Exame de sangue simples pode ajudar no diagnóstico precoce de Alzheimer
O excesso da enzima PHGDH antes do surgimento dos sintomas cognitivos da doença aparece em teste simples e pode ajudar no diagnóstico precoce
Por Correio Braziliense
Um teste de sangue poderá identificar precocemente o risco de desenvolvimento da doença de Alzheimer, aumentando as chances de se postergar ou amenizar os sintomas com a adoção de um estilo de vida saudável. Embora ainda não exista cura para a doença neurodegenerativa, diversos estudos sugerem que cuidados com o corpo e a mente, como prática de exercícios, dieta com baixo teor de gordura animal e engajamento social, podem retardar os sinais cognitivos.
Agora, um estudo da Universidade da Califórnia, em San Diego, demonstra que o excesso de uma enzima no sangue está presente em pacientes de Alzheimer mesmo antes de as primeiras manifestações da enfermidade surgirem.
A pesquisa, que confirma uma descoberta anterior do mesmo grupo de cientistas, foi publicada na revista Cell Metabolism. Segundo os autores, além de indicar a possibilidade de predizer a doença precocemente, os resultados sugerem que a suplementação alimentar com o aminoácido produzido pela substância não é uma boa ideia.
Sheng Zhong, que liderou o estudo, explica que pesquisas anteriores estimularam a crença de que suplementos contendo a serina, produzida pelo gene PHGDH, poderia contribuir no combate ao Alzheimer. Como a substância é essencial para o metabolismo do cérebro, alguns cientistas testaram, em animais, se a deficiência do aminoácido estava ligada a degenerações cognitivas características da doença. Alguns resultados indicaram que roedores com carência da substância, de fato, exibem comportamentos condizentes com a enfermidade.
Porém, no estudo atual, realizado com tecido cerebral de humanos, Zhong, Xu Chen e Riccardo Clandrelli, coautores do artigo, constataram que indivíduos que tinham Alzheimer exibiam, na verdade, um aumento da expressão do PHGDH. De acordo com eles, isso sugere que, em vez de a produção de serina ser deficiente na doença, ela, na verdade, seria excessiva. “Qualquer pessoa que queira recomendar ou tomar serina para mitigar os sintomas de Alzheimer deve ter cautela”, afirma Calandrelli.
Dois anos antes
Há dois anos, a equipe do laboratório de Zhong anunciou, também na Cell Metabolism, os primeiros resultados indicando que o PHGDH pode ser um biomarcador seguro para o Alzheimer. Na ocasião, os cientistas fizeram exames de sangue em idosos e descobriram que, naqueles com a doença, os níveis da enzima estavam mais altos até dois anos antes de eles serem diagnosticados.
“Várias alterações conhecidas associadas à doença de Alzheimer geralmente aparecem na época do diagnóstico clínico, que é um pouco tarde demais. Tínhamos um palpite de que havia um preditor molecular que apareceria anos antes, e foi isso que nos motivou”, conta Zhong.
Os resultados promissores estimularam a continuidade do estudo. O palpite dos cientistas era de que a alteração no sangue tivesse alguma relação com o cérebro. Agora, eles analisaram informações genéticas extraídas do tecido cerebral post-mortem em quatro pesquisas diferentes, sendo que cada uma foi realizada com 40 a 50 indivíduos acima de 50 anos.
As avaliações foram divididas em grupos: pessoas saudáveis (controle) e assintomáticas (sem problemas cognitivos nem diagnóstico de Alzheimer, mas com alterações no tecido cerebral que indicam sinais precoces da doença). Os resultados demonstraram que, nesses últimos, houve um aumento significativo da enzima PHGDH, comparado aos que nem exibiam mudanças no cérebro nem tinham sido diagnosticadas com o mal.
Outra descoberta é que, assim como em modelos de camundongos testados em laboratório, os níveis de expressão da PHGDH eram maiores quanto mais avançada a doença. Nos humanos, os cientistas fizeram essa constatação comparando a quantidade da enzima no sangue de pacientes diagnosticados com Alzheimer com as pontuações que eles obtiveram em duas diferentes avaliações clínicas. Uma classifica a memória e a capacidade cognitiva, enquanto a outra investiga a gravidade da doença com base na patologia do cérebro.
Os resultados da equipe da Universidade da Califórnia mostraram que, quanto piores os escores, maior a expressão cerebral de PHGDH. “O fato de que o nível de expressão desse gene se correlaciona diretamente com a capacidade cognitiva de uma pessoa e com a patologia da doença é notável. Ser capaz de quantificar essas duas métricas complexas com uma única medida molecular poderia tornar o diagnóstico e o monitoramento da progressão da doença de Alzheimer muito mais simples.”
