fbpx

Mal de Parkinson começa no intestino, diz estudo

Estudo em roedores comprova hipótese levantada há 16 anos e muda a compreensão sobre a origem da doença neurodegenerativa. As proteínas danificadas que destroem os neurônios produtores de dopamina se acumulam primeiro nas vísceras e sobem para o cérebro

Por Correio Braziliense

Centro do controle motor do corpo, o cérebro é o órgão que se associa ao Parkinson, uma enfermidade neurodegenerativa que provoca, entre outros sintomas, tremores, desorientação e rigidez muscular. Porém, um artigo publicado na revista Neuron reforça uma teoria levantada ainda em 2003, mas só agora demonstrada em modelo animal: a de que as alterações patológicas que caracterizam a doença começam, na realidade, no trato gastrointestinal. Segundo os cientistas que participaram da pesquisa, a constatação poderá “revolucionar” o estudo sobre um mal para o qual não há cura nem tratamento totalmente eficaz.

O fio condutor da proteína que, modificada, destrói os neurônios e provoca os sintomas típicos da doença é o nervo vagal, o maior do crânio, que começa no bulbo raquidiano, passa por pescoço, tórax e se ramifica até o intestino. Há 16 anos, o neuroanatomista alemão Heiko Braak demonstrou que os pacientes de Parkinson acumulavam a substância alfa-sinucleína danificada em regiões do sistema nervoso central responsáveis pelo controle visceral. O agrupamento dessa proteína é uma das principais características da doença. Quando alterada, ela forma placas que vão destruindo as células cerebrais.

“Isso é consistente com alguns dos primeiros sintomas da doença de Parkinson, que incluem constipação”, diz Hanseok Ko, professor de neurologia na Universidade de Johns Hokpins e um dos autores do estudo publicado agora na Neuron. “Em 2003, Braak hipotetizou que a doença avançava até os nervos, conectando os intestinos e o cérebro, como se fosse subindo uma escada”, compara.

O neurologista finlandês Filip Scheperjans, editor-chefe da revista científica Journal of Parkinson’s Disease, complementa: “Múltiplos estudos, em diversas populações, mostraram alterações na microbiota intestinal nos pacientes de Parkinson. É crucial determinar os mecanismos que conectam a microbiota e a doença em estudos maiores e modelos animais”, opina o médico, que não participou da pesquisa publicada agora.

Foi o que fez a equipe de Johns Hopkins, que investigou essa associação em camundongos. Em laboratório, os cientistas injetaram proteína alfa-sinucleína defeituosa, tal como a que caracteriza o mal de Parkinson, em músculos intestinais dos roedores, densamente inervados pelo nervo vago. Como inseriram uma grande quantidade da substância, ela se acumulou, mimetizando o que ocorre nos pacientes da doença.

O que se viu foi consistente com a teoria de Heiko Braak. Ao fim de um mês, já havia danos cerebrais no núcleo dorsal motor do nervo vago. Dentro de três meses, a proteína danificada estava espalhada pelo tronco e chegou a atingir regiões importantes do órgão, como amígdala, hipotálamo e córtex pré-frontal. Sete meses depois, boa parte do cérebro estava tomada pela alfa-sinucleína patológica. “A essa altura, havia também perda significativa de neurônios produtores de dopamina no sistema nervoso central e no striatum”, relata Ted Dawson, pesquisador de Johns Hopkins e também autor do estudo.

A falta desse neurotransmissor, ocasionada pela perda das células que o fabricam, associa-se a sintomas como depressão, ansiedade, disfunção olfativa e deficits que afetam a memória e o aprendizado espacial, entre outros. Testes cognitivos e comportamentais com os animais comprovaram que todas essas funções foram afetadas, diz Dawson.

Corte

Para confirmar as descobertas, os pesquisadores injetaram a mesma quantidade de alfa-sinucleína deficiente em outro grupo de roedores. Dessa vez, contudo, cortaram o nervo vago, impedindo a ligação do trato gastrointestinal com o cérebro. Os animais exibiam acúmulo da proteína nas vísceras, mas o exame dos tecidos cerebrais mostrou que, mesmo 10 meses depois, a substância não havia atingido nenhuma região cerebral, comprovando que o nervo é necessário para fazer o transporte das placas.

“Há, ao menos, três importantes implicações desse estudo”, diz Dawson. “Uma é que nos dá mais informações sobre a conexão sobre intestinos e cérebro. Depois, ele pode estimular investigações focadas em fatores, moléculas ou infecções que podem iniciar a destruição e a propagação da alfa-sinucleína. Por fim, a descoberta sugere que podemos buscar tratamentos que previnam o espalhamento da substância patológica do intestino para o cérebro. Agora temos um modelo que nos permite testar novas terapias para todas ou, ao menos, a maioria dos sintomas da doença de Parkinson. Acho que isso realmente vai revolucionar o que fazemos e estudamos sobre essa enfermidade”, assinala.

O médico ressalta que, embora o estudo tenha sido feito em camundongos, evidências anteriores apontam que pessoas que passam por um procedimento chamado vagotomia, no qual se retira uma porção do nervo vago para tratamento de úlceras, têm menos risco de desenvolver Parkinson. Dawson esclarece que não está sugerindo a cirurgia como forma de prevenir a doença neurodegenerativa, mas afirma que, para estudos futuros, seria importante testar se esse método poderia proteger pacientes que já têm uma grande quantidade de proteína defeituosa no trato gastrointestinal.

 

Foto: Johns Hopkins University/Divulgação

Opções de privacidade