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Estudo revela por que Parkinson gera dificuldade para desviar de obstáculos

Incapacidade de manter o ritmo da caminhada e o posicionamento do pé explicam o problema; descobertas podem ajudar a criar protocolo de exercícios para amenizar a dificuldade

Por Revista Galileu

Um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Bauru mensurou em pacientes com doença de Parkinson a sinergia do comprimento do passo durante a travessia de obstáculos e concluiu que ela é 53% menor do que em pessoas saudáveis da mesma idade e peso.

O termo sinergia, neste caso, se refere à capacidade do sistema locomotor de adaptar o movimento – combinando fatores como velocidade e posicionamento do pé, por exemplo – quando é preciso cruzar um obstáculo, como desviar de um buraco ou subir a guia da calçada. Melhorar a capacidade sinérgica em pacientes com Parkinson durante o ato de caminhar pode fazer grande diferença na qualidade de vida dessas pessoas, pois elas tendem a cair até três vezes mais, em média, do que indivíduos saudáveis com a mesma idade. Segundo os pesquisadores, o comprimento do passo é uma das principais variáveis afetadas pela doença.

“Há pacientes no nosso grupo de exercício que chegam a cair três, quatro vezes por semana. Entender o caminhar e a adaptação à transposição de obstáculos nesses pacientes é importante para que possamos melhorar o padrão de sinergia do comprimento do passo, adaptando o protocolo de exercícios para melhorar a locomoção e tentando reduzir o número de quedas”, explica Fabio Augusto Barbieri, professor do Departamento de Educação Física da Unesp e do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento-Interunidades.

Ele assina, com mais quatro cientistas, um artigo publicado na revista Gait & Posture, intitulado Step length synergy while crossing obstacles is weaker in patients with Parkinson’s disease. O primeiro autor é o professor Satyajit Ambike, engenheiro mecânico da Purdue University (Estados Unidos). Trata-se do primeiro estudo relatando sinergias locomotoras prejudicadas em pacientes com Parkinson.

“A inovação do nosso estudo é olhar para a ritmicidade do caminhar. Medindo a sinergia do comprimento do passo é possível determinar esse ritmo, a constância com que a pessoa vai posicionar o pé para manter a locomoção. A sinergia pressupõe um objetivo predefinido e diz respeito à maneira pela qual nosso sistema se ajusta para atingi-lo. Em nosso caso, investigamos como o sistema se adapta para atingir o objetivo de ultrapassar um obstáculo durante a locomoção.”

Eles conseguiram perceber que os pacientes com doença de Parkinson apresentam menor capacidade de adaptar o posicionamento do pé ao se aproximar de um obstáculo e cruzá-lo do que pessoas saudáveis.

“Nosso sistema locomotor tenta, sempre, se adaptar para manter constância durante a locomoção. Quando não há essa constância, podemos cometer erros que podem levar a quedas. Os pacientes com doença de Parkinson são menos constantes no posicionamento do pé ao longo da marcha e isso pode provocar uma mudança na ritmicidade. Eles aumentam ou diminuem a velocidade ao longo do percurso e não mantêm a constância no comprimento do passo, posicionando o pé de maneira diferente a cada movimento.”

Obstáculos

Participaram do estudo 13 pacientes com doença de Parkinson e 11 pessoas neurologicamente saudáveis, todos com mais de 50 anos. As condições para fazer parte da amostragem eram: capacidade de andar sem auxílio; visão e audição normais (ou corrigidas para a normalidade com uso de lentes e aparelhos); ausência de doenças ortopédicas ou neurológicas (exceto Parkinson) e capacidade de entender e seguir instruções. Todos os pacientes selecionados estavam fazendo uso de tratamento medicamentoso (Levodopa) para a doença de Parkinson por pelo menos três meses antes da coleta de dados.