Manejo
Para a neurologista Rosa Sancho, chefe do departamento de pesquisa do Alzheimer’s Research UK, no Reino Unido, um futuro exame de sangue para a detecção precoce pode ser muito útil para o manejo da doença. “Sabemos que as alterações cerebrais na doença de Alzheimer podem ocorrer décadas antes que os sintomas comecem a aparecer, e os estágios iniciais da doença provavelmente serão o momento em que os medicamentos futuros serão mais eficazes”, diz.
Embora reconheça que testes do tipo não estarão disponíveis imediatamente, Sancho se diz confiante. “Atualmente, as pessoas só recebem o diagnóstico de Alzheimer quando os sintomas aparecem. Muitas das ferramentas de diagnóstico que podem detectar alterações precoces são caras, como exames cerebrais, ou invasivas, como testes de fluido espinhal. Um exame de sangue confiável seria um grande impulso para a pesquisa de demência, permitindo aos cientistas testar tratamentos em um estágio muito anterior, o que, por sua vez, poderia levar a um avanço para aqueles que vivem com demência.”
Conexões cerebrais interrompidas
O diagnóstico precoce do Alzheimer também é estudado por pesquisadores do Hospital Geral de Massachusetts, nos EUA, com foco em outras substâncias associadas à doença: as proteínas beta-amiloide e tau.
Quando acumuladas no cérebro, elas interrompem conexões entre estruturas importantes para a cognição. Em um estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, os cientistas verificaram que essas alterações interativas podem estar presentes antes que os primeiros sinais da doença se manifestem.
Há anos, os pesquisadores sabem que o excesso de beta-amiloide e a disfunção da tau podem causar a morte de neurônios. “Mas não sabíamos como as conexões do cérebro respondem ao acúmulo dessas proteínas muito cedo no processo da doença, mesmo antes dos sintomas”, explicou em nota, Yakeel Quiroz, autor sênior do artigo.
Para saber mais sobre esse fenômeno, Quiroz estudou os exames de tomografia por emissão de pósitrons (PET) e ressonância magnética funcional (fMRI) de mais de 6 mil pacientes de Antioquia, na Colômbia, que têm uma forma genética da doença, causada pela mutação E280A. Essas pessoas desenvolvem os primeiros sinais de comprometimento cognitivo muito cedo, aos 44 anos, e chegam à demência com apenas 49.
No estudo, os participantes com a alteração genética ainda não exibiam os sinais da doença. Anteriormente, a mesma equipe mostrou que esses indivíduos exibem altos níveis de beta-amiloide quase duas décadas antes do início dos sintomas e alterações na tau por volta dos seis anos anteriores. Agora, os cientistas observaram, com exames de imagem, a conectividade dentro e entre diferentes redes cerebrais, formadas por milhões de células.
Ressonância
Os pesquisadores descobriram que os portadores de mutações apresentavam interrupções de conexão na rede de memória principal do cérebro anos antes do início do comprometimento cognitivo. Eles também desenvolveram uma nova abordagem matemática que combina as informações da ressonância magnética com imagens moleculares para ver mais claramente quando as regiões do cérebro começam a se desconectar durante o processo da doença.
“Essa descoberta melhora nossa compreensão de como a patologia relacionada à doença de Alzheimer altera a organização funcional do cérebro anos antes que ocorra o comprometimento cognitivo”, disse Quiroz. “São constatações importantes porque também sugerem que a ressonância pode ser usada, no futuro, para identificar pessoas que já podem ter patologia em seu cérebro, embora ainda sejam necessárias mais pesquisas.”
Conexões cerebrais interrompidas
O diagnóstico precoce do Alzheimer também é estudado por pesquisadores do Hospital Geral de Massachusetts, nos EUA, com foco em outras substâncias associadas à doença: as proteínas beta-amiloide e tau. Quando acumuladas no cérebro, elas interrompem conexões entre estruturas importantes para a cognição. Em um estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, os cientistas verificaram que essas alterações interativas podem estar presentes antes que os primeiros sinais da doença se manifestem.
Há anos, os pesquisadores sabem que o excesso de beta-amiloide e a disfunção da tau podem causar a morte de neurônios. “Mas não sabíamos como as conexões do cérebro respondem ao acúmulo dessas proteínas muito cedo no processo da doença, mesmo antes dos sintomas”, explicou em nota, Yakeel Quiroz, autor sênior do artigo.
