fbpx

Saião, flor de mamão, pata-de-vaca: os riscos dos tratamentos caseiros contra a diabetes

Especialistas alertam para o uso de chás, sucos e farinhas de plantas como substitutos para controlar a doença e recomendam evitar soluções caseiras e procurar um médico

Por BBC

No mundo, estima-se que 500 milhões de pessoas tenham diabetes. Em 2040, segundo a International Diabetes Federation (IDF), serão 642 milhões.

O Brasil é o quarto país com mais portadores da doença: são cerca de 13 milhões – daqui 21 anos, deverão ser 23,2 milhões de brasileiros diabéticos-, sendo que metade não sabem disso e, dentre quem sabe, mais de 70% não têm os níveis de glicose controlados.

Além da falta de adesão ao tratamento, que exige uma série de mudanças nos hábitos de vida e atenção total com a medicação, uma questão preocupante é que os pacientes, não raramente, optan por soluções caseiras e receitas encontradas na internet como opções de tratamento para combater a enfermidade.

Pela internet, o que muitos recomendam é que é possível controlar a glicemia no sangue por meio do consumo regular de chás, sucos e farinhas de plantas, como a chamada ‘insulina vegetal’ (Cissus sicyoides L.), flor de mamão, jambolão (Syzygium cumini), saião ou folha-da-fortuna (Kalanchoe brasiliensis Camb.), Noni (Morinda citrifoli), pata-de-vaca (Bauhinia variegata) e moringa (Moringa oleifera).

Mas será que isso é verdade?

De acordo com Marlice Marques, nutricionista do Departamento de Nutrição da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), a resposta é não. A recomendação dos especialistas consultados pela BBC News Brasil é evitar as soluções caseiras, para não agravar a enfermidade, e sempre buscar a orientação de um endocrinologista ou clínico geral para fazer o tratamento correto.

“Temos uma forte cultura popular no Brasil em relação ao uso de substâncias naturais para tratar doenças, só que não existem evidências científicas que comprovem seus benefícios em relação ao diabetes”, afirma.
A especialista pontua que, até agora, poucos estudos foram realizados sobre o tema, e a maioria em animais. “Os raros testes em humanos foram feitos com poucas pessoas e em poucos dias. Eles ainda são inconclusivos e apresentam metodologias e resultados controversos”, acrescenta.

Um exemplo que ela cita é a da planta moringa, alvo de proibição da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em decisão anunciada em junho.

“Em pesquisas feitas com ratos, há a hipótese de que a planta, por possuir antioxidantes e compostos bioativos que influenciam na imunidade e na atividade anti-inflamatória, pode melhorar a resistência à insulina, a tolerância à glicose e prevenir algumas complicações do diabetes, porém, os benefícios reais em humanos não foram constatados”, disse a agência.

A Anvisa suspendeu no dia 4 de junho deste ano a comercialização, a distribuição, a fabricação, a importação e a propaganda de produtos contendo a moringa em todo o país, em quaisquer formas de apresentação, como chás e cápsulas, e também do próprio insumo.

A farinha de moringa costuma ser informalmente recomendada, além da diabetes, para o tratamento de colesterol elevado, pressão arterial elevada, aterosclerose e envelhecimento precoce.

Falta pesquisa sobre perigos e eficácia do uso de plantas

De acordo com Rodrigo Moreira, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), todas as entidades médicas nacionais e internacionais são radicalmente contra tratamentos naturais ou caseiros no combate ao diabetes.

“Algumas plantas até parecem apresentar substâncias que podem ajudar no controle da doença, como a pata-de-vaca, que sugere efeitos benéficos sobre os níveis de glicose. Mas isso não significa que ela ou qualquer outra deva ser utilizada, isoladamente ou combinada, como medicamento para tratamento do diabetes”, analisa.

O problema, ele acrescenta, é que ainda não se tem conhecimento de todos os elementos presentes nas espécies, se são mesmo eficazes e como são metabolizados pelo organismo, bem como o risco de efeitos colaterais.

