Dengue não aumenta risco de microcefalia associada ao zika, conclui estudo

Pesquisa brasileira mostra que infecção prévia por dengue não interfere nas chances de uma gestante infectada pelo zika dar à luz um bebê com a condição

Por Revista Galileu

A infecção prévia por dengue não aumenta o risco de uma gestante infectada pelo zika dar à luz um bebê com microcefalia. Essa é uma das conclusões de uma pesquisa que comparou dados de mulheres grávidas de duas capitais brasileiras, Rio de Janeiro e Manaus.

A epidemia de zika no Brasil ocorreu entre 2015 e 2016 em regiões historicamente endêmicas para a dengue e ambos os vírus têm o mesmo vetor de transmissão, o mosquito Aedes aegypti. À época, alguns Estados afetados registraram um aumento de casos de microcefalia (um raro distúrbio neurológico no qual o cérebro do bebê não se desenvolve completamente), enquanto outras regiões não tiveram o mesmo crescimento.

De acordo com o estudo, dois fatores explicam o maior número de registros de microcefalia em algumas áreas: a alta taxa de casos de zika em relação ao total da população (a chamada taxa de ataque) e o fato de as mães dos bebês com o distúrbio terem contraído o vírus no primeiro trimestre da gravidez.

Apoiado pela Fapesp por meio de dois projetos (16/15021-1 e 13/21719-3), o trabalho está inserido na Rede de Pesquisa sobre Zika Vírus em São Paulo, conhecida como Rede Zika. Os resultados foram publicados no periódico Viruses, ligado ao Multidisciplinary Digital Publishing Institute (MDPI), no fim de abril, em uma edição especial sobre zika e gravidez.

“As discrepâncias do número de registros de microcefalia entre regiões durante a epidemia de zika levaram a muitos questionamentos. Uma das hipóteses era de que a pré-exposição à dengue poderia agravar os casos. Mas no interior de São Paulo, mesmo sendo uma região altamente endêmica para dengue, não houve muitos efeitos adversos do zika. Por isso, fomos investigar o que poderia explicar as diferenças”, afirma o virologista Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e um dos orientadores do grupo juntamente com a pesquisadora Patrícia Brasil, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Segundo Nogueira, ao analisar os dados das duas capitais, a taxa de ataque teve destaque. Enquanto no Rio de Janeiro, que registrou muitos casos de microcefalia, o número de pessoas contaminadas com o vírus zika foi de dez para cada 10 mil habitantes, em Manaus, onde o índice de bebês com a síndrome foi baixo, a taxa de casos ficou em 0,6 por 10 mil pessoas.

“A microcefalia causada por zika é um fenômeno raro. Porém, quando há muitos casos da doença em uma região, esse fenômeno torna-se mais aparente. O fato de a mulher se contaminar com o vírus no primeiro trimestre da gestação já havia sido apontado como relevante e agora comprovamos isso”, explica o virologista.

Metodologia

Para realizar a pesquisa, o grupo investigou as diferenças nos resultados adversos da gravidez e nos bebês nas duas coortes (conjunto de pessoas que têm em comum um evento que se deu no mesmo período), compreendendo 114 gestantes com infecção pelo vírus zika confirmada por PCR entre setembro de 2015 e junho de 2016. As participantes foram recrutadas na Fundação Heitor Vieira Dourado de Medicina Tropical (FMT-HVD), um centro de referência para doenças infecciosas em Manaus, e no ambulatório de doenças febris agudas da Fiocruz, no Rio.

A exposição prévia à dengue foi avaliada por meio de ensaios de anticorpos neutralizantes e sorologias. Foram exploradas as associações potenciais entre os resultados da gravidez e as taxas de ataque do zika, definidas como o número de casos relatados em sistemas oficiais durante o período de estudo dividido pelo tamanho total da população das duas cidades.

No geral, 31 mulheres tiveram resultados adversos (27 no Rio e quatro em Manaus). Desse total, houve quatro perdas na gravidez e 27 bebês nasceram com anomalia cerebral. “Apenas as taxas de ataque de zika e infecção no primeiro trimestre da gravidez foram associadas a efeitos adversos. A imunidade preexistente à dengue não foi associada a resultados [normais ou anormais] em pacientes com infecção por zika durante a gravidez”, concluem os pesquisadores no artigo.