Para saber mais sobre esse fenômeno, Quiroz estudou os exames de tomografia por emissão de pósitrons (PET) e ressonância magnética funcional (fMRI) de mais de 6 mil pacientes de Antioquia, na Colômbia, que têm uma forma genética da doença, causada pela mutação E280A. Essas pessoas desenvolvem os primeiros sinais de comprometimento cognitivo muito cedo, aos 44 anos, e chegam à demência com apenas 49.
No estudo, os participantes com a alteração genética ainda não exibiam os sinais da doença. Anteriormente, a mesma equipe mostrou que esses indivíduos exibem altos níveis de beta-amiloide quase duas décadas antes do início dos sintomas e alterações na tau por volta dos seis anos anteriores. Agora, os cientistas observaram, com exames de imagem, a conectividade dentro e entre diferentes redes cerebrais, formadas por milhões de células.
Ressonância
Os pesquisadores descobriram que os portadores de mutações apresentavam interrupções de conexão na rede de memória principal do cérebro anos antes do início do comprometimento cognitivo. Eles também desenvolveram uma nova abordagem matemática que combina as informações da ressonância magnética com imagens moleculares para ver mais claramente quando as regiões do cérebro começam a se desconectar durante o processo da doença.
“Essa descoberta melhora nossa compreensão de como a patologia relacionada à doença de Alzheimer altera a organização funcional do cérebro anos antes que ocorra o comprometimento cognitivo”, disse Quiroz. “São constatações importantes porque também sugerem que a ressonância pode ser usada, no futuro, para identificar pessoas que já podem ter patologia em seu cérebro, embora ainda sejam necessárias mais pesquisas.” (PO)
Foto: Oliver Bunic
Estudo abre novas possibilidades de tratamento para forma de autismo
Pesquisadores brasileiros conseguiram reverter a evolução da síndrome de Pitt-Hopkins em modelos de laboratório
Por Revista Galileu
Um grupo liderado por cientistas brasileiros da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade da Califórnia San Diego, nos Estados Unidos, desvendou o mecanismo causador da síndrome de Pitt-Hopkins, disfunção neuropsiquiátrica que tem características de transtorno do espectro autista (TEA). Além disso, os pesquisadores conseguiram reverter a evolução da síndrome em modelos de laboratório, abrindo novas possibilidades de tratamento.
O trabalho, apoiado pela FAPESP, foi publicado nesta segunda-feira (02/05) na revista Nature Communications.
“Para a maioria dos casos de TEA, não se sabe qual gene causa a condição quando mutado. Assim é também para a maioria das doenças neuropsiquiátricas, como esquizofrenia, depressão e transtorno bipolar. A síndrome de Pitt-Hopkins, por sua vez, tem como origem uma mutação no gene TCF4. Mas, até então, não eram conhecidos seus mecanismos moleculares, ou seja, o que há de diferente nas células do sistema nervoso dos pacientes com a mutação”, conta Fabio Papes, professor do Instituto de Biologia (IB-Unicamp) e um dos coordenadores do estudo.
O grupo liderado por Papes e pelo professor da Universidade da Califórnia San Diego Alysson Muotri, no entanto, foi além da descoberta do mecanismo causador da condição.
Os cientistas testaram maneiras de interferir na evolução do quadro e conseguiram reverter os efeitos causados pela mutação. O sucesso obtido nos experimentos abre caminho para o desenvolvimento tanto de medicamentos como de uma terapia gênica.
A síndrome de Pitt-Hopkins é caracterizada por déficit cognitivo, atraso motor profundo, ausência de fala funcional e anormalidades respiratórias, entre outros. Foi descrita em 1978, mas seu gene causador ficou conhecido apenas em 2007. Estima-se que a mutação no gene TCF4 ocorra em um a cada 35 mil nascimentos.
Minicérebros
Uma vez que a síndrome não se desenvolve em camundongos da mesma maneira que em humanos, o estudo em animais é inviável. Por isso, os pesquisadores usaram os chamados organoides cerebrais, um aglomerado de células humanas que cresce no laboratório e se assemelha a uma miniatura de cérebro em desenvolvimento, mas sem vascularização e com menos tipo celulares.
“O organoide cerebral é um modelo mais representativo do que qualquer outro para estudar disfunções do sistema nervoso central. Nesse caso, a célula obtida é do próprio paciente. Além disso, o organoide é tridimensional, portanto, seu funcionamento é mais próximo da realidade do que o de células cultivadas em placas, que crescem em apenas duas dimensões”, explica Papes.
Os organoides foram gerados a partir de biópsias da pele de portadores da síndrome, obtidas de pacientes recrutados na Unicamp e nos Estados Unidos, além de seus pais, que serviram como controle.
