Entre sequelas da covid-19 podem estar diminuição do pênis e disfunção sexual, diz estudo
Foram 3.762 pessoas participantes do estudo, que mediu o impacto da covid-19 após sete meses da infecção
Por Correio Braziliense
Conforme o tempo passa fica mais claro para os cientistas o que a covid-19 provoca no corpo humano a médio prazo. Em um estudo publicado no último domingo (27/12), pela plataforma MedRxiv, mais de 3 mil pessoas (de 56 países diferentes), que haviam sido contaminadas com a doença, compartilharam algumas das sequelas que o vírus provocou após sete meses da infecção.
O estudo apontou que 15% dos homens afirmaram que tiveram algum tipo de disfunção sexual após o início dos sintomas e 3% relataram diminuição no tamanho do pênis. No caso das mulheres, 26% indicaram irregularidade no ciclo menstrual e 8% reclamaram de alguma disfunção sexual.
No total, das 3.762 pessoas do estudo, 19,1% se classificaram como homens, 78.9% como mulheres e 1.7% como gênero não binário.
Os problemas em relação aos órgãos reprodutores, entretanto, ficaram atrás das sequelas gerais relatadas pelo estudo. A maior reclamação foi em relação à fadiga: 77% (entre idade de 40 a 49 anos) das pessoas estudadas citaram o cansaço como a principal sequela.
O mal-estar após esforço físico fica em segundo lugar de reclamação geral, com 72,2% dos envolvidos no estudo (entre 40 a 49 anos) citando o problema. Por fim, a disfunção cognitiva fecha as três principais sequelas relatadas após a infecção de covid, com 55,4 % de reclamação (dos envolvidos no estudo com 40 a 49 anos).
O estudo é assinado pelos pesquisadores Hannah E Davis, Gina S Assaf, Lisa McCorkell, Hannah Wei, Ryan J Low, Yochai Reem, Signe Redfield, Jared P Austin e Athena Akrami.
Foto: AFP / TARSO SARRAF
'Se vírus continuar circulando livremente, risco de ele se adaptar melhor aumenta', diz brasileiro que descobriu nova mutação do coronavírus
Governo brasileiro decidiu proibir temporariamente voos internacionais que tenham origem ou passagem pelo Reino Unido
Por BBC
“Se deixarmos o vírus continuar circulando livremente, damos muita chance para ele se adaptar melhor à transmissão nos humanos”, diz à BBC News Brasil Tulio de Oliveira, o brasileiro por trás da descoberta de uma nova mutação “mais transmissível” do coronavírus que vem causando preocupação ao redor do mundo.
Oliveira é diretor do laboratório Krisp, na escola de Medicina Nelson Mandela, na Universidade KwaZulu-Natal, em Durban, na África do Sul, onde vive desde 1997. Ele chefiou a equipe que descobriu a nova variante do coronavirus no país e compartilhou os dados com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o que, por sua vez, permitiu ao Reino Unido descobrir a sua própria variante.
As duas variantes são mais transmissíveis do que a original, mas, por enquanto, não se sabe se são mais letais, assinala Oliveira.
Elas compartilham algumas semelhanças, mas evoluíram separadamente. Ambas têm uma mutação — chamada N501Y — localizada em uma parte crucial do vírus, usada para infectar as células do corpo humano.
Na África do Sul, a nova variante identificada por Oliveira e sua equipe estaria por trás da segunda onda da pandemia no país. Ela se espalhou rapidamente e se tornou a forma dominante do vírus em algumas partes do território, o que resultou na saturação do sistema de saúde.
Já a variante do Reino Unido, também mais contagiosa, se disseminou pelo sudeste da Inglaterra, gerando novas restrições e quarentenas para a população local.
Segundo o secretário da Saúde (equivalente a ministro) britânico, Matt Hancock, essa mutação está “fora de controle”.
Na quarta-feira (23/12), o governo brasileiro decidiu proibir temporariamente voos internacionais que tenham origem ou passagem pelo Reino Unido, na esteira do que mais de 40 países já tinham feito.
A proibição começa a valer nesta sexta-feira (25/12).
No início da semana, o governo havia decidido manter os voos, mas informou que acompanhava a situação.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista com Oliveira.
BBC News Brasil – Em que consiste essa nova variante? Há motivo para pânico?
