Antinutrientes: as substâncias de nome ameaçador que são parte fundamental da alimentação

Talvez você seja uma daquelas pessoas que procuram se alimentar de forma saudável e prestar atenção à ingestão de fibras, gorduras e vitaminas… Mas e aos antinutrientes?

Por BBC News Brasil

Que diabos são antinutrientes? É algo com que você deva se preocupar na sua dieta?

Como pesquisadora de nutrição em saúde pública, posso garantir que os antinutrientes não são o arqui-inimigo de todos os alimentos nutritivos que você consome.

Desde que você adote uma alimentação balanceada e variada, os antinutrientes não devem ser uma preocupação.

Na verdade, os cientistas estão percebendo que eles podem oferecer muitos benefícios à saúde.

O que são antinutrientes?
Os antinutrientes são substâncias encontradas naturalmente em alimentos vegetais e animais.

O nome remete à maneira como eles funcionam em nosso corpo quando são ingeridos — eles bloqueiam ou interferem na forma como nosso organismo absorve outros nutrientes.

Portanto, os antinutrientes podem diminuir a quantidade de nutrientes que realmente obtemos dos alimentos. Em geral, costumam interferir na absorção de cálcio, ferro, potássio, magnésio e zinco.

As plantas desenvolveram esses compostos como mecanismo de defesa contra insetos, parasitas, bactérias e fungos.

Por exemplo, alguns antinutrientes podem fazer com que um alimento tenha um sabor amargo; os animais não vão querer comê-lo e, assim, deixarão as sementes, que se tornarão futuras mudas.

Em outros casos, alguns antinutrientes bloqueiam a digestão das sementes que são ingeridas.

As sementes se dispersam quando saem na matéria fecal do animal e podem dar origem a novas plantas.

Ambas as táticas de sobrevivência ajudam as espécies de plantas a crescer e se propagar.

Quando se trata dos alimentos que os seres humanos consomem, o mais comum é que os antinutrientes sejam encontrados naturalmente em grãos integrais e leguminosas.

Devemos limitá-los na nossa dieta?
Embora seu nome soe assustador, estudos mostram que os antinutrientes não são motivo de preocupação, a não ser que que sejam consumidos em quantidades irrealisticamente altas.

Em geral, eles oferecem vários benefícios para a saúde.

Os antinutrientes estão passando atualmente por uma reformulação de imagem muito semelhante à que a fibra alimentar passou.

Em determinado momento, os cientistas acharam que as fibras faziam mal às pessoas.

Como a fibra pode se ligar aos nutrientes e levá-los para fora do trato digestivo nas fezes, parecia algo a ser evitado.

Para resolver esse problema, o processamento de grãos no fim do século 19 eliminou as fibras dos alimentos.

Mas hoje os cientistas sabem que a fibra alimentar é extremamente importante e, por isso, incentivam seu consumo.

Comer muita fibra reduz os riscos de obesidade, hipertensão, doenças cardíacas, derrame, diabetes e algumas doenças gastrointestinais.

Os benefícios
Da mesma forma, em vez de algo a ser evitado, muitos antinutrientes são agora considerados alimentos nutracêuticos e funcionais que promovem a saúde devido aos seus vários benefícios.

A seguir, apresento alguns dos antinutrientes mais comumente consumidos e seus benefícios:

– As saponinas, comuns em leguminosas, podem estimular o sistema imunológico, reduzir o risco de câncer, o colesterol, diminuir a resposta do açúcar no sangue aos alimentos, causar menos cáries, reduzir o risco de pedras nos rins e combater a coagulação do sangue, que se observa em ataques cardíacos e derrames;

– As lectinas, encontradas em grãos e leguminosas, estão associadas a um risco reduzido de doenças cardiovasculares, diabetes, alguns tipos de câncer, excesso de peso e obesidade;

– Os taninos, geralmente encontrados em chás, cafés, carnes e queijos processados, são antioxidantes que podem inibir o crescimento de bactérias, vírus, fungos e leveduras e podem reduzir os níveis de colesterol e a pressão arterial;

– Os fitatos, encontrados no trigo, cevada, arroz e milho, estão associados ao aumento da função imunológica e morte das células cancerígenas, assim como à redução do crescimento celular e disseminação do câncer. Também têm propriedades antioxidantes e podem reduzir a inflamação;

– Finalmente, os glucosinolatos, encontrados em vegetais como a couve-flor, inibem o crescimento das células cancerígenas.

Antinutrientes com impacto negativo
Os oxalatos são um dos poucos antinutrientes com impacto em sua maioria negativo no nosso corpo.