As células foram cultivadas para extrair os chamados fibroblastos, que são transformados em células-tronco pluripotentes, que, por sua vez, podem gerar muitos tipos de células humanas. Nesse caso, elas deram origem a neurônios, células progenitoras do sistema nervoso central e organoides cerebrais.
Enquanto as células dos pais dos pacientes formaram organoides que se desenvolviam normalmente, as dos portadores da síndrome cresciam menos, como resultado da menor replicação das células causada pela mutação e de um prejuízo da própria neurogênese. Ou seja, a geração de neurônios foi prejudicada por conta da mutação.
Além disso, os neurônios dos organoides com a mutação no TCF4 existiam em menor número e tinham menor atividade elétrica em comparação aos de organoides-controle. É sabido que a comunicação entre essas células é feita a partir de impulsos elétricos, sem os quais elas não podem exercer suas funções. Esse achado, portanto, pode explicar muitas características clínicas dos pacientes.
Os resultados foram semelhantes aos obtidos em tecidos do cérebro de um paciente com a condição, que faleceu por outras razões, o que reforça as conclusões obtidas com os organoides. O estudo foi o primeiro de que se tem notícia a estudar o cérebro de uma pessoa com síndrome de Pitt-Hopkins.
“O acesso ao cérebro post-mortem foi essencial para validarmos alguns dos resultados obtidos com os organoides cerebrais. O fato de termos visto características semelhantes entre o organoide criado em laboratório e o cérebro mostra o quão relevante é essa tecnologia”, afirma Muotri.
Terapia gênica
Uma vez observadas as alterações causadas pela mutação no gene TCF4, os pesquisadores buscaram maneiras de corrigi-la e, assim, realizar o que eles chamam de uma prova de conceito do que seria um tratamento.
Três intervenções foram testadas, uma delas utilizando a técnica de edição gênica conhecida como CRISPR-Cas9 – cujas criadoras ganharam o Prêmio Nobel de Química em 2020.
Para a estratégia envolvendo CRISPR, uma versão recente da técnica foi empregada para fazer com que a cópia funcional do gene existente na célula disfuncional passe a expressar muito mais proteína, compensando a cópia afetada pela mutação causadora da síndrome de Pitt-Hopkins.
Em outra intervenção, usando uma técnica diferente, os cientistas inseriram uma cópia extra do gene, que passou a exercer normalmente as funções gênicas, compensando a cópia mutada.
“Nosso genoma tem duas cópias de cada gene. O que causa a síndrome de Pitt-Hopkins é o fato de uma das cópias do TCF4 não funcionar. Inserir uma terceira cópia ou fazer com que a única cópia funcional expresse mais proteína para compensar a defeituosa pode solucionar o problema”, diz o pesquisador.
Os organoides que sofreram as intervenções passaram a crescer normalmente e tiveram um aumento da proliferação das células progenitoras, que no cérebro dão origem a diferentes tipos de célula, inclusive neurônios.
“Ainda que esse distúrbio seja considerado raro, existem outros que envolvem mutações nesse mesmo gene. Portanto, o que descobrimos aqui pode, futuramente, ser aplicado para transtornos como a esquizofrenia, por exemplo”, afirma Papes.
Uma terceira intervenção foi a aplicação de uma droga usada em estudos com células tumorais. Conhecida pela sigla CHIR99021, ela ativa uma via de sinalização celular conhecida como Wnt, muito estudada no contexto do câncer e que os autores descobriram ser alterada também por mutações no gene TCF4.
Em células e organoides disfuncionais tratados com a droga houve melhora em alguns indicadores moleculares e aumento de tamanho (no caso dos organoides). Os resultados abrem caminho para o desenvolvimento de medicamentos similares que possam tratar a disfunção, uma vez que a CHIR99021 ainda não pode ser utilizada em seres humanos.
“Essa via tratada com a droga é apenas uma das alteradas pela mutação no gene TCF4. A vantagem de uma terapia gênica em relação a um tratamento farmacológico é que ela resolveria o problema na sua origem. No entanto, a busca por novas drogas também é promissora”, diz Papes.
A pesquisa agora deve avançar para estudos pré-clínicos e clínicos. Os pesquisadores fecharam parceria com uma empresa especializada em terapia gênica, que está licenciando a tecnologia usada nos experimentos para que futuramente possa ser testada em humanos.
O trabalho teve ainda apoio da FAPESP por meio de bolsas de mestrado para José Ricardo Teixeira Júnior e de doutorado para Antônio Camargo, ambos pós-graduandos do IB-Unicamp.
A pesquisa teve também apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), dos National Institutes of Health (NIH), nos Estados Unidos, e da Pitt-Hopkins Research Foundation.
Foto: Fábio Papes/Unicamp