Tulio de Oliveira – Na África do Sul, descobrimos uma variante que parece estar expandindo as infecções muito mais rapidamente. Descobrimos essa variante em Nelson Mandela Bay, uma das regiões mais turísticas da África do Sul. Essa variante expandiu rapidamente para a Cidade do Cabo e para Durban.
Quando sequenciamos o código genético, descobrimos que ela tinha muitas mutações, principalmente na proteína spike, a proteína do vírus que vai no receptor humano para entrar dentro das células humanas.
Algumas das mutações nessa proteína ocorreram na posição 501, em um aminoácido chamado tirosina.
Essa mutação também foi achada numa cepa completamente diferente no Reino Unido, mas que tem uma mutação [em comum] entre elas. E é exatamente essa mutação que achamos estar relacionada a uma maior transmissibilidade do vírus.
Até o momento, a maior causa do perigo é que, como as transmissões são mais rápidas, nossos hospitais estão completamente saturados com pacientes que necessitam de cuidados intensivos. Então, no momento, não conseguimos receber mais pacientes nos hospitais.
Tanto nós quanto os britânicos achamos que potencialmente essas duas variantes não são mais letais, mas estão afetando muito os hospitais do Reino Unido e da África do Sul.
BBC News Brasil – Qual seria a sua recomendação para os brasileiros, de forma a evitar que essa mutação circule?
Oliveira – Primeiro, não sabemos se a mesma variante já está no Brasil. Principalmente porque a parte genômica do Brasil não é tão forte quanto na África do Sul e do Reino Unido.
Por isso, não nos causará surpresa se vários países no mundo, ao passarem a sequenciar mais os genomas de suas cepas, achem vírus mais adaptados à transmissão.
Segundo, o Brasil nunca chegou a controlar a pandemia de covid-19 e, então, a chance de se ter outra cepa desenvolvida no Brasil ou importada é alta.
Para o Brasil, seria importante controlar a pandemia, ter certeza de que há leitos nos hospitais e tentar diminuir o número de pessoas que estão morrendo dessa doença.
BBC News Brasil – Ou seja, uma vez que o Brasil não é forte em sequenciamento genético do vírus, não sabemos se essa mutação já chegou ao Brasil, ou se qualquer outra mutação já chegou ao Brasil, ou mesmo se há mutações do próprio vírus que ainda não tenham sido descobertas em outras partes do mundo…
Oliveira – É exatamente isso. A principal mensagem é que, se deixarmos esse vírus circulando em nível médio ou alto, damos muita chance para o vírus se adaptar melhor à transmissão nos humanos.
Então, minha sugestão para o Brasil — e trabalhamos muito com a Fiocruz [que divulgou em junho novo protocolo de sequenciamento, usado pelos cientistas que estão fazendo a vigilância genética no país], o Ministério da Saúde, a Universidade Federal de Minas Gerais — é aumentar a parte de sequenciamento do vírus para tentar entender melhor quais são as linhagens circulantes e tentar detectar ora uma linhagem que circule muito mais rapidamente ou uma introdução externa de uma linhagem que tenda a circular e causar mais infecções.
Foto: Getty Images
Saúde intestinal pode estar relacionada ao nível de vitamina D, diz estudo
Realizado somente com homens idosos, o estudo mostrou que a composição do microbioma intestinal está relacionado aos níveis de vitamina D, que é importante para a saúde e a imunidade óssea
Por Viva Bem
Um estudo realizado somente com homens idosos mostrou que a composição do microbioma intestinal está relacionado aos níveis de vitamina D, que é importante para a saúde e a imunidade óssea. O resultado foi publicado na revista Nature Communications no dia 26 de novembro.
“Acredita-se que uma maior diversidade do microbioma intestinal esteja associada a uma saúde melhor em geral”, disse Deborah Kado, autora sênior do estudo, diretora da Clínica de Osteoporose na UC San Diego Health, em um comunicado à imprensa.
O microbioma intestinal é composto por bactérias, vírus e outros micróbios que vivem no trato digestivo. Eles são importantes para a manutenção e prevenção da saúde intestinal.
Os pesquisadores analisaram amostras de fezes de 567 homens, em seis cidades diferentes dos Estados Unidos. A idade média dos participantes foi de 84 anos, que avaliaram sua própria saúde como boa ou excelente, além de estarem ativos fisicamente.