E completam: “Os pontos fortes de nosso estudo incluem uma classificação cuidadosa dos resultados infantis, possibilitada por avaliações detalhadas no nascimento por uma equipe multidisciplinar. Além disso, o uso de um ensaio altamente sensível e específico para caracterizar a imunidade de dengue preexistente e o uso de soros coletados durante a fase aguda do zika por RT-PCR conferem credibilidade aos nossos resultados. Nossas principais limitações são o tamanho modesto da amostra e a seleção da amostra de conveniência”.

Nogueira cita que, em outro estudo coordenado por ele em 2017, já havia sido mostrado que pacientes infectados pelo zika depois de terem tido dengue não apresentavam uma enfermidade mais severa do que outras pessoas. Esse trabalho foi o primeiro a indicar esse resultado em seres humanos. À época, estudos anteriores realizados apenas com células e com roedores sugeriam a potencialização de uma infecção pela outra (leia mais em: agencia.fapesp.br/25549/).

Histórico

A microcefalia é resultado de alterações no processo de formação do sistema nervoso durante o desenvolvimento embrionário, o que faz com que a cabeça e o cérebro do bebê sejam menores se comparados aos valores de referência para a idade. Na maior parte dos casos, as crianças apresentam atrasos e problemas de desenvolvimento mental, físico e motor.

Entre as causas da microcefalia estão fatores genéticos, exposição a substâncias químicas, bactérias e vírus. Recentemente, mostrou-se que o vírus zika, ao infectar gestantes, pode comprometer o desenvolvimento do feto.

Durante a epidemia no Brasil, o zika afetou pessoas de todas as idades e foi associado à ocorrência de um grande número de casos congênitos. Em novembro de 2015, o Brasil declarou situação de emergência em saúde pública por causa do aumento de ocorrências. Em seguida, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou um alerta epidemiológico, destacando a possibilidade de desenvolvimento de malformações neurológicas congênitas associadas à infecção de gestantes pelo zika.

Somente naquele ano foram registrados mais de 2.400 casos de microcefalia no país, distribuídos em pouco mais de 540 municípios de 20 Estados. Para ter uma ideia do crescimento, o total de registros no Brasil entre 2010 e 2014 havia sido de 781 casos em todo o período.

Em relação ao zika, o país teve cerca de 214 mil casos prováveis em 2016. No ano seguinte foram 17 mil casos, caindo para 8 mil em 2018. De janeiro a março deste ano, o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde aponta 448 registros prováveis da doença.

Transmitido pela picada do Aedes aegypti, o zika tem sintomas parecidos aos da dengue. Na maior parte dos contaminados provoca febre, dor de cabeça, vermelhidão nos olhos, dores nas articulações e manchas no corpo, desaparecendo, em média, em dez dias.

Agora, o grupo de estudos continua analisando a interação entre zika e dengue e avaliando se o zika também modula a infecção por dengue. Nogueira também participa de um grupo internacional que busca modelos capazes de prever epidemias de zika, dengue e febre amarela (leia mais aqui agencia.fapesp.br/35156/).

O artigo Why Did ZIKV Perinatal Outcomes Differ in Distinct Regions of Brazil? An Exploratory Study of Two Cohorts pode ser lido em: www.mdpi.com/1999-4915/13/5/736/htm.

Foto: TV Brasil/Divulgação

Anvisa autoriza a realização de testes de soro anticovid em humanos

Será a primeira vez que o soro será aplicado em voluntários humanos

Por Agência Brasil

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou, hoje (25), que autorizou o início dos testes do soro anti-Sars-CoV-2, desenvolvido pelo Instituto Butantan. Esta será a primeira vez que o soro será aplicado em voluntários humanos.

O pedido para a autorização para testar o soro, que é produzido em cavalo, em pacientes com a covid-19, foi feito pelo instituto no início de março. A expectativa do Butantan é que o soro possa ajudar a reduzir a letalidade e a gravidade da doença e aliviar o sistema de saúde.

Nos testes em animais, como coelhos e camundongos, o soro já demonstrou a diminuição da carga viral e perfil inflamatório reduzido.