Eles são encontrados em muitos alimentos comuns, como leguminosas, beterraba, frutas vermelhas, cranberries, laranjas, chocolate, tofu, farelo de trigo, refrigerantes, café, chá, cerveja, verduras de cor verde escura e batata-doce.

Os impactos negativos dos oxalatos são, por exemplo, o fato de que eles se ligam ao cálcio no trato digestivo e o eliminam do corpo na evacuação.

Os oxalatos também podem aumentar o risco de pedras nos rins em algumas pessoas.

Uma dieta saudável
No geral, ao comparar os prós e contras, os benefícios dos antinutrientes superam as desvantagens.

Os alimentos saudáveis ​​que os contêm, sobretudo frutas, verduras, grãos integrais e legumes, devem ser consumidos — e não evitados.

Os antinutrientes se tornam uma preocupação apenas se esses alimentos forem consumidos em quantidades extremamente altas, o que é muito improvável para a maioria das crianças e adultos.

Além disso, uma grande parte dos antinutrientes é eliminada ou perdida quando o alimento é processado ou cozido, sobretudo quando são deixados de molho ou preparados a altas temperaturas.

Os vegetarianos e veganos podem apresentar um risco maior de sofrer os efeitos negativos dos antinutrientes, uma vez que sua alimentação é amplamente baseada em frutas, verduras, grãos integrais e legumes.

Mas essas dietas à base de plantas ainda estão entre as mais saudáveis ​​— e são associadas a um risco reduzido de doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes e vários tipos de câncer.

Algumas dicas
Os vegetarianos e veganos podem tomar algumas medidas para ajudar a neutralizar os efeitos dos antinutrientes na absorção de certos nutrientes:

– Combinar alimentos ricos em ferro e zinco com alimentos com alto teor de vitamina C (exemplos: almôndegas vegetarianas com molho de tomate, chili à base de tomate com feijão);

– Deixar as leguminosas de molho antes de cozinhar;

– Tentar não combinar a ingestão de laticínios com alimentos ricos em oxalato;

– Comprar laticínios fortificados com cálcio;

– Considerar tomar um suplemento multivitamínico-mineral com aproximadamente 100% da dose diária recomendada de nutrientes (consultando as informações nutricionais e consultando primeiramente um médico).

* Jill Joyce é professora assistente de nutrição em saúde pública na Oklahoma State University, EUA.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons.

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Coronavírus: A mistura de máscaras que pode bloquear 92% de partículas, segundo órgão americano

Usar uma máscara cirúrgica com uma de tecido por cima pode ampliar a proteção contra o coronavírus? A resposta é sim, segundo estudo divulgado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão de saúde dos Estados Unidos.

Por BBC News Brasil

O bloqueio de partículas emitidas pode superar 90%, segundo o experimento realizado. Embora esse percentual não possa ser aplicado a todas as situações (entenda abaixo), o estudo reforça a conclusão, que vem sendo divulgada por diversos cientistas, de que um bom ajuste da máscara ao rosto é fundamental para aumentar sua eficiência geral.

A lógica é que, se a máscara (ou as máscaras) estão bem ajustadas ao rosto, isso impede que o ar entre ou saia pelas laterais sem passar por filtragem.

Os pesquisadores avaliaram diferentes cenários: uma máscara cirúrgica, uma máscara cirúrgica com uma de tecido por cima e uma máscara cirúrgica com nó e ajuste na lateral.

A combinação da máscara cirúrgica com a de tecido por cima promoveu um bloqueio, no cenário do experimento, de 92,5% das partículas emitidas em uma tosse simulada, com partículas emitidas de 0,1 a 7 mícrons. Sozinhas e sem nós, cada uma das máscaras (cirúrgica e de tecido) bloqueou pouco mais de 40%. Neste caso, foi testado o chamado controle da fonte, ou seja, a retenção das partículas emitidas durante a tosse.

Em um segundo experimento, os pesquisadores avaliaram como modificações nas máscaras se comportariam durante um período de respiração, simulando uma fonte e um receptor.

Os cenários com maior proteção foram aqueles em que a fonte e o receptor usavam máscara dupla ou máscara cirúrgica com nós e ajuste na lateral. Nesses casos, a exposição do receptor foi reduzida em cerca de 95%.

É importante dizer que esse percentual de redução de exposição não é a mesma coisa que a capacidade de filtragem medida nas máscaras de padrão N95 ou PFF2. No caso delas, o percentual de 94% a 95% corresponde à parcela de partículas de 0,3 mícron de diâmetro (as mais difíceis de se capturar) que ficam retidas no filtro e protegem quem usa a máscara.