A vitamina D vem em diferentes formas, mas os exames de sangue padrão detectam apenas um precursor inativo que pode ser armazenado pelo corpo. Para usar a vitamina D, o corpo deve metabolizar o precursor em uma forma ativa, explicaram os pesquisadores.
E quais foram os resultados? O estudo concluiu que os níveis de vitamina D estavam intimamente ligados à saúde intestinal. “Ficamos surpresos ao descobrir que a diversidade do microbioma —a variedade de tipos de bactérias no intestino de uma pessoa— estava intimamente associada à vitamina D ativa, mas não à forma precursora”, disse Kado.
Além disso, os pesquisadores também descobriram que 12 tipos específicos de bactérias eram mais comuns nos microbiomas intestinais de homens com muita vitamina D ativa.
A maioria desses 12 tipos produz um ácido graxo chamado butirato, que ajuda a manter a saúde do revestimento intestinal. Já um grande ensaio clínico randomizado, com mais de 25 mil adultos, concluiu que tomar suplementos de vitamina D não tem efeito sobre a saúde.
“Nosso estudo sugere que pode ser porque esses estudos mediram apenas a forma precursora da vitamina D, ao invés do hormônio ativo”, disse Kado. “Medidas de formação e degradação de vitamina D podem ser melhores indicadores de problemas de saúde subjacentes e quem pode responder melhor à suplementação de vitamina D”, acrescenta.
Imagem: iStock
Excesso de videoconferências afeta a saúde mental, dizem psiquiatras
Encontros virtuais produzem uma espécie de “fadiga do zoom”
Por Agência Brasil
No contexto da pandemia do novo coronavírus (covid-19) e do isolamento imposto para conter a disseminação da covid-19, aumentou o uso das plataformas online de videoconferência como forma de manter o contato social entre as pessoas. Mas o excesso de encontros virtuais acabou produzindo uma espécie de “fadiga do zoom”, segundo identificou a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Para mostrar o impacto das videoconferências na saúde mental dos brasileiros, a ABP realizou a primeira pesquisa sobre o tema no período de 14 de agosto a 21 de novembro. A sondagem revela a elevação das queixas de pacientes sobre o excesso de trabalho por videoconferências nos últimos cinco meses, recebidas por 56,1% dos psiquiatras associados da ABP entrevistados.
“Os pacientes relataram que a “fadiga do zoom” é um fato na vida delas, que elas de fato aumentaram o trabalho via teleconferência e adoeceram, precisaram de ajuda”, disse à Agência Brasil o presidente da ABP, Antonio Geraldo da Silva.
O levantamento foi feito junto aos psiquiatras associados da ABP que atendem no Sistema Único de Saúde (SUS), no sistema privado e suplementar, e mostrou também que 63,3% deles perceberam um aumento de prescrição de psicotrópicos (remédios controlados) para tratar pessoas que tinham a queixa de excesso de trabalho por videoconferência. Os médicos associados da ABP notaram ainda a elevação de 70,1% da necessidade de prescreverem psicoterapia para seus pacientes também com essa fadiga.
Fato novo
“É uma situação nova, é um fato novo. Mas estamos percebendo que há um cansaço das pessoas em usar a videoconferência, porque ela retira de você toda privacidade, aumenta sua carga de trabalho e sua carga de descanso fica comprometida e isso é, realmente, adoecedor”, disse Silva.
De acordo com o presidente da ABP, as pessoas passaram a trabalhar em casa e os horários rotineiros foram rompidos. “Os chefes passaram a entender que as pessoas estão disponíveis 24 horas”. No teletrabalho, muitas vezes, as pessoas entram em uma videoconferência às 8h e saem somente ao meio-dia”, disse Silva. “Houve uma perda dos limites relacionais”.
Na avaliação do presidente da ABP, o cuidado com a saúde mental da população deve ser abrangente e direcionado a todos para haver uma mudança de pensamento e comportamento. Enfatizou que as preocupações com a onda de consequências à saúde mental derivadas da pandemia permanecem com tendência ascendente.
Segundo Silva, a agenda da saúde mental “é urgente e será um dos pilares para o bom enfrentamento às demais consequências trazidas pela pandemia. A saúde mental é a chave para enfrentarmos o cenário atual e seus desdobramentos”.
