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Vacinas baseadas em vetores adenovirais podem propiciar coágulos?

Pesquisadora da Austrália analisa o que poderia estar por trás da (rara) reação observada em pessoas que tomaram imunizantes da AstraZeneca e da Johnson contra Covid-19

Por Revista Galileu

Nesta semana, as autoridades de saúde dos EUA recomendaram pausar o lançamento da vacina de dose única contra Covid-19 da Johnson&Johnson/Janssen enquanto acontecem as investigações sobre coágulos sanguíneos excepcionalmente raros. Seis mulheres apresentaram coágulos sanguíneos em quase 7 milhões de doses administradas.

A vacina da J&J usa uma tecnologia semelhante à da AstraZeneca [feita em parceria com a Universidade de Oxford], conhecida como vetores adenovirais, o que levou alguns especialistas a especularem que pode haver uma ligação entre essa plataforma de vacina e a condição muito rara de coagulação sanguínea conhecida como trombocitopenia trombótica imune induzida por vacina (VITT).

Até agora, uma ligação entre a tecnologia de adenovírus em geral e os coágulos sanguíneos é puramente especulação — não há evidências ainda —, mas vale a pena as autoridades de saúde avaliarem os dados e os pesquisadores tentarem entender:

– Os vetores adenovirais em geral podem causar VITT?
– A VITT é específica para a vacina adenoviral da AstraZeneca?
– Certos indivíduos azarados estão predispostos a desenvolver VITT?

Então, o que são adenovírus e como eles são usados em vacinas?

Os adenovírus são uma grande família de vírus encontrados em humanos e outros animais. Em pessoas, alguns desses vírus podem causar o resfriado comum.

Os cientistas também podem usar esses vírus para desenvolver vacinas e fazer o que é chamado de “vetor viral”. Um vetor é um invólucro de vírus que os pesquisadores podem usar para empacotar e entregar um alvo de outro vírus.

Para fazer um vetor adenoviral, os cientistas pegam um adenovírus e removem qualquer material genético que possa permitir que o vírus se replique e se espalhe ou cause doenças. Os pesquisadores então pegam a casca do adenovírus e inserem instruções genéticas sobre como criar um alvo na superfície de outro vírus. No caso da Covid-19, eles usam as instruções para fazer a “proteína spike” na superfície do vírus Sars-CoV-2.

Para o seu sistema imunológico, um vetor adenoviral parece um vírus perigoso, embora não possa se replicar ou causar doenças. Como resultado, seu sistema imune apresenta uma resposta séria, e é por isso que as pessoas relatam efeitos colaterais mais perceptíveis, como febre, fadiga e dor no braço, alguns dias após a vacina.

Semelhantes, mas diferentes

Atualmente, quatro vacinas de Covid-19 usam vetores adenovirais: AstraZeneca, Janssen/Johnson & Johnson, CanSino Biologicals e Sputnik V.

Existem muitos adenovírus por aí para usar como ponto de partida e fazer diferentes vetores adenovirais. Embora esses vetores possam compartilhar algumas características, eles também podem ser biologicamente muito diferentes.

Diferentes adenovírus usam diferentes pontos de acesso, conhecidos como receptores, para entrar em nossas células. Isso pode resultar em tamanhos e tipos muito diferentes de resposta imunológica. Além disso, o adenovírus usado nas vacinas da Sputnik V e da CanSino, chamado “rAd5”, não é muito bom em disparar alarmes em nosso sistema imunológico, ao passo que outros vetores adenovirais são melhores.

As diferentes vacinas também fornecem conjuntos ligeiramente diferentes de instruções para a proteína spike [ou de pico]. A vacina da J&J, chamada “rAd26”, instrui nossas células a fazerem uma proteína de pico que é bloqueada em uma forma específica, para ajudar nosso sistema imunológico a reconhecê-la, e é direcionada à superfície da célula. A vacina da AstraZeneca, chamada “chAdOx01”, instrui a célula a produzir uma proteína de pico que não está travada em um lugar e pode ser secretada pela célula.

Dadas essas diferenças, se uma vacina adenoviral está associada a um efeito específico em nosso corpo, como coágulos sanguíneos, isso não significa que todas as vacinas dessa família terão o mesmo efeito. Mas os reguladores [que aprovam o uso de imunizantes] ainda devem investigar.

Precisamos entender mais sobre esses coágulos sanguíneos

Vários órgãos reguladores emitiram notificações de uma ligação plausível entre a vacina da AstraZeneca e VITT.

Esse risco é muito, muito baixo — cerca de uma em 200 mil pessoas que recebem a vacina podem desenvolver a doença. Mas para a rara pessoa que desenvolve VITT, as consequências podem ser graves, com cerca de um quarto dos acometidos morrendo por causa disso. Portanto, os reguladores estão levando a situação a sério.

A VITT não é como outras condições de coagulação. Existem muitos tipos diferentes de distúrbios de coagulação, mas parece que a VITT é provavelmente causada por uma resposta imune incomum.

Não sabemos exatamente o que desencadeia essa resposta imunológica. Houve relatos de condições de coagulação com infecções por adenovírus ou doses muito altas de vetores adenovirais. No entanto, isso ocorreu muito rapidamente, e a VITT é uma resposta tardia, observada entre quatro e 20 dias após a imunização. Parece mais provável a essa altura que, em alguns pacientes muito raros, algum tipo de resposta imunológica incomum possa ser desencadeada.

Enquanto os pesquisadores tentam entender a VITT, muitos reguladores estão adotando uma abordagem cautelosa — aconselhando suas comunidades, dando orientações para vacinas mais indicadas a grupos de idade mais jovens e revisando os dados de outros imunizantes.

Ao fazerem isso, os reguladores devem equilibrar um risco muito raro de VITT com a vacina da AstraZeneca, com um risco muito real de morte e doença que as pessoas com Covid-19 enfrentam. Para muitos, principalmente idosos em regiões com transmissão comunitária do vírus, ainda faz sentido para sua saúde receber a vacina de Covid-19 disponível.

Essas são decisões complexas que resultam em informações diferenciadas difíceis de comunicar. Mas o fato de os reguladores estarem se envolvendo com elas de forma rápida e transparente tem sido reconfortante para mim e, espero, para outras pessoas.

*Kylie Quinn é pesquisadora bolsista na Escola de Saúde e Ciências Biomédicas da Universidade RMIT (Austrália). Este artigo foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation.

Foto: Alena Shekhovtcova/Pexels

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