Limitações
Não é possível garantir, no entanto, que esses percentuais sejam iguais para qualquer situação em que uma pessoa use uma máscara de tecido por cima de uma máscara cirúrgica.

Isso porque o estudo tem limitações, segundo reconhecem os próprios autores. O primeiro ponto é que o teste foi feito com modelos específicos de máscara e em situação simulada em laboratório. Por isso, os pesquisadores dizem que “os resultados dessas simulações não devem ser generalizados para a eficácia de todas as máscaras de procedimento médico ou máscaras de pano, nem interpretados como representativos da eficácia dessas máscaras quando usadas em ambientes do mundo real”.

Os pesquisadores também não testaram outros tipos de combinações: duas máscaras de tecido ao mesmo tempo, duas máscaras cirúrgicas ao mesmo tempo ou ainda a máscara cirúrgica por cima da de tecido. Os resultados também podem não ser aplicáveis para crianças (pelo tamanho menor) ou para pessoas com pêlos faciais, como barba, já que eles interferem no ajuste.

Além disso, os pesquisadores destacam que a máscara dupla pode, em alguns casos, impedir a respiração ou obstruir a visão periférica de alguns usuários.

Assim, a principal conclusão do estudo é reforçar a orientação de que um bom ajuste pode aumentar a eficiência geral das máscaras e que uma forma de fazer isso pode ser usando uma máscara de tecido por cima de uma cirúrgica.

O estudo aponta que o uso de máscaras é “altamente eficaz para retardar a propagação do SARS-CoV-2 quando combinado com outras medidas de proteção, como o distanciamento físico, evitando multidões e espaços internos mal ventilados e boa higiene das mãos”.

N95 e PFF2
O avanço de novas variantes do coronavírus e decisões de países europeus no sentido de exigir o uso de máscaras cirúrgicas ou de padrão equivalente à PFF2 e N95 aumentou a discussão sobre os modelos adequados.

Embora as orientações variem de país para país, cientistas e estudos apontam que as máscaras N95, PFF2 ou equivalente oferecem um grau maior de proteção do que as cirúrgicas ou de tecido e devem ser priorizadas em situações de maior risco.

Esse tipo de máscara não faz parte do estudo divulgado pelo CDC nesta semana.

É importante dizer que as orientações do CDC sobre máscaras não recomendam o uso, ao mesmo tempo, de duas máscaras cirúrgicas, já que elas não são projetadas para ficar muito justas ao rosto e, portanto, o uso de mais de uma não vai melhorar esse ajuste.

No Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) mantém a indicação de máscaras de tecido, limpas e secas, para a população em geral, enquanto as máscaras cirúrgicas e as N95, PFF2 e equivalentes devem ser usadas “pelos profissionais que prestam assistência a pacientes suspeitos ou confirmados de covid-19 nos serviços de saúde”.

A OMS mantém a recomendação de uso de máscaras de tecido para o público em geral.

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Cientistas congelam sêmen de corais para tentar salvar espécie da extinção no Brasil

Estima-se que até 50% dos recifes de corais já desapareceram dos oceanos. A previsão para o futuro também não é animadora: uma projeção da Unesco apontou que, caso as mudanças climáticas não sejam revertidas, eles serão extintos até o final deste século.

Por BBC News Brasil

Conforme a temperatura do oceano aumenta — uma consequência do aquecimento global —, os corais perdem suas cores, tornam-se esbranquiçados e, por fim, morrem.

Esse cenário desastroso levou pesquisadores brasileiros a utilizar uma estratégia nova para tentar conservar a espécie: o congelamento dos gametas — células sexuais dos corais que conjugam espermatozoides e óvulos dentro de uma mesma estrutura.

A ideia é que, no futuro próximo, o material genético possa ser descongelado e usado para repovoar algumas regiões da costa onde a incidência de recifes diminuiu nos últimos anos, como Porto de Galinhas, no litoral de Pernambuco. Ou seja, o objetivo é que, em breve, o Brasil consiga produzir “corais de proveta”, animais reproduzidos em laboratório e que, depois, poderão ser transportados para algum ponto do mar.

“O aquecimento do oceano e o rápido desaparecimento dos recifes acenderam uma luz vermelha de que precisávamos fazer algo para tentar conservar a espécie. Estamos usando uma tecnologia conhecida como criobiologia (área nova da ciência que estuda os efeitos de baixas temperaturas em células, tecidos e organismos vivos)”, explica Leandro Godoy, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e coordenador técnico do projeto.

Como congelar o sêmen de coral?
A Mussismilia harttii, uma das espécies endêmicas de coral na costa brasileira, é um animal hermafrodita, ou seja, um mesmo indivíduo produz e expele tanto o espermatozoide quanto o óvulo necessários à reprodução.