A ABP estima que há 50 milhões de pessoas com algum tipo de doença mental no Brasil. O país engloba o maior número de pessoas com casos de transtornos de ansiedade do mundo. São cerca de 19 milhões de casos, que correspondem a 9% da população. Além disso, o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo e o primeiro na América Latina em pessoas com quadros depressivos.
Filtro
Na avaliação do psiquiatra Jorge Jaber, da Associação de Psiquiatria do Estado do Rio de Janeiro (Aperj), o excesso de informações pode provocar um certo cansaço mental. Ele recomenda que as pessoas utilizem um filtro, uma seleção das fontes, buscando instituições tradicionais para obter conhecimento ou tirar dúvidas.
Sobre prescrição de remédios, Jaber vê uma tendência comum nos pacientes psiquiátricos de conseguir mais receitas do que seria necessário. Neste momento de pandemia, ele atribui esse movimento a três fatores: o custo muitas vezes inacessível das consultas; a redução da capacidade do atendimento público aos pacientes psiquiátricos; e o receio do paciente de não ter o remédio à mão, em um momento de crise.
Foto: LBN
Estudo confirma impacto da pandemia de covid-19 sobre a saúde mental
Análise feita por pesquisadores canadenses mostra um aumento na prevalência de insônia, depressão, ansiedade e transtorno por estresse pós-traumático com a crise sanitária
Por El País
A pandemia do novo coronavírus está erodindo a saúde mental de milhões de indivíduos. Confinamentos, angústias financeiras, distanciamento físico e social, medo do contágio, preocupação com familiares e amigos, incerteza; a lista de obstáculos cotidianos não é curta. Reportagens na imprensa, estudos acadêmicos e opiniões de especialistas apresentam um panorama desafiador. Há alguns dias, foi divulgado o que é até agora o trabalho de maior envergadura já feito sobre o tema. E suas conclusões confirmam a gravidade do assunto. “Nós nos Inspiramos em análises que fizemos anteriormente sobre o impacto dos surtos de ebola sobre a saúde mental de algumas comunidades africanas”, comenta Jude Mary Cénat, professor de psicologia clínica na Universidade de Ottawa e líder do grupo de especialistas responsável pela pesquisa sobre a covid-19, recentemente publicada na revista científica Psychiatry Research.
A equipe canadense fez uma meta-análise com dados de 55 estudos internacionais (mais de 190.000 participantes) entre janeiro e maio. Grande parte desta informação provinha da China, mas também foram usadas cifras de trabalhos desenvolvidos na Itália, Estados Unidos, Peru, Espanha e Irã, entre outros países. “Embora os estudos chineses fossem os mais abundantes, seus resultados não apresentaram diferenças de peso em relação a outras zonas do mundo”, comenta Cénat. Os especialistas concluíram que a prevalência da insônia chegou a 24%, a do transtorno por estresse pós-traumático alcançou 22%, a incidência da depressão se situou em 16%, e a da ansiedade chegou a 15%. O artigo salienta que o transtorno por estresse pós-traumático, a ansiedade e a depressão se tornaram, respectivamente, cinco, quatro e três vezes mais frequentes em comparação aos dados habitualmente relatados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
“Não se observaram diferenças significativas por gênero ou região geográfica; tampouco entre a população em geral e os trabalhadores da saúde, exceto no caso da insônia”, indica o artigo. A análise refletiu que os problemas para conciliar o sono eram duas vezes mais pronunciados entre os profissionais dessa área.
“Precisamos continuar investigando para compreender melhor esta diferença. Foram publicados muitos dados nos últimos três meses e é fundamental um estudo longitudinal. Entretanto, outro trabalho que fizemos sobre a saúde mental após o terremoto [de 2010] no Haiti nos dá pistas. Constatamos que os níveis de depressão e ansiedade eram maiores entre os haitianos que saíram rapidamente do país, em comparação com os que ficaram. Quando você está na linha de frente, não pode se permitir cruzar os braços. E a insônia é uma forma pela qual os temores e preocupações se manifestam”, comenta Cénat.