Na sequência, a Anvisa deu anuência para a pesquisa com seres humanos no dia 24 de março, mas mediante a assinatura de um Termo de Compromisso que previa a entrega de informações complementares, que ainda não estavam disponíveis naquele momento.

O teste em humanos é uma etapa chave para que o instituto possa avançar no desenvolvimento do medicamento e, posteriormente, solicitar seu registro junto à Anvisa, condição necessária para que ele seja usado no mercado.

A autorização concedida nesta terça-feira ocorreu após o Butantan submeter o novo protocolo clínico com as adequações necessárias para que o estudo possa ser iniciado em humanos. A Anvisa disse ainda que a autorização ocorreu após uma avaliação criteriosa dos aspectos técnicos e de segurança do produto.

“A avaliação da proposta de pesquisa foi feita integralmente pela Anvisa, sem a participação de outras agências estrangeiras, já que as fases iniciais de testes clínicos do soro serão feitas apenas no Brasil”, informou a agência.

Foto: Arquivo/Instituto Vital Brazil

Nota de Repúdio – Projeto de Lei nº 1.912/21, do senador Omar Aziz (PSD-AM), que criminaliza o tratamento off label

A Anadem (Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética) vem, por meio dessa nota, repudiar o Projeto de Lei (PL) nº 1.912/21, proposto pelo senador Omar Aziz (PSD/AM), presidente da CPI da Covid. A propositura tem o intuito de alterar o Decreto-Lei nº 2.848/1940 e tornar crime “prescrever, ministrar ou aplicar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais sem a comprovação científica de sua eficácia no tratamento da doença apresentada pelo paciente”, criminalizando o tratamento off label (uso reposicionado, fora da bula).

O Projeto tem como objetivo extinguir a recomendação do chamado ‘tratamento precoce’ contra a covid-19, que é composto pela hidroxicloroquina e ivermectina, protocolo que tem ganhado diversos adeptos, sendo recomendado por profissionais da saúde durante a pandemia. A alegação do senador é que o uso de medicamentos não comprovados cientificamente na prevenção ou no tratamento de doenças como a covid-19 tem causado efeitos adversos, como hepatite medicamentosa, hemorragias, insuficiência renal e arritmia.

Medicamentos off label não são utilizados somente no tratamento contra a covid-19, mas durante décadas e contra os mais diversos tipos de doenças. O uso off label não é ilegal, já que todos os medicamentos são registrados e homologados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e têm qualidade, eficácia e segurança garantidos. Para que seja utilizado um medicamento off label é necessário que o médico assuma os riscos desse tratamento e que o paciente esteja ciente e queira se submeter a ele.

A proibição do uso off label afeta diretamente protocolos que já são utilizados na sociedade. A criminalização é um risco para tratamentos eficazes e que prezam pela saúde dos pacientes. O tratamento é aceito não apenas no Brasil, mas em diversos outros países, inclusive nos EUA e na Europa.

Diversos remédios classicamente conhecidos pela sociedade brasileira são frutos do tratamento off label: espironolactona – diurético usado como antiandrogênico para tratar acne e hirsutismo feminino; betabloqueadores – anti-hipertensivo e antiarrítmico usado para tratar ansiedade e pânico; fluoxetina e amitriptilina – antidepressivos usados para tratar fibromialgia e ejaculação precoce; ácido acetilsalicílico (conhecido como aspirina), desenvolvido como analgésico, mas usado também para prevenção de trombose e de infartos; e dimenidrinato (conhecido como dramin), criado para náuseas e enjoos, mas que também é um bom indutor de sono.

Em caso de aprovação, o PL desrespeitará a soberania clínica do médico que realiza esse tipo de tratamento; prejudicará gravemente pacientes que fazem uso desses protocolos; e não inibirá a prática do ‘tratamento precoce’, mas sim estimulará a automedicação.

O Código de Ética Médica (artigo 32), reitera que é vedado ao médico “deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente”. Logo, o uso off label é indispensável, mas de inteira responsabilidade do profissional prescritor. É temerário barrar uma prática que pode salvar vidas quando medicamentos convencionais não preservem a saúde ou provam o reestabelecimento do paciente.