Os participantes tiveram de caminhar por uma passarela de 8,5 metros (m) de comprimento por 3,5 m de largura, e cruzar um obstáculo de espuma (com 15 centímetros de altura) colocado a 4 m da posição inicial de saída. A velocidade da marcha não foi imposta, sendo escolhida pelo participante. Nenhuma instrução foi fornecida sobre qual perna deveria cruzar o obstáculo primeiro. No entanto, a posição do obstáculo para cada participante foi ajustada de forma que ele cruzasse o obstáculo com o membro direito primeiro.

“Tentamos padronizar a tarefa, para que todos ultrapassassem com a perna direita. A ideia era evitar ter outro fator interferindo no padrão de locomoção. Já a altura do obstáculo é a altura das sarjetas no Brasil: 15 cm. Achamos por bem manter esse padrão”, esclarece Barbieri.

Segundo ele, é preciso que alguns sistemas trabalhem em conjunto para que haja sinergia no sentido de atingir um objetivo. “Quando as distâncias dos dedos do pé para o obstáculo [antes da ultrapassagem] e do calcanhar para o obstáculo [após a ultrapassagem] variam muito, a pessoa tem um risco maior de encostar no obstáculo. Se ela se aproxima muito do obstáculo antes da ultrapassagem, tem de levantar muito a perna para ultrapassá-lo e pode ser que não consiga. Se ela posiciona o pé muito próximo ao obstáculo, tem uma chance grande de tocá-lo com o calcanhar.”

O ideal, diz Barbieri, é que a pessoa mantenha uma certa uniformidade de movimento, sem estar muito perto antes e depois do obstáculo.

Biomecânica

A mensuração da sinergia do comprimento do passo foi feita por uma metodologia proveniente da engenharia mecânica e adaptada para o estudo do movimento humano. A metodologia não é específica para estudos de marcha, nem para pessoas com doença de Parkinson: foi adaptada de um conjunto de métodos usado pelo primeiro autor do artigo, Satyajit Ambike, para mensurar força nos membros superiores, juntamente com o professor Mark Latash, da Pennsylvania State University (Estados Unidos).

Foram usadas oito câmeras de análise do movimento, adquiridas com financiamento da Fapesp. O estudo também teve apoio por meio de uma bolsa de pesquisador visitante internacional.

Vinte marcadores recobertos com fita reflexiva foram fixados em pontos predeterminados no corpo da pessoa engajada no experimento. “Enquanto ela caminha pelo trajeto que leva até o obstáculo e o ultrapassa, as câmeras emitem uma luz infravermelha que bate nesses marcadores e volta. A partir dessa reflexão, as câmeras conseguem captar a posição dos marcadores e, com isso, é possível determinar a distância e a duração do passo, fazendo os cálculos restantes com softwares de análise.”

Barbieri afirma que a aplicação dessa metodologia a estudos de marcha é inédita. “E também inovadora, no sentido de que podemos, com uma só variável, de maneira relativamente simples, detectar possíveis incapacidades relacionadas à ritmicidade do andar no paciente. Com isso é possível, mais tarde, intervir de forma mais consistente, desenvolver um treinamento que consiga melhorar esse ritmo. No geral, é este o objetivo dos estudos com marcha: determinar possíveis variáveis ou mudanças no caminhar e modificar a intervenção a partir delas.”

Ele adianta que o grupo tem um estudo subsequente a esse em que investiga se a altura do obstáculo modifica a sinergia. “Queremos saber o seguinte: há alteração da sinergia no Parkinson se o obstáculo for mais alto ou mais baixo? Isso é importante, por exemplo, para o ambiente no qual o paciente se locomove. Se há obstáculos de uma certa altura no ambiente que são problemáticos para esta população, podendo gerar quedas, podemos modificar o ambiente para facilitar a locomoção.”

O artigo Step length synergy while crossing obstacles is weaker in patients with Parkinson’s disease pode ser lido em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0966636221000011.

Foto:t4hlil/Pexels

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