Menos exposição, mais risco
O trabalho dos canadenses argumenta, levando em conta estudos anteriores, que a insônia pode desencadear outros problemas, como depressão e ideias suicidas. Desta forma, Jude Mary Cénat e sua equipe advertem para o risco à saúde mental dos profissionais sanitários à medida que estes indivíduos estiverem menos expostos a pandemia. Cénat menciona que um estudo feito na República Democrática do Congo mostrou que os problemas de saúde mental entre os profissionais que combateram o ebola aumentaram depois que os casos da enfermidade começaram a diminuir. “É necessário acompanhar esses trabalhadores. Fazer um acompanhamento, criar uma rede de apoio, detectar quem precisará de ajuda”, acrescenta Cénat.
Em outubro, a OMS publicou um relatório onde apontou que a crise decorrente da covid-19 perturbou ou paralisou os serviços de saúde mental essenciais em 93% dos países do mundo. O organismo salientou também que a emergência sanitária aumentou a necessidade destes serviços. “Os líderes mundiais devem agir com rapidez e decisão para investir mais em programas de saúde mental que salvam vidas, durante a pandemia e depois”, declarou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS.
“Estes serviços foram reduzidos ou suspensos em um período de grande impacto sobre a saúde mental, tanto para as pessoas que já tinham problemas como para outras que começaram a sofrê-los. Devemos dar sinais de maior compreensão e inovação”, aponta Cénat.
O professor da Universidade da Ottawa insiste em que é necessário continuar trabalhando com os estudos que estão sendo publicados: “Por exemplo, será preciso levar em conta características sócio-demográficas e outros elementos que sirvam para construir um plano de resposta efetivo para esta e outras pandemias. Também devemos incorporar os dados das pessoas que contraíram a covid-19”. Com relação a este último ponto, um estudo publicado no começo de novembro na revista The Lancet Psychiatry mostrou que 18% dos pacientes nos Estados Unidos que contraíram o coronavírus receberam um diagnóstico de transtorno mental entre 14 e 90 dias depois de darem positivo para covid-19.
Foto: CALLAGHAN O’HARE / REUTERS
Ano teve ao menos 420 estudos por dia sobre Covid: ciência mostra como foi a luta contra a pandemia em 2020
Levantamentos apontam de cerca de 100 mil a até mais de 200 mil pesquisas realizadas. G1 reuniu 10 temas para relembrar o que cientistas de todo o mundo descobriram sobre o novo coronavírus (Sars-CoV-2)
Por G1
Quantos estudos foram publicados sobre a Covid-19 em 2020? Talvez não seja possível saber com exatidão, mas é fato que o caminho percorrido por milhares de cientistas muitas vezes anônimos mostra as principais frentes de batalha contra a pandemia.
O banco de dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) reuniu, até 20 de dezembro, 148.919 artigos, de todo o mundo, sobre a doença. Nem todos são estudos publicados em revistas científicas; cerca de 14 mil – pouco menos de 10% – aparecem como versão prévia (pré-prints), ainda não revisadas por outros cientistas.
Se distribuídos ao longo deste ano, o número significa uma média de quase 420 artigos divulgadas por dia.
Uma outra base de dados, a Dimensions, de uma empresa sediada em Londres, aponta um número ainda maior. Até a mesma data, foram catalogados 239.192 artigos sobre o tema, feitos por 18,5 mil organizações em 194 países. Cerca de 15% são prévias. As universidades que aparecem com mais publicações são Harvard, Oxford e a Universidade de Toronto, no Canadá.
Um terceiro levantamento, da empresa americana Primer, aponta, também até 20 de dezembro, 92,5 mil pesquisas relacionadas à Covid. Os temas com mais artigos são cuidados com pacientes; mortalidade e fatores de risco; e vacinas e tratamentos. Cada um tem mais de 10 mil estudos catalogados.
Cientistas de todas as áreas se dedicaram a pesquisas sobre a pandemia neste ano. De sequenciamento genético a vacinas, o G1 reuniu 10 temas para relembrar o que a ciência e a sociedade aprenderam sobre a Covid-19 em 2020.
Veja abaixo:
- Sequenciamento genético
- Uso de máscaras e distanciamento social/isolamento
- Saúde mental
- Transmissão
- Grupos de risco
- Medicamentos
- Manejo de pacientes
- Sequelas de longo prazo
- Imunidade
- Vacinas
1) Sequenciamento genético
No dia 10 de janeiro (no horário de Brasília; 11 de janeiro em Pequim), cientistas da China publicaram o primeiro rascunho do código genético do novo coronavírus (Sars-CoV-2). O país já tinha registrado a primeira morte pela doença e já via casos desde, pelo menos, dezembro de 2019.