“Também não sabemos quais partes das plantas devem ser usadas, como fazer os preparos, as doses mínimas e máximas seguras, os efeitos colaterais e a inte-relação com outros medicamentos que a pessoa utiliza”, pondera. “Precisamos que mais pesquisas sejam feitas, principalmente em humanos, para que possamos conhecer todos esses detalhes”, acrescenta.

O que é o diabetes?

Como explica a SBD, o diabetes é uma doença crônica, na qual o pâncreas não produz insulina (hormônio que controla a quantidade de glicose no sangue) ou o corpo não consegue empregar adequadamente a insulina produzida.

Com isso, o nível de açúcar fica alto – o normal, para uma pessoa saudável, é abaixo de 100 mg/dl, em jejum – e esse quadro, quando permanece por longos períodos, pode causar danos graves em órgãos, vasos sanguíneos e nervos.

Na lista das complicações importantes estão doenças cardiovasculares, diálise por insuficiência renal crônica, cirurgias para amputações dos membros inferiores, problemas na visão (retinopatia diabética e glaucoma são alguns), levando até a cegueira, e acometimento dos nervos (neuropatia periférica).

Os riscos de morte também são grandes. Para se ter uma ideia, dados da última pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde, indicaram que, entre 2010 e 2016, 406.452 pessoas perderam a vida por conta do diabetes.

É preciso salientar que o diabetes é uma enfermidade silenciosa, o que dificulta o diagnóstico. “Os sintomas só aparecem quando os níveis de glicose estão muito altos, acima de 300 mg/dl normalmente. Aí o paciente vai apresentar boca seca, sede excessiva e urinar mais do que o normal”, diz o presidente da SBEM.

Tipos de diabetes

São quatro os tipos de diabetes: Tipo 1, Tipo 2, Latente Autoimune do Adulto (LADA) e gestacional.

O Tipo 1, de acordo com a SBD, se dá quando o sistema imunológico ataca equivocadamente as células do pâncreas que produzem insulina, fazendo com que pouca ou nenhuma quantidade do hormônio seja liberada para o corpo. Como resultado, a glicose fica no sangue ao invés de ser usada como energia.

Essa variedade, causada por fatores genéticos e outros ainda desconhecidos, se manifesta geralmente na infância ou na adolescência – mas pode atingir os adultos. Seu tratamento é feito com insulina, medicamentos, planejamento alimentar e atividades físicas.

Mais comum, o diabetes Tipo 2 acomete cerca de 90% dos pacientes e se manifesta com mais frequência em adultos. Diretamente relacionado ao sobrepeso, sedentarismo e dieta inadequada, surge quando o organismo não consegue usar adequadamente a insulina que produz ou não produz insulina suficiente para controlar a taxa de glicemia.

O tratamento inclui mudança dos hábitos de vida, com a inclusão de atividade física e dieta equilibrada. Em alguns casos ainda é necessário o uso de insulina e/ou outros medicamentos para controlar a glicose.

Menos conhecido, o Latente Autoimune do Adulto (LADA) é um agravamento do diabetes Tipo 2. Ele ocorre quando o paciente desenvolve um processo autoimune que ataca as células do pâncreas.

Nesta situação, o controle da glicemia é feito como nos demais tipos, ou seja, com insulina e/ou medicamentos orais, planejamento alimentar e atividade física.

Por fim, o diabetes gestacional é uma condição temporária que acontece durante a gravidez por conta das alterações hormonais – acredita-se que entre 2 e 4% das gestantes sejam afetadas.

Ele pode trazer riscos tanto para as mães quanto para os bebês, como crescimento excessivo (macrossomia fetal), partos traumáticos e prematuros, hipoglicemia neonatal e obesidade e diabetes na vida adulta.

O controle desta variedade de diabetes é feito, na maioria das vezes, com a orientação nutricional adequada. Mas também pode ser indicada a prática de atividade física e o uso de insulina.

 

Foto: Pixabay

Opções de privacidade