Esse material é lançado dentro de um invólucro (uma espécie de cápsula) de cerca de 1,5 centímetro de diâmetro, os gametas. Cada um desses “pacotinhos” jogados na água, como explica Godoy, contém bilhões de espermatozoides e centenas de óvulos.

O sêmen dos corais pode sobreviver na água por até 22 horas — o de muitos peixes marinhos, por exemplo, vivem de 15 a 20 minutos, apenas. O espermatozoide precisa então encontrar um óvulo da mesma espécie para fecundá-lo, como na reprodução humana.

Quando isso ocorre, eles se transformam em minúsculas larvas, que flutuam no oceano por alguns dias até encontrar uma superfície sólida para se fixar — local onde o coral vai se desenvolver e se espalhar ao longo da vida.

O pico reprodutivo da Mussismilia harttii acontece entre setembro e novembro, quando pesquisadores estão indo a campo para coletar algumas colônias de coral no Parque Municipal Marinho do Recife de Fora, em Porto Seguro, litoral sul da Bahia.

A reprodução dos animais está associada à fase da lua nova. “Esse é um mistério da natureza: para a maioria das espécies de corais do Oceano Pacífico e do Caribe, a desova acontece na fase da lua cheia. No hemisfério sul, ocorre na lua nova. Uma das possibilidades para explicar esse fenômeno é uma relação entre a desova e a amplitude e a oscilação da maré, o que facilitaria a dispersão das gametas.

Os corais coletados são levados para a base de pesquisas do Instituto Coral Vivo, também em Porto Seguro, e mantidos em tanques com água do mar. Além da Mussismilia harttii, o projeto trabalha com outras duas espécies da costa brasileira — depois eles são devolvidos à natureza.

A equipe de Godoy inicia o processo de congelamento dos gametas em nitrogênio líquido, a uma temperatura de -196°C. Não é algo simples. “Não é só resfriar o material como quando a gente coloca alguma coisa no freezer. É preciso retirar toda a água dos espermatozoides e dos óvulos, porque, em caso contrário, os cristais de gelo que se formam podem destruir as células”, explica Godoy.

Por ora, o sêmen congelado é enviado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde está sendo armazenado para posterior reprodução in vitro. Estudos preliminares apontaram que cerca de 30% dos espermatozoides sobreviveram ao descongelamento, uma taxa considerada alta.

“Estamos paralisando essas células no tempo. Nós conseguimos mantê-las vivas por tempo indeterminado. No momento oportuno, podemos trazê-las de volta à vida para auxiliar na conservação dos corais”, diz Godoy.

Por que os corais são importantes?
Os recifes de coral são conhecidos como “pequenas florestas tropicais do oceano”, em virtude de sua beleza multicolorida e e importância vital para o meio ambiente.

Os recifes são um dos ecossistemas mais produtivos e biologicamente ricos da Terra. Segundo estudo do World Resources Institute (WRI), instituição global de pesquisa científica, eles se estendem por cerca de 250 mil quilômetros quadrados, uma porção minúscula do oceano. Porém, estima-se que 25% de todas as espécies marinhas conhecidas usam os recifes como abrigo em algum momento da vida.

“Onde existem recifes há uma biodiversidade imensa. Quando eles estão doentes, muitas espécies desaparecem junto”, explica a bióloga Janaína Bumbeer, especialista em ciência e conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

“Eles têm a função de engenheiros, pois aumentam a complexidade do ambiente. Servem de abrigo para muitas espécies, que se escondem de predadores, se alimentam e até se reproduzem dentro das estruturas dos recifes”, diz Bumbeer.

A sobrevivência dos corais não é importante apenas para a biodiversidade do planeta, mas também para a economia e sobrevivência da população de muitos países, inclusive o Brasil.

Segundo o WRI, 850 milhões de pessoas no mundo vivem a menos de 100 km de um recife de coral e são suscetíveis de “obter benefícios dos serviços ecossistêmicos” produzidos por eles. Entre esses benefícios está a alimentação.

“As espécies de peixes associadas a recifes são importantes fonte de proteína (para a população), contribuindo com cerca de um quarto do pesca total nos países em desenvolvimento, em média”, diz o estudo.

Além disso, os recifes são vitais para movimentar o turismo em muitos países tropicais, como o Brasil, atraindo mergulhadores, praticantes de snorkel e pescadores recreativos. “Mais de 100 países e territórios se beneficiam do turismo associado aos recifes de coral”, aponta o WRI.