Com o genoma do vírus divulgado, cientistas na Alemanha puderam anunciar, em 16 de janeiro, o primeiro teste do tipo PCR para diagnosticar o novo coronavírus. Considerado “padrão ouro” para o diagnóstico, esse tipo de teste é capaz de identificar o código genético do vírus em uma amostra.
No Brasil, o primeiro sequenciamento foi feito no fim de fevereiro, apenas dois dias depois que o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso no país. O tempo foi um recorde.
Meses depois, as pesquisadoras, junto com outros 57 cientistas brasileiros e 19 estrangeiros, publicaram 427 códigos genéticos do novo coronavírus no Brasil na revista científica “Science”, uma das mais importantes do mundo.
Desde então, o sequenciamento genético do vírus permitiu identificar mutações e reinfecções pela Covid-19 – essenciais para entender melhor a eficácia das vacinas contra o vírus e a duração da resposta imune contra ele. No fim de dezembro, uma nova variante encontrada no Reino Unido, levando a bloqueios dentro e fora do país.
2) Uso de máscaras e distanciamento social
Ainda no início da pandemia, no final de fevereiro, a OMS recomendava que apenas pessoas que estivessem infectadas usassem máscaras. Uma das preocupações da entidade era que os acessórios faltassem para profissionais de saúde na linha de frente do combate à doença.
A higiene frequente das mãos com água e sabão ou álcool também foi recomendada por vários especialistas para combater o vírus.
No início de abril, o posicionamento da OMS mudou: a entidade passou a avaliar que as máscaras podiam ser uma estratégia de combate à pandemia.
Na mesma época, o Ministério da Saúde também mudou as orientações e passou a recomendar o uso de máscaras para toda a população, e anunciou recomendações para a fabricação delas. Dois meses depois, a OMS fez o mesmo, e recomendou que todos as usassem em locais onde o distanciamento social não fosse possível.
A entidade reforçou, entretanto, que apenas o uso de máscaras não era o bastante para conter o novo coronavírus – e que o próprio distanciamento continuava sendo uma estratégia importante no combate à pandemia.
Esses tipos de estratégias, as chamadas não farmacológicas, foram estudadas em várias pesquisas: as máscaras com válvulas, por exemplo, não foram recomendadas, e nem o protetor facial (conhecido como “face shield”) usado de forma isolada (sem a máscara junto).
3) Saúde mental
A Covid-19 e as medidas para combatê-la, como o isolamento social, também trouxeram consequências para o bem-estar psicológico da população.
Em maio, a OMS alertou, em um relatório, sobre o perigo de uma crise global em saúde mental por causa da pandemia. A organização destacou que crianças e jovens isolados de amigos e da escola e profissionais de saúde eram os grupos mais vulneráveis.
A previsão se confirmou ao longo do ano. No fim do mesmo mês, uma pesquisa da Fiocruz, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) concluiu que os brasileiros tiveram renda afetada, alta de depressão e mais consumo de álcool e tabaco na pandemia.
Em junho, um estudo feito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, ouviu 3,6 mil pessoas e constatou que 65% dos entrevistados tiveram uma piora da saúde mental com a pandemia.
Em agosto, uma pesquisa com cerca de 1,5 mil pessoas feita pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) apontou piora nos sintomas de ansiedade e depressão entre os entrevistados.
Em novembro, um estudo feito pela Fiocruz em parceria com o Hospital das Clínicas de Porto Alegre e a Universidade de Valência, na Espanha, mostrou que quase metade dos trabalhadores essenciais brasileiros sofreu com ansiedade e depressão na pandemia
O problema não se restringiu ao Brasil: uma pesquisa feita nos Estados Unidos, publicada no início de setembro, apontou que sintomas de depressão aumentaram três vezes no país durante a pandemia.
Com o confinamento, também aumentou, em todo o mundo, a violência contra a mulher: dados da ONU Mulheres divulgados no fim de setembro apontaram que o confinamento levou a mais denúncias ou ligações para as autoridades por violência doméstica: os índices subiram 30% no Chipre, 33% em Singapura, 30% na França e 25% na Argentina, por exemplo.
Um segundo levantamento apontou, ainda, que o Brasil foi um dos países onde a pandemia mais afetou a saúde psicológica de meninas e de jovens mulheres. Para responder ao problema, grupos se uniram ao redor do país para ajudar as mais vulneráveis.
