fbpx

Próteses de baixo custo dão novo rosto a sobreviventes de câncer

Cientistas brasileiros usam smartphones e impressoras em 3D para criar próteses de silicone; método pioneiro reduziu os custos e cortou à metade o tempo de produção

 

Por France Presse

 

Denise Vicentin se olha no espelho e cai em prantos. Após perder um olho e parte da mandíbula por causa de um câncer, ela ganhou um novo rosto graças a uma prótese desenhada digitalmente.

“Hoje eu posso dizer que será melhor andar na rua, não tem explicação”, disse Denise, de 53 anos, em uma clínica de São Paulo, após receber a prótese para a parte que faltava de seu rosto.

Cientistas da Universidade Paulista estão usando smartphones e impressoras em 3D para criar impressões faciais digitais, usadas para fazer próteses de silicone. O método pioneiro reduziu os custos e cortou à metade o tempo de produção.

“No passado, levávamos muito mais tempo de trabalho, horas de escultura à mão, além de ter um processo mais invasivo com as cópias do rosto do paciente com materiais na face”, disse Rodrigo Salazar, um dos criadores da técnica. “Hoje, com um celular na mão e fotos do mesmo, fazemos um modelo em 3D.”

Denise é uma das 50 pacientes tratadas por Salazar e seus colegas desde 2015. A técnica empregada por eles foi publicada no ano seguinte no periódico científico “Journal of Otolaryngology – Head & Neck Injury.”

A equipe estabiliza a prótese maxilofacial, uma área da odontologia focada em tratar pessoas desfiguradas por más-formações, doenças ou acidentes.

O sofrimento de Denise começou há 30 anos, quando ela desenvolveu um tumor facial, removido duas vezes, mas que retornou com um câncer duas décadas depois.

Gradativamente, ela foi perdendo partes do rosto, juntamente com seu casamento e sua dignidade.

“Ao entrar no metrô, no trem, andar na rua, eu tentava não prestar muita atenção aos olhares”, contou ela. “Em lugares como o boliche, eu sentia os olhares e a pessoa acabava se retirando do local”.

Denise tinha dificuldades para comer e falava enrolado por causa da perda da mandíbula. A filha dela, Jéssica, a ajudava como intérprete.

Com o desenvolvimento das impressões em 3D nos últimos anos, Luciano Dib, um dos supervisores e copesquisador da equipe de Salazar, teve a ideia de usar a técnica para fazer modelos de próteses.

“Eu vi pessoas no shopping fazendo impressões em 3D, então pensei: por que não podemos usá-las para fazer próteses”, conta.

Orçamento ‘hi-tech’

A transformação de Denise começou em 2018. Dib implantou hastes de titânio na órbita do olho para segurar a prótese.

Durante um ano, ela se submeteu a várias cirurgias para construir seu tecido facial.

Usando um smartphone, Salazar tirou 15 fotos de sua face de diferentes ângulos, que foram usadas para fazer um modelo digital tridimensional.

Com esta impressão, um designer gráfico criou uma imagem espelhada da parte sadia do rosto de Denise.

Então, técnicos imprimiram um protótipo da prótese em 3D, que usaram para fazer a peça final em silicone, resina e fibras sintéticas.

Para que a prótese fosse a mais realista possível, Salazar e seus colegas a coloriram cuidadosamente, combinando com o tom de pele de Denise e de seu olho, azul-esverdeado.

O processo para fazer a prótese final levou 12 horas – metade do tempo usando métodos convencionais. Mas tudo durou um ano inteiro por causa das cirurgias a que Denise precisou se submeter.

Ela recebeu a prótese completa no começo de dezembro. A pequena peça do tamanho de um ovo se encaixou perfeitamente, com ímãs que a prendem nos implantes de titânio.

“Fica demonstrado com este método que você não precisa de grandes investimentos para poder fazer uso de tecnologias avançadas”, disse Salazar. “Hoje esta é a grande revolução destas tecnologias, que foram diversificadas, democratizadas.”

As técnicas convencionais para fazer modelos de próteses envolvem o uso de equipamentos que chegam a custar US$ 500.000 (cerca de R$ 2 milhões), disse. O método que eles usam demanda um computador e um smartphone.

No ano que vem, Dib e Salazar vão abrir um centro de tratamento para reabilitação prostética, construído pela Universidade Paulista e a organização sem fins lucrativos que eles fundaram, chamada Mais Identidade.

Por fim, Dib espera que as impressoras em 3D possam ser usadas para fazer as próteses de silicone atuais. “Em muito pouco tempo, seremos capazes de ajudar o paciente no local com uma prótese impressa”, disse Dib.

A jornada não terminou para Denise. Ela precisa agora de tratamento para restaurar sua mandíbula e lábio superior. Mas por enquanto, ela está muito contente.

“Foi muito tempo olhando uma face faltando um pedaço, então a alegria é muito grande”, contou após dormir a primeira noite com a sua prótese. “Só tirei para limpar, até dormi com ela”.

 

Foto: Nelson Almeida/AFP

Opções de privacidade