidade comportamental do paciente do século XXI, que, além de totalmente esclarecido, graças ao acesso à informação propiciada pelos sítios de busca, e cônscio dos seus direitos, está cada vez menos tolerante a eventos adversos e sempre disposto a buscar um proveito econômico, mesmo que decorrente da própria desgraça ou da infelicidade de algum myfastweightloss.net.

Para enfrentar esse novo paciente do século XXI, devemos nos comportar como um médico do século XXI, menos romântico e mais pragmático. Não devemos chegar à extrema frieza de um Dr. House, mas agirmos com “a pureza dos pombos e a malícia da serpente” (Mt, 10;16).

A afeição, o carinho, a consideração, o respeito, a humildade e atenção devem sempre preponderar na relação médico paciente (pureza do pombo), mas a prudência na confecção e na guarda documental, a cautela informacional e algumas práticas defensivas (a astúcia da serpente) também devem ser praticadas em doses não homeopáticas.

Nesse universo beligerante, entre todas as especialidades médicas, a cirurgia plástica é a mais vulnerável. É bem verdade que o número de processos contra ginecologistas é três vezes superior ao número de processos contra médicos. Mas precisamos levar em conta que temos cerca de 6,5 mil plásticos e quase 30 mil ginecologistas. Enquanto realizamos 1,3 milhões de plásticas, são realizados 2,9 milhões de partos anuais no Brasil.

Ademais, na questão da cirurgia plástica, o STJ firmou entendimento de que se trata de uma obrigação de resultado e de uma relação de consumo.

Na maioria dos processos que nós estudamos, em que o cirurgião-plástico fora condenado, a principal causa da condenação foi a negligência informacional. Isso significa que o risco do evento adverso pode acontecer, mas o médico, embora conhecedor de tal possibilidade, não esclareceu suficientemente esse risco ao paciente, propiciando-lhe a oportunidade de não realizar o procedimento e não se expor ao risco.

Lembramos, todavia, que não se trata de quantidade de informação, mas sim de qualidade de informação, de forma clara, objetiva, específica para aquele procedimento e para aquele paciente, e compreensível para embasar uma decisão.

 

*Raul Canal – Presidente da Anadem (Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética), advogado especialista em Direito Médico e Odontológico e autor das obras “O pensamento jurisprudencial brasileiro no terceiro milênio sobre erro médico” e “Erro médico e judicialização da medicina”.

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