4) Transmissão
Em 14 de janeiro, a liderança técnica da OMS anunciou que era possível que a transmissão da Covid-19 entre humanos tivesse ocorrido nos primeiros casos registrados da doença. Relatórios semelhantes foram feitos nas semanas seguintes.
Ao longo do ano, a entidade reforçou que mesmo pessoas sem sintomas da doença podiam transmiti-la – e que, por isso, o distanciamento social e o uso de máscaras eram recomendados mesmo para quem não estivesse doente.
Uma das principais controvérsias sobre a transmissão do novo coronavírus foi se ele podia ou não ser disseminado pelo ar.
A distinção é importante porque as gotículas, que foram reconhecidas desde o início como uma forma de contágio pela doença, viajam pelo ar, mas caem no solo depois de um a dois metros. Mas os aerossóis podem permanecer suspensos no ar e infectar por mais tempo.
A possibilidade de transmissão pelo ar não foi imediatamente reconhecida pela OMS – apesar de ter sido apontada, no início de maio, por um estudo chinês.
Cerca de dois meses depois, um grupo de 239 cientistas, incluindo um brasileiro, fez o mesmo alerta à organização. Foi só então que a OMS reconheceu o “surgimento de evidências” sobre a transmissão da Covid-19 pelo ar e disse que essa possibilidade “não podia ser descartada”.
No fim de julho, uma pesquisa feita por cientistas de Harvard apontou que 59% dos casos de Covid-19 em um cruzeiro que ficou em quarentena no Japão foram transmitidos pelo ar.
No início de outubro, o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) também atualizou as recomendações para incluir a transmissão pelo ar como possível.
5) Grupos de risco
Ainda no início da pandemia, cientistas e equipes de saúde na linha de frente perceberam que a Covid-19 não afetava a todos do mesmo modo: homens, por exemplo, se infectam mais e também morrem mais pela doença.
O porquê por trás disso ainda é um mistério para a ciência, mas já há algumas pistas – que vão desde fatores biológicos até comportamentais.
Além disso, a idade, a obesidade e doenças como diabetes ou do sistema imune também passaram a ser considerados fatores de risco. Mais recentemente, o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) adicionou a gravidez à lista de condições que aumentam o risco de um caso grave de Covid-19.
A ciência também percebeu que as crianças são pouco afetadas pela Covid-19 – mas podem se infectar e desenvolver uma forma grave da doença, que pode levar à morte.
6) Medicamentos
A ciência vai terminar 2020 sem descobrir um medicamento eficaz contra a Covid-19.
Houve alguns candidatos:
- O antiviral remdesivir – que, apesar de ter recebido aprovação plena nos Estados Unidos, não provou ser eficaz em ensaios controlados da OMS. Ele não é comercializado no Brasil, e só recebeu aprovação na pandemia. Antes, era experimental e não era usado para tratar nenhuma doença.
- A cloroquina e a hidroxicloroquina, usadas para tratar doenças autoimunes e alguns tipos de malária. No início da pandemia, um estudo, depois retirado do ar, apontou que a hidroxicloroquina poderia ser eficaz. Várias outras pesquisas publicadas depois, entretanto, refutaram essa possibilidade – para casos leves, moderados e graves da Covid-19. Pelo contrário: a hidroxicloroquina foi apontada como um fator que piorava o quadro da doença. A substância chegou a ser testada pela OMS, mas os ensaios foram suspensos definitvamente, porque ela não foi eficaz. A mesma constatação foi feita por Oxford.
- A dexametasona se mostrou promissora, mas apenas para pacientes graves. Como é um corticoide, o medicamento não mata o vírus, e sim pode ajudar a reduzir a inflamação causada pela Covid-19 nos vasos sanguíneos.
7) Manejo de pacientes
Apesar de nenhum remédio ter sido comprovadamente eficaz contra a Covid-19, profissionais de saúde aprenderam algumas técnicas que podem ajudar pacientes internados com a doença a se recuperarem:
- deitar a pessoa de bruços, para facilitar a respiração;
- usar anticoagulantes, para evitar o excesso de coagulação causada pelo vírus;
- não intubar os pacientes precocemente. Em vez disso, é possível usar oxigenação não invasiva em alguns casos.
