País vive epidemia de sífilis e escassez em relação ao único remédio capaz de tratar mulheres grávidas infectadas. Estudo pretende encontrar nova droga para cuidar de gestantes e evitar transmissão para o bebê
Por O Povo Online
Para testar a eficácia de um tratamento alternativo para a sífilis, cientistas brasileiros e membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) farão pesquisa inédita com o medicamento cefixima. Um dos estados participantes do estudo é o Ceará. Pesquisadores da Universidade de Fortaleza (Unifor) e da Universidade Federal do Ceará (UFC) trabalharão juntos para avaliar os efeitos da droga, na primeira fase, em 200 mulheres não grávidas durante cerca de dois anos. Após este período, o objetivo é descobrir outras formas de tratar a doença em gestantes e prevenir novos casos de sífilis congênita em recém-nascidos.
O Brasil é um dos diversos países que têm números alarmantes de casos de sífilis, entre homens, mulheres não grávidas e gestantes. Em 2010, quando o registro de diagnóstico da doença passou a ser obrigatório, o País tinha 2 casos por 100 mil habitantes. Em 2016, o número passou a ser de 58,1 casos para 100 mil pessoas. A soma de todos os casos notificados no Brasil em 2017 é 119.800, sendo 1.692 no Ceará. Os dados são do Boletim Epidemiológico de Sífilis de 2018 divulgado pelo Ministério da Saúde.
Causada pela bactéria treponema pallidum, a doença é uma infecção sexualmente transmissível que causa feridas na região contaminada, febre, mal estar e manchas no corpo. A longo prazo, a sífilis pode causar problemas cardiovasculares e neurológicos. Se transmitida da mãe para o bebê, a criança pode nascer com problemas ósseos, deficiência mental ou cegueira em decorrência da sífilis congênita. Foram registrados 24.666 desses casos em 2017. Para evitar consequências extremas, a gestante deve receber medicamentos ainda no primeiro trimestre da gravidez. No entanto, a escassez de penicilina, droga capaz de tratar mulheres grávidas com a infecção, tem dificultado o tratamento.
“Nós temos problemas para conseguir penicilina porque só é feita na China e, muitas vezes, o governo restringe a produção, ou as práticas de fabricação não são tão boas. Por isso precisamos de uma droga alternativa”, explica Melanie Taylor, membro do Departamento de Saúde Reprodutiva e Pesquisa da OMS. A médica afirma que o Brasil foi escolhido para sediar a primeira fase da pesquisa por ter muitos casos da doença, mas também por ter dificuldade para adquirir penicilina. “Além disso, o Brasil tem bons grupos de pesquisa que tem experiência em doenças infecciosas”, diz. Os custos do estudo serão divididos entre a organização e o Ministério da Saúde.
A PESQUISA
No Ceará, a pesquisa será coordenada pela professora Maria Alix Leite Araújo, da Unifor, e subcoordenada pelo professor Ivo Castelo Branco, do núcleo de Medicina Tropical da UFC. Universidades do Espírito Santo e do Rio Grande do Sul também participarão do projeto. Em Fortaleza, as voluntárias serão tratadas com a cefexima no Ambulatório de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) da UFC, no Centro de Saúde Meireles e no Centro de Saúde Carlos Ribeiro.
Para participar, as pacientes terão que assinar termos de consentimento ao tratamento e ficarão em observação. O grupo de voluntárias será formado por mulheres já atendidas no ambulatório. Todos os dados colhidos serão levados para o Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) e depois enviados para outro laboratório em Florianópolis, em Santa Catarina.
O MEDICAMENTO
A cefixima é utilizada mundialmente para o tratamento de outras doenças sexualmente transmissíveis, como a gonorreia. No entanto, é a primeira vez que a droga é testada para tratar a sífilis. De acordo com o professor Ivo Castelo Branco, o medicamento deixou de ser vendido no Brasil e há pouco interesse das empresas em fornecê-lo devido ao alto custo. Atualmente, não há registros válidos desse fármaco na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em 2018, uma audiência pública foi realizada em Brasília, a pedido do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites, com empresas que poderiam fornecer o medicamento para discutir o porquê da cefixima não ser comercializada no Brasil. Se o estudo realizado com a droga comprovar bons resultados, as chances de voltar a ser utilizada pelos brasileiros é maior.
Foto: Mauri Melo/Mauri Melo