Por que os corais estão morrendo?
Uma série de problemas afeta a sobrevivência dos corais. Para a maioria, o principal algoz é o aquecimento global.

Os corais são coloridos porque abrigam as zooxantelas, microalgas que grudam o tecido do animal em uma relação de simbiose (ambos se beneficiam desse encontro).

“Essas microalgas fazem fotossíntese, e o material químico produzido por esse processo serve de alimento para os corais”, explica Leandro Godoy.

Com o aquecimento acentuado do oceano nos últimos anos, o processo de fotossíntese fica desregulado.

“Com a água mais quente, as algas passam a produzir um elemento tóxico para os corais. Então os corais ‘expulsam’ as algas de seu tecido. É por isso que eles ficam brancos: a gente passa a enxergar o esqueleto branco do coral, pois o tecido dele, sem as algas, é transparente. Sem essa relação de simbiose com as algas, eles acabam morrendo”, diz Godoy.

Há inúmeras outras ameaças aos recifes, e elas podem variar dependendo da região. A pesca predatória, por exemplo, ameaça 55% dos corais do mundo, segundo estudo do WRI.

“O corais sofrem muito quando a pesca é de arrasto, aquela com uma grande rede que chega ao fundo do mar arrastando tudo. Muitos são destruídos em segundos”, explica a bióloga Janaína Bumbeer.

Há outros problemas apontados pelos cientistas, como vazamentos de petróleo, pisoteamento dos recifes por turistas, sujeira despejada por navios e a poluição da água do mar por falta de saneamento básico nas cidades.

Política pública
Os pesquisadores envolvidos no congelamento do sêmen dos corais acreditam que o projeto pode ajudar a desacelerar a extinção dos recifes, além de ser uma espécie de “reserva de emergência” caso a situação piore no futuro, como indicam as projeções.

“Provavelmente, algumas espécies de coral serão extintas pois existem danos que não podem mais ser revertidos… Temos que aceitar que isso vai acontecer”, diz Godoy. “Mas acredito que criar esse banco de gametas pode ser muito importante para ajudar a repovoar algumas regiões. É um empurrãozinho que a ciência dá para conservar a espécie.”

Para Janaína Bumbeer, o congelamento de material genético pode se transformar em uma política pública no futuro.

“Acho que projetos como esse podem se traduzir em política pública pra tomada de decisões. Não há mais tempo de espera: os impactos ambientais são muito rápidos e visíveis. Temos potencial científico no Brasil, mas precisamos fazer nossa lição em casa e investir em conservação”, diz.

Foto: ENRICO MARCOVALDI/DIVULGAÇÃO

Registro permite compra de vacina por clínicas privadas, mas dever do Estado é usá-las no SUS, diz pesquisador

Anvisa concedeu o 1º registro definitivo de uma vacina contra a Covid, a da Pfizer. Medida permite a importação para o país inclusive pela rede privada, mas Estado tem permissão legal de requisitar as vacinas para o setor público.

Por G1

O registro definitivo concedido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) à vacina da Pfizer contra a Covid, nesta terça-feira (23), permite a importação da vacina para o Brasil. Segundo o pesquisador Daniel Dourado, da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Paris, a medida autoriza, também, que clínicas privadas comprem a vacina.

“Do ponto de vista legal, a única exigência para uma empresa comprar e comercializar um produto de saúde no Brasil é que ele seja registrado na Anvisa. Isso é o que está na lei”, explica Dourado.

Apesar da possibilidade legal, não há previsão de venda da Pfizer para a rede privada. Segundo a assessoria da farmacêutica no Brasil, a empresa “só vai negociar com o governo federal”.
Dever do estado
Em caso de uma eventual futura comercialização, Dourado avalia, entretanto, que é dever do Estado brasileiro usar quaisquer vacinas que sejam compradas pela iniciativa privada para vacinar as pessoas pelo SUS. Essa medida é chamada de requisição administrativa e é prevista em lei. Ela também dita que o poder público deverá indenizar a rede privada pelas vacinas requisitadas.

“A requisição administrativa é um instrumento legal, que está previsto na Constituição e em várias leis em casos de perigo público. Numa situação extrema, o Estado pode pegar a propriedade privada, expropriar para uso coletivo e, depois, indenizar o [setor] particular”, explica Dourado.
Essa expropriação pode ser feita pelos governos municipais, estaduais ou pela esfera federal.

“Imagina que um laboratório privado da Bahia consiga comprar a vacina da Pfizer antes de o governo do estado conseguir. O governo pode requisitar”, diz. “Os governos estaduais e municipais que quiserem podem fazê-lo. Eu acho que eles não têm essa escolha – enquanto houver escassez de vacinas, eles são obrigados a requisitar”, avalia.