8) Sequelas de longo prazo
As sequelas de longo prazo que a Covid-19 deixa ainda não são totalmente entendidas ou conhecidas pela medicina. Até agora, o que se sabe é que elas existem – e vão desde a respiração comprometida até lesões no coração.
No começo de julho, a revista científica Jama publicou uma pesquisa com 143 recuperados de Covid-19 na Itália. 87,4% deles reclamaram de pelo menos algum problema. Entre os sintomas relatados, estavam fadiga (53,1%), falta de ar (43,4%), dor nas juntas (27.3%) e dor no peito (21,7%).
Em outubro, um estudo preliminar feito pela Unicamp mostrou que os sintomas persistiram em 75% dos pacientes com quadros leves de Covid-19.
A doença também pode afetar o cérebro: um estudo feito por cientistas do Imperial College de Londres apontou que os piores casos da infecção ligados ao declínio mental equivalem a um envelhecimento cerebral de 10 anos.
Covid afeta o cérebro e pode causar alterações mesmo em pacientes leves, aponta estudo brasileiro
Também existe ao menos um estudo, ainda não publicado, de pacientes que, mesmo tendo se recuperado da Covid-19, ativaram células de defesa que passaram a atacar o próprio corpo.
No Brasil, uma médica criou um perfil na rede social Instagram que serve como grupo de apoio a pessoas que sofrem com as sequelas da Covid-19.
9) Imunidade
A imunidade contra a Covid-19 também gera mais perguntas que respostas. A ciência não sabe, por exemplo, quanto tempo dura a imunidade de quem já teve a doença. Estudos feitos ao longo do ano sugerem que os anticorpos que o corpo cria para se defender da infecção desaparecem com o passar do tempo. (Mas os cientistas não sabem quanto tempo).
Ainda assim, as pesquisas também apontaram que a resposta imune – aquela do sistema de defesa do corpo – podem ser duradouras. Isso porque ela também envolve as células T – um tipo de célula de defesa que tem, entre suas funções, “lembrar” de infecções anteriores por um longo tempo.
Ao mesmo tempo, casos de reinfecção pela Covid-19 já foram confirmados pelo mundo e no Brasil. Em alguns casos, a segunda infecção foi mais grave do que a primeira; em outros, a primeira foi pior. As reinfecções ainda estão sendo estudadas pela ciência – e, vale lembrar, “raras” se comparadas com o total de casos no mundo.
Outro ponto que ainda não é totalmente entendido pelos cientistas é por que algumas pessoas não desenvolvem nenhum sintoma da doença, enquanto outras têm quadros graves ou morrem. Além dos fatores de risco como as doenças preexistentes e a idade, fatores genéticos também parecem estar envolvidos. Esses mesmos fatores podem ajudar a desvendar tratamentos para a Covid.
10) Vacinas
A ciência foi capaz de identificar, nomear, estudar e entender um vírus novo e desenvolver várias vacinas contra ele em menos de um ano, um tempo recorde na história humana.
A primeira delas foi aprovada na Rússia, em agosto, e já foi aplicada em centenas de milhares de pessoas, segundo o governo russo.
Desde então, outra candidata também foi aprovada e já começou a ser aplicada no Reino Unido; nos Estados Unidos e no Canadá; e na Arábia Saudita. Na União Europeia, 25 dos 27 países já começaram a vacinação; ao redor do mundo, são ao menos 42 que já iniciaram a imunização.
O Brasil também planeja a vacinação, mas nenhum imunizante foi aprovado pela Anvisa ainda. Universidades brasileiras tentam desenvolver uma vacina nacional contra o vírus. Fora do país, ao menos dois brasileiros trabalham na vacina de Oxford.
Ainda resta bastante a saber sobre os imunizantes: segundo dados da OMS, 14 vacinas estão na fase 3, a última, de estudos em humanos. A maioria, entretanto, não publicou dados de segurança e eficácia dessa fase – quando os testes são feitos em larga escala.
Algumas dúvidas ficarão sem resposta em 2020: por quanto tempo as vacinas vão garantir imunidade contra a Covid-19? Serão efetivas no “mundo real”, fora dos ensaios controlados? Terão algum efeito colateral raro, não vistos nos estudos?
Esperamos aprender no ano que vem.
Foto: Menahem Kahana / AFP