Uma pesquisa sugere que países com programas de vacinação para tuberculose são menos afetados pela Covid-19
Por Saúde é Vital
A vacina BCG, voltada originalmente para prevenir versões graves da tuberculose, ganhou os holofotes por supostamente diminuir o risco de infecção pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2). Segundo um estudo do Instituto de Tecnologia de Nova York, nos Estados Unidos, países que incluíram esse imunizante há décadas nos seus programas de vacinação populacionais seriam menos afetados pela Covid-19.
O levantamento cita os exemplos da Itália e dos Estados Unidos. Ambos os países não administram a vacina BCG em toda a população e estão sofrendo com o coronavírus. Nos EUA, são 363 321 casos e 10 845 mortes até o dia 8 de abril, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Já a Itália reúne 135 586 casos e 17 129 óbitos.
Por sua vez, o Irã aplica essa injeção desde 1984 nos bebês. Ainda assim, a mortalidade pelo Sars-CoV-2 seria elevada uma vez que os idosos, principal grupo de risco da infecção, nasceram antes desse ano. Foram 62 589 iranianos infectados e 3 872 mortos.
O Japão também foi citado. Por lá, a vacina em questão é aplicada desde 1947 e o coronavírus provocou menos estragos — foram 4 257 casos e 81 mortes até o dia 8 de abril.
Mas calma: profissionais de saúde veem limitações importantes nessa pesquisa. Para citar uma falha, França e Reino Unido foram utilizados como outros bons exemplos de que a vacinação contra tuberculose afastaria o risco de coronavírus — as duas nações aplicaram a BCG em toda a população da década de 1950 até a segunda metade dos anos 2000. Só que os dados usados no estudo já estão obsoletos.
Hoje, ao menos 77 226 franceses pegaram a Covid-19 e 10 313 morreram. No Reino Unido, foram 55 246 casos e 6 159 óbitos. São números expressivos, que atestam, no mínimo, que esse imunizante não é uma panaceia contra o coronavírus.
Um comunicado da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai) e outras duas entidades diz que “o estudo apresentado tem falhas metodológicas significativas e foi publicado como um pre-print, um tipo de publicação que não é avaliada por revisores e não deve ser utilizada como recomendação clínica. Portanto, não é possível recomendar a vacinação com o BCG fora da rotina do Programa Nacional de Imunizações”.
O pediatra Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), concorda: “No nosso país, a vacina BCG já é aplicada com uma dose única em bebês na maternidade, ou ainda no primeiro mês de vida. Se mais doses fossem administradas por um motivo qualquer, poderíamos sofrer com desabastecimento”.
Cabe lembrar que, em 2019, vários estados precisaram racionar esse imunizante por problemas de distribuição. Imagine o que uma demanda extra poderia fazer em 2020.
Benefícios da vacina BCG contra doenças respiratórias
A ideia de avaliar o potencial dessa injeção na prevenção da Covid-19 não surgiu do nada. “Estudos anteriores indicam que ela reduz o risco de certas infecções respiratórias, em especiais as causadas por vírus”, informa Cunha.
Uma pesquisa dinamarquesa de 2017 com mais de 4 mil bebês mostrou que a vacina BCG reduziu consideravelmente a mortalidade deles. Especula-se que a injeção ajuda a estimular parte do sistema imunológico dos pequenos.
Ainda assim, não há nenhum artigo publicado que avalie o efeito do imunizante frente ao Sars-CoV-2. No momento, experimentos na Holanda, Grécia, Austrália e Reino Unido estão sendo conduzidos.
“A gente torce para que essas pesquisas mostrem algum grau de proteção contra o coronavírus, até porque já aplicamos a vacina BCG há muitas décadas no Brasil”, afirma Cunha. “Mas não podemos de forma alguma mudar a forma como ela é dada hoje em dia com base nos trabalhos que temos hoje”, reforça. No Brasil, a vacinação contra tuberculose é realizada desde 1968.
Ilustração: Pedro Hamdan/SAÚDE é Vital