“A obrigação do Estado brasileiro é garantir o direito à saúde – neste momento, o principal elemento para garantir o direito à saúde é vacina. Qualquer vacina que entrar no território nacional é obrigação do Estado incorporar no PNI [Programa Nacional de Imunizações]. É a única maneira de o Estado garantir o direito à saúde neste momento – é a minha leitura constitucional”, afirma Dourado.
“Se começarem a aparecer várias clínicas privadas comprando a vacina da Pfizer, seguramente os estados vão entrar com ação no STF obrigando o Ministério da Saúde a requisitar as vacinas e distribuir. Imagine num cenário que não tem vacinas suficientes para a fase 1 dos grupos prioritários, de repente, começar a aparecer vacina na rede privada”, diz.

Compra pelos estados
O pesquisador da USP avalia que, apesar de as vacinas poderem ser requisitadas ou até compradas diretamente por municípios ou estados, a obrigação é do Ministério da Saúde.

“O Ministério da Saúde deveria ser, na minha visão, obrigado a fazer isso. A primeira instância federada a fazer isso seria o governo federal, porque pode distribuir proporcionalmente aos estados e municípios. Se cada estado fizer, vai distribuir somente para os estados. Isso só seria feito na omissão do governo federal”, pondera.

“Os estados sempre puderam fazer negociação direta com os laboratórios. Mas isso não é interessante que seja feito normalmente – porque o Brasil tem o PNI. O papel do PNI, do Ministério da Saúde, é organizar a vacinação no país como um todo. Isso não é feito [agora] por uma questão política”, afirma.
Dourado explica que, se a imunização ficar a cargo dos governos estaduais, a política pública de vacinação fica desarticulada.

“Os estados vão adquirir vacinas conforme suas possibilidades. O estado mais rico vai comprar mais vacina e imunizar a população antes. Não é de interesse da federação ter uma unidade federativa com a população toda imunizada e outra, não. Por isso que, em um país federativo, é preciso ter uma articulação em um nível federal, para que as vacinas cheguem de forma harmonizada nos estados”, afirma.

Foto: REUTERS/Dado Ruvic/Direitos Reservados

Covid-19: "A pandemia é muito maior e inesperada", alerta clínico geral

Coordenador do Pronto-Socorro do Hospital Santa Lúcia, médico Luciano Lourenço destaca pontos preocupantes em descobertas relacionadas ao novo coronavírus

Por Correio Braziliense

Em um ano após a primeira confirmação de um caso da covid-19 no Brasil, a doença se revelou algo muito mais grave do que uma simples infecção viral. Apesar de terem sintomas característicos de uma gripe, diversos pacientes se queixam, mesmo após a recuperação, de problemas como queda de cabelo, disfunção erétil, além de alterações cognitivas e na coordenação motora. Em entrevista ao programa CB.Saúde — parceria do Correio com a TV Brasília — nessa quinta-feira (25/2), o médico Luciano Lourenço alertou sobre o assunto. Clínico geral e coordenador do Pronto-Socorro do Hospital Santa Lúcia, ele falou à jornalista Carmen Souza sobre novas variantes do coronavírus e a importância da vacina para o combate delas.

Existem pesquisas e depoimentos que mostram complicações curiosas após a infecção pelo novo coronavírus, como perda de paladar, problemas cognitivos e disfunção erétil. Que relatos o senhor tem recebido e percebido?
As infecções virais têm essas características porque os vírus infectam todas as células do nosso organismo. Então, de alguma forma, cérebro, pulmão, coração, rim, intestino, pele, couro cabeludo e todas as nossas células sofrem com a inflamação de um vírus que o organismo não conhece. Consequentemente, surgem esses efeitos mais atípicos. Temos os efeitos típicos, aqueles do momento da contaminação, em que o paciente está desenvolvendo a doença: dor no corpo, dor de cabeça, artralgias (dor nas juntas), mialgias (dores musculares) e, em alguns casos, diarreia e coceira. No entanto, começamos a perceber que, além dos sintomas mais comuns, temos queixas de falta de concentração, de memória, de queda de cabelo e de dificuldade para retomar as atividades físicas. Temos de pensar, também, nas doenças mentais, porque há um aumento muito grande de queixas emocionais, de ansiedade, pânico e depressão. Com mais ou menos um ano da primeira confirmação (de caso da covid-19) no Brasil, começamos a ver que ela (a pandemia) é muito maior e inesperada.

