Embora sejam capazes de diminuir casos de infecção, quadros graves e mortes, a eficácia dos imunizantes contra o Sars-CoV-2 pode ser afetada pela imunossenescência
Por Revista Galileu
As vacinas são ferramentas essenciais no combate à pandemia de Covid-19, mas não são infalíveis — e nós já sabíamos disso. Embora a imunização salve muitas vidas, ela não é capaz de nos blindar completamente contra o vírus e, em alguns casos, mesmo as pessoas que tomaram as duas doses podem contrair a doença e morrer.
Foi o que aconteceu na manhã desta quinta-feira (12) com o ator Tarcísio Meira, que faleceu aos 85 anos por complicações do Sars-CoV-2, mesmo tendo tomado duas doses da vacina entre março e abril deste ano. Diante disso, surge o questionamento: afinal, quão protegidos estão os idosos imunizados? Para responder a essa pergunta, é preciso ouvir o que a ciência tem a nos dizer.
No Brasil, a vacinação evitou pelo menos 43 mil óbitos por coronavírus entre janeiro e maio de 2021 em idosos acima de 70 anos. A conclusão é de um estudo realizado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), no Rio Grande do Sul, em parceria com o Ministério da Saúde e a Universidade Harvard, nos Estados Unidos. O resultado foi publicado na revista científica The Lancet em 15 de julho.
A análise revela que, desde o início da campanha de imunização, o percentual de mortes em idosos em relação ao total de óbitos em decorrência da Covid-19 diminuiu de 28% para 12% no grupo com mais de 80 anos. Na faixa dos 70 anos, o valor caiu de 28% para 16%. Em ambos os grupos, os índices de mortes por outras causas permaneceram estáveis no período.
A pesquisa também destaca a efetividade das primeiras vacinas que começaram a ser utilizadas no país em janeiro, como a CoronaVac. E esse não é o único trabalho que comprova a proteção do imunizante produzido pelo Instituto Butantan e desenvolvido pela farmacêutica chinesa Sinovac. Em estudo disponível na medRxiv, plataforma de artigos não revisados por pares, pesquisadores apontam que a CoronaVac conseguiu reduzir 59% das hospitalizações e prevenir 71,4% das mortes entre idosos com mais de 70 anos.
A investigação foi realizada entre janeiro e abril com cerca de 43 mil pessoas no estado de São Paulo e contou com a participação de profissionais da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, da Universidade de São Paulo, da Organização Pan-Americana de Saúde e das universidades da Flórida e Yale, nos Estados Unidos. Os pesquisadores notaram também que o índice foi maior na faixa de 70 a 74 anos, com eficácia de 80,1% contra hospitalizações e de 86% contra óbitos.
A imunossenescência e seus possíveis reflexos na vacinação
Apesar dos bons resultados que podem (e devem) ser celebrados, é preciso levar em consideração a imunossenescência quando se discute a vacinação de idosos. Conforme explica a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, o fenômeno consiste no “envelhecimento do sistema imunológico que está associado ao progressivo declínio da função imunológica e consequente aumento da suscetibilidade a infecções, doenças autoimunes e câncer, além de redução da resposta vacinal”.
Esse é um fator que, de acordo com uma nota técnica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pode levar a uma menor proteção dos imunizantes contra o Sars-CoV-2. Divulgado em 14 de julho, o documento afirma que as vacinas CoronaVac e AstraZeneca demonstraram eficácia em idosos no Brasil, mas reconhece que há um menor efeito nesse grupo. Nas pessoas de 60 a 79 imunizadas com duas doses (independentemente do fabricante), a eficácia foi de 79,8%. Já no caso dos indivíduos com mais de 80 anos, a taxa caiu para 70,3%.
“Estas estimativas de efetividade indicam importante proteção de redução de morbimortalidade em casos graves de infecção do vírus Sars-CoV-2. No entanto, a efetividade se reduz para algumas faixas etárias, particularmente para mais idosos (80 anos ou mais)”, analisam os profissionais responsáveis pela nota. “A imunosenescência e uma duração mais limitada da imunidade no grupo 80+ poderiam levar também a uma menor efetividade, haja vista que este grupo teve prioridade para iniciar mais cedo o processo de imunização.”
Um artigo publicado em maio na plataforma medRxiv sinaliza que a efetividade da CoronaVac entre os idosos acima de 80 anos pode ser menor que a eficácia global, de 50,7%, encontrada nos estudos clínicos do Instituto Butantan. O trabalho também indica que a efetividade diminui conforme a idade: 61,8% para o grupo de 70 a 74 anos, 48,9% para 75 a 79 e 28% para mais de 80. A pesquisa foi feita por profissionais da Fiocruz, das universidades norte-americanas Stanford, Yale e da Flórida, da Universidade de Brasília, do Instituto de Saúde Global de Barcelona e da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
Precisamos de uma dose extra?
Esse cenário tem pautado um debate sobre a necessidade de uma terceira dose da vacina contra o coronavírus. A Sinovac, fabricante da CoronaVac, anunciou na última terça-feira (10) que seu imunizante gera uma boa memória imune após a segunda dose e que uma dose de reforço aumenta significativamente o nível de anticorpos neutralizantes em adultos e idosos.
“A terceira dose foi bem tolerada na população idosa, sem que eventos adversos sérios relacionados à vacina fossem registrados”, afirma a farmacêutica, em comunicado. A constatação é fruto de um estudo disponibilizado na plataforma medRxiv. Conduzida na China, a pesquisa contou com 303 participantes com mais de 60 anos e concluiu que uma terceira dose administrada oito meses depois da segunda dose pode induzir um aumento expressivo de anticorpos neutralizantes no sétimo dia após a injeção.
Enquanto a necessidade de uma terceira dose está sendo avaliada, alguns governos já estão se organizando, como é o caso do Chile. Nesta quarta-feira (11), o país começou a disponibilizar doses de reforço para idosos a partir de 86 anos que tomaram CoronaVac. “Estudos mostraram que, após seis meses, há um declínio [de anticorpos], e é por isso que decidimos administrar essa terceira dose”, afirmou o ministro da Saúde, Enrique Paris, segundo reportagem da Reuters. Assim, o Chile se junta a Estados Unidos, Alemanha, França e Israel, que optaram por oferecer uma dose a mais à população.
A ação vai contra um pedido da Organização Mundial da Saúde (OMS), que solicitou que essa medida seja adiada até que mais pessoas no mundo possam receber ao menos a primeira dose. No entendimento de Fernando Leanes, representante da OMS ouvido pela Reuters, não há dados suficientes para respaldar uma dose de reforço neste momento e é fundamental considerar o panorama global. “Existem países que ainda não completaram a vacinação dos trabalhadores de saúde, e isso é um perigo para todos”, disse Leanes.
E vale lembrar que, embora a discussão sobre uma terceira dose seja válida, as vacinas não conseguem conter a Covid-19 por conta própria. Elas são capazes de diminuir casos de infecção, hospitalizações, quadros graves e óbitos, mas, para de fato controlarmos a pandemia, é preciso que a estratégia da imunização em massa esteja aliada a outras medidas básicas, como uso de máscaras e distanciamento social.
Foto: Gustavo Vara