Manipulação genética combinada com intervenção cirúrgica trata a complicação metabólica em ratos obesos. Segundo cientistas americanos, o resultado abre nova frente de estudo para o combate à resistência à insulina em humanos
Por Correio Braziliense
Uma pequena alteração química resultou em grande feito científico: a reversão de pré-diabetes em ratos. Por meio de intervenção genética e um procedimento cirúrgico, cientistas americanos desativaram a enzima dihydroceramide desaturase 1 (DES1) em roedores e, dessa forma, conseguiram reduzir a produção do lipídio ceramida. A diminuição da molécula impediu o aparecimento de sintomas da complicação metabólica em cobaias que haviam sido alimentadas com uma dieta gordurosa. Também eliminou a enfermidade em animais obesos. Os resultados foram apresentados na última edição da revista Continua depois da publicidade Science.
Não é a primeira vez que o grupo observa como a redução de ceramidas pode reverter os sinais de diabetes e doenças metabólicas, mas as técnicas usadas em experimentos anteriores causaram efeitos colaterais graves. Por isso, a abordagem não se mostrou adequada para aplicações terapêuticas. Para fugir desse problema, no estudo atual, os cientistas desenvolveram um bisturi mais eficaz e resolveram testar se uma alteração mais sutil e precisa poderia gerar melhores resultados.
Para diminuir as ceramidas, bloqueou-se a etapa final de sua produção. A equipe usou camundongos geneticamente modificados para permitir que gene codificador da enzima DES1 pudesse ser desligado quando os cientistas quisessem. As cobaias seguiram uma dieta rica em gordura — foram alimentadas com massa de biscoito rica em açúcar, em uma quantidade seis vezes maior que uma dieta normal. Dessa forma, dobraram o peso corporal em três meses. Além de ficarem obesos, os animais apresentaram características de doença metabólica, como resistência à insulina e gordura acumulada no fígado.
Algumas semanas após a alteração de DES1 e a redução de ceramidas, os ratos permaneceram obesos, mas a saúde metabólica melhorou. A gordura foi eliminada do fígado e a resposta à insulina se equiparou à de animais magros e saudáveis. As cobaias permanecerem saudáveis durante dois meses, quando o experimento foi concluído. “O peso delas não mudou, mas a forma como lidaram com os nutrientes, sim. Os ratos eram gordos, mas eram felizes e saudáveis”, explica, em comunicado, Scott Summers, presidente de Nutrição e Fisiologia Integrativa da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo.
Novos desafios
Frederico Abreu, coordenador de Cardiologia do Grupo Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), acredita que a pesquisa mostra dados importantes, apesar de ser ainda muito inicial. “Esses dados podem abrir a possibilidade de tratar o diabetes caso o mesmo mecanismo seja observado em humanos. Porém, esse seria um desafio ainda maior, pois não sabemos como essa interferência poderia ser feita na prática. Se é possível fazer isso de uma forma segura”, observa.
Os planos são de, na próxima etapa da pesquisa, desenvolver drogas que inibam a DES1, com o objetivo de gerar novas intervenções terapêuticas. Dessa forma, poderá ser possível eliminar a intervenção cirúrgica, aposta a equipe.
Segundo o médico brasileiro, as alterações observadas nos animais fazem parte de uma cascata de fatores que estão interligados. “Quando você melhora a resistência à insulina, outros pontos melhoram. E isso contribui para reverter as características da doença metabólica e de enfermidades cardiovasculares”, explica.
Abreu ressalta também que novas maneiras do combater o diabetes e problemas cardíacos são extremamente bem-vindas. “A resistência à insulina é um dos problemas mais graves e incidentes na população mundial. Seria muito bom ter estratégias extras que pudessem ser usadas em conjunto com as atuais, como as mudanças de estilo de vida”, ressalta o médico.
Condição de alerta
É considerado um estado de risco aumentado para o aparecimento do diabetes tipo 2. Níveis elevados de glicose (açúcar no sangue), obesidade e forte história étnica ou familiar de diabetes são fatores que enquadram um indivíduo na condição de pré-diabético. É possível reverter o quadro. Mudança no estilo de vida, com alimentação adequada e prática regular de atividades físicas, reduzem o risco em cerca de 40%.
Foto: Joe Zhou/Reuters