Podemos dizer que os sintomas atípicos são causados por uma ação direta do vírus em algum órgão específico ou que seriam consequências indiretas?
Essa é uma grande questão porque, quando temos momentos como os que vivemos nesses últimos tempos, temos de entender se (os sintomas) vêm, realmente, só do vírus ou se as mudanças bruscas das rotinas sociais, laborais e familiares podem estar contribuindo para isso. A queda de cabelo, a disfunção erétil e a relação com a memória são só por causa do vírus ou têm um somatório das imposições que essa situação (de pandemia) gerou? Se você passa, por exemplo, de um padrão normal, em que você tinha uma vida regrada, para um de ansioso, restrito à residência, aos familiares e sedentário, será que não é esse estilo de vida que está gerando esses sintomas? Ou é apenas uma relação com a covid-19? Ou são os dois juntos? Há muitas perguntas sendo levantadas e muitas pessoas procurando respostas para elas.

Um estudo da Universidade de Quebec, no Canadá, mostrou que algumas pessoas ficam ao menos cinco meses com o paladar comprometido. Esses sintomas estão ligados às funções cerebrais?
O vírus entra em nosso organismo, preferencialmente, pelas vias aéreas superiores (nariz e boca). As células sensoriais, principalmente o bulbo olfatório (estrutura cerebral que permite a captação de aromas), é um dos locais a que o vírus tem acesso muito rápido, pelo padrão de respiração (humana). É um local predominante da primeira instalação do vírus. Por isso que a perda de cheiro chama muito a atenção e pode ser um indicativo da contaminação pelo vírus. Por que o cheiro acaba? Porque (as células cerebrais) inflamam. A anatomia das células do bulbo olfatório muda pela invasão. O vírus é muito inteligente, pois usa a célula de nosso corpo para se multiplicar. Quando entra nas do bulbo olfatório, ele muda um pouco a conformidade dessas células, e elas perdem a capacidade de gerar a informação do estímulo do cheiro para o cérebro. Consequentemente, há perda (da percepção) de cheiro. Isso acontece, também, com o gosto, porque as glândulas (sensoriais) são próximas, e acaba havendo essa inflamação, que atinge os dois (olfato e paladar). Quando a inflamação é mais severa, os sintomas perduram por um período grande.

Também existem estudos que mostram o impacto da doença na saúde sexual masculina, causando, principalmente, disfunção erétil e dor nos testículos. Isso ocorre pela presença do vírus nos órgãos?
Uma inflamação do testículo pode alterar a capacidade do homem produzir testosterona, por exemplo. Como esse hormônio é um dos que estão envolvidos na libido, a inflamação do testículo pode causar disfunção. No entanto, voltamos à pergunta inicial de (o problema) ser (causado) só pelo vírus ou ter a ver com toda a mudança, desgastes emocionais e físicos gerados pelas imposições da pandemia.

Como podemos relacioná-lo com a complicação de casos de diabetes?
A diabetes é uma doença que, quando bem controlada, tem poucos sintomas. Se controlada a longo prazo, ele tem baixos riscos de complicação. Inclusive, pacientes com doenças como hipertensão e diabetes entram no grupo de risco quando elas não estão compensadas. Quando você as tem muito bem controladas e se infecta com o coronavírus, existe um risco maior de descompensar a doença, mas não há uma relação direta de que esses pacientes terão quadro grave.

A imunização é a melhor alternativa para evitar todos esses tipos de complicações?
Podemos dizer que é a única. Não há outra forma. Não existe nenhuma medicação que realmente esteja aceita de forma contundente para tratar a covid-19. Criar soldados (anticorpos) para que estejam à disposição é, sem sombras de dúvidas, a alternativa mais inteligente e real para conseguirmos controlar a doença no mundo inteiro.

Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press

Butantan quer fim da exclusividade de venda de vacinas ao governo federal para atender ao pedido de mais 30 milhões de doses do ministério, diz Doria

Governador de São Paulo disse que, sem exclusividade do ministério, ‘outros governos, estaduais e municipais, poderão adquirir a vacina do Butantan’. Ministério da Saúde manifestou intenção de compra de mais 30 milhões de doses do imunizante na última quinta.

Por G1

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou nesta quarta-feira (24) que o Instituto Butantan vai atender ao pedido do Ministério da Saúde para a compra de mais 30 milhões de doses da vacina CoronaVac desde que o governo não exija mais exclusividade de venda para a pasta.

“Vamos atender o pedido do governo federal para mais 30 milhões de doses de vacinas do Butantan desde que não seja exigida mais a exclusividade para venda ao Ministério da Saúde. Desta maneira outros estados, outros governos, estaduais e municipais, poderão adquirir a vacina do Butantan de acordo com a sua conveniência”, disse Doria nesta quarta.
Em entrevista a jornalistas, o governador de São Paulo disse também que o estado de São Paulo é um dos que tem interesse em adquirir doses de vacina para além do plano nacional.

“O próprio governo de SP o fará, conforme já anunciei aqui, compraremos mais 20 milhões de doses da vacina do Butantan para complementar a vacinação, se necessário for, aqui no estado de São Paulo”, disse Doria.

Doria já havia anunciado a compra desse montante para vacinar “os brasileiros de São Paulo”. No entanto, a aquisição dessas doses também pode ocorrer apenas após a entrega das vacinas já negociadas com o Ministério da Saúde.

Nesta terça-feira (23) o diretor do Butantan, Dimas Covas, declarou que o instituto poderia começar a envasar as doses adicionais a partir de agosto.

“Doses adicionais poderão ser produzidas a partir de agosto. Terminando a entrega das 100 milhões [de doses] nós poderemos produzir as 20 milhões de São Paulo e as 30 milhões do Ministério e, eventualmente, ampliar essa solicitação”, disse Dimas Covas.

Contratos firmados
O último contrato entre o Ministério da Saúde e o Instituto Butantan para a aquisição de 54 milhões de doses da CoronaVac prevê que o governo federal tem exclusividade para comprar todas as vacinas importadas da China ou produzidas no Brasil pela entidade até que todas as 100 milhões de doses compradas pelo governo federal sejam entregues. O prazo final para o Butantan fornecer ao governo federal esse montante é 30 de setembro.

O acordo para a compra de mais 54 milhões de doses da vacina contra Covid-19 produzida pelo Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac foi assinado no dia 15 de fevereiro. Essas doses se somam às 46 milhões que já haviam sido comprados pelo ministério, e que devem ser entregues até 30 de abril, totalizando 100 milhões de doses.

Embora o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), tenha prometido comprar um lote extra de 20 milhões de doses da CoronaVac exclusivamente para imunizar “brasileiros de São Paulo”, a negociação só poderá se concretizar após a entrega de todas essas 100 milhões de doses ao Ministério da Saúde ou com autorização da pasta.

O G1 teve acesso ao novo contrato no valor de R$ 3,42 bilhões, assinado no dia 15 de fevereiro. Uma das cláusulas estipula que “a Contratante terá o direito de exclusividade na aquisição de doses produzidas ou importadas pela Contratada em todo o território nacional, até que seja realizada a entrega da totalidade do objeto [54 milhões de doses]”.

Ministério acusa Butantan de atraso
O Ministério da Saúde anunciou na última quinta-feira (18) que o Butantan não vai cumprir as entregas previstas em contrato para fornecer doses da CoronaVac à pasta. O ministério afirma que o cronograma previsto no contrato inicial, de 46 milhões de doses, não será cumprido pelo instituto em fevereiro.

Segundo o Ministério da Saúde, o Butantan vai enviar apenas 2,7 milhões de doses neste mês, o que corresponde a 30% do total previsto para fevereiro. Ainda de acordo com a pasta, o instituto avisou o governo federal do atraso apenas nesta quinta-feira, por meio de um ofício.

Já o Instituto Butantan culpou o “desgaste diplomático” entre o governo federal e a China pelo atraso na entrega, e disse que “o Ministério da Saúde omite a briga com a China”. O Butantan disse ainda que é “inacreditável que o Ministério da Saúde queira atribuir ao Butantan a responsabilidade pela sua completa falta de planejamento”.

O contrato firmado entre o Butantan e o ministério para a compra de 46 milhões de doses para o governo federal prevê a entrega de 9,3 milhões no mês de fevereiro. No início do mês, o governo de São Paulo relatou dificuldades para importar matéria-prima da China.

Plano estadual X plano nacional
Até o momento, todas as vacinas disponíveis contra a Covid-19 no Brasil estão sendo distribuídas aos estados dentro do Programa Nacional de Imunização (PNI) do Ministério da Saúde.

O governo de São Paulo, no entanto, faz críticas ao governo federal sobre a lentidão na negociação de novas doses, tanto com o Butantan, quanto com outros fabricantes de vacinas.

Até o momento, o montante disponível é insuficiente para imunizar os grupos prioritários, e algumas cidades do país já começaram a suspender a vacinação por falta de doses.

Antes da assinatura do contrato de 54 milhões de doses, o Butantan chegou a afirmar que negociaria essas doses com estados e municípios e até com outros países, caso o o governo federal não confirmasse o interesse na aquisição.

Foto: REUTERS/Amanda Perobelli