Por Futuro da Saúde
Novos tratamentos de alto custo, como terapia gênica, possuem valor na casa dos milhões de reais. Operadoras cogitam a criação de um fundo privado ou a contratação de um resseguro para custear.
As operadoras de planos de saúde estão correndo contra o tempo para conseguir achar uma alternativa de financiamento para os tratamentos de alto custo, como é o caso do Zolgensma, medicamento pediátrico para Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo I, considerado o mais caro disponível no Brasil, na faixa dos 9 milhões de reais.
Apesar de as maiores operadoras do país terem recursos disponíveis para custear esse tratamento, elas não representam a maior parte dos planos de saúde. De acordo com a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), cerca de 62% delas não faturam, por mês, um valor equivalente ao custo desse medicamento. Por isso, entidades que representam os planos de saúde têm buscado alternativas para que não haja um colapso financeiro.
“Essa discussão está sendo desenvolvida e existem acordos sendo firmados para isso, nessa expectativa do que pode acontecer dentro das operações, principalmente das menores. Dois terços das operadoras do Brasil são de pequeno e médio porte, com média de 8 mil vidas. Se você for ver o faturamento dessas operações, e nesse ano especificamente, poderia ter impacto forte e uma impossibilidade de recuperação em determinado tempo”, explica Rogério Scarabel, sócio da M3BS Advogados e ex-diretor-presidente da ANS.
A Abramge tem discutido a possibilidade de se criar um fundo para que operadoras possam juntas guardar recursos e não serem pegas desprevenidas, dividindo o risco e impacto orçamentário. Além disso, estuda a possibilidade do Ministério da Saúde gerir um fundo e contribuir com um aporte. Já a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS) também analisa a opção de resseguro, onde operadoras contratariam uma seguradora para custear quando houvesse casos em seus planos.
Apesar das possibilidades, as operadoras defendem que independente da saída, esse custo será repassado aos beneficiários e empresas através do reajuste, o que pode ter um impacto no aumento das mensalidades e, em um cenário mais catastrófico, na redução da parcela da população coberta por planos de saúde.
“O Zolgensma talvez seja uma gota no copo cheio. Tudo bem que é uma gota grande, mas não é ele o ponto. Paciente com câncer de pulmão, com tratamento com a tecnologia mais avançada de imunoterapia, custa um Zolgensma em dois anos. O que ocorre é o acúmulo desses tratamentos de alto custo. Talvez se fosse um problema isolado, seria muito mais contornável”, alerta Anderson Mendes, presidente da UNIDAS.
Discussão sobre os custos
Incluído no rol da Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em fevereiro de 2023, atendendo à lei que obriga que tratamentos incorporados ao SUS devem ser cobertos pelos planos de saúde, o Zolgensma levanta uma discussão sobre o custo do tratamento.
O anúncio da inclusão desse medicamento no SUS, em dezembro passado, trouxe detalhes da negociação com o Governo Federal. A Novartis, fabricante do medicamento, reduziu o valor para 5,7 milhões de reais, que serão pagos em cinco parcelas de acordo com a evolução do paciente, em um contrato de compartilhamento de risco. O Ministério da Saúde se comprometeu a comprar até 250 tratamentos em dois anos, e em contrapartida receberia 40 unidades sem custos.
Marcos Novais, superintendente executivo da Abramge, reforça que chegar em um valor próximo ao que foi negociado com o SUS é importante para começar o diálogo, mas que além disso é preciso explicar a composição do valor. “A formação do preço vai precisar ser questionada. Não somos contra o resultado, somos empresa privada e as operadoras que a Abramge representa são com fins lucrativos também. Mas vamos precisar da transparência para tentar entender. É muito recurso e a sociedade não tem isso disponível”, conclui Novais.
Possibilidades de negociação
De acordo com Anderson Mendes, presidente da UNIDAS, a entidade já possui diálogo com a Novartis e outras fabricantes de tratamentos de alto custo para negociar os valores e as farmacêuticas têm se mostrado dispostas a dialogar, além de demonstrarem preocupação com o acesso e as fontes de financiamento. Cogita-se também uma compra centralizada, para tentar reduzir os custos e aumentar o volume da negociação.
Mendes aponta que pelas operadoras de autogestão terem um maior ciclo de permanência dos beneficiários, por estarem ligadas a servidores públicos ou profissionais com mais estabilidade profissional, a negociação sobre o compartilhamento de risco pode ser facilitada: “Para você discutir o modelo que foi adotado com SUS é preciso acompanhar ao longo de anos. Imagine em um mercado que em 2 anos em média os beneficiários trocam de plano de saúde. Quem vai acompanhar esse paciente e quem vai pagar?”.
Em nota, a ANS afirma que “não negocia valores, nem compra medicamentos para uso no setor. Mas, diante da necessidade de cumprir a lei e manter a sustentabilidade do setor, a ANS vem realizando conversas com operadoras, indústria farmacêutica e até mesmo com o Ministério da Saúde a fim de encontrar alternativas viáveis”, mas não especificou quais seriam.
Questionada, a Novartis preferiu não responder às perguntas enviadas por Futuro da Saúde sobre as possibilidades de negociações com os planos de saúde.
Impacto e saídas para tratamentos de alto custo
A estimativa anual é que entre 300 e 350 pacientes com planos de saúde sejam diagnosticados com AME tipo I e atendam aos critérios para utilizarem o tratamento com o Zolgensma, o que pode resultar em um impacto de R$ 3,15 bilhões. Esse não é o único dos tratamentos de alto custo, como o caso das células CAR-T, terapia genética utilizada para alguns tipos específicos de câncer, na faixa dos 3 milhões de reais.
Por isso, as operadoras têm discutido a criação de alternativas para custear esses tratamentos, em paralelo com as negociações com as fabricantes. Uma delas é a criação de um fundo privado, em que as empresas de planos de saúde fariam aportes recorrentes e custeariam coletivamente os tratamentos quando houvesse a necessidade.
“Isso não é um problema só para a pequena operadora, é um problema para todo mundo. Apesar da pequena operadora ter menos recursos, ela tem menos chance de ter casos. Já a grande operadora tem mais recursos, mas ela tem muito mais casos. É só uma questão de tempo até você ter um volume de atendimentos somando todas essas terapias avançadas”, alerta Anderson Mendes, da Unidas.
De acordo com advogado Rogério Scarabel, sócio da M3BS Advogados e ex-diretor-presidente da ANS, existe regulamentação que autoriza esse agrupamento de operadoras para compartilhamento de um fundo, com a finalidade de minimizar os impactos com os custos com eventos de saúde.
“Com o impacto que está surgindo acaba que esse assunto do fundo ganha corpo. A Abramge poderia capitanear isso, mas as operadoras que ali estão poderiam se unir por conta da sua semelhança de grupo. A Abramge tem todas as operadoras de medicina de grupo, a FenaSaúde as seguradoras, a Unimed as cooperativas”, afirma Scarabel. Segundo ele, já existem diálogos iniciados nesse sentido.
Dessa forma, é possível a contratação de um fundo onde cada operadora dentro daquele conglomerado, levando em conta a probabilidade de ter que utilizá-lo, o tamanho, o número de beneficiários, em outros aspectos, colaboram com um valor definido. É um processo que demanda o chamado cálculo atuarial e que, devido às variáveis e quantidades de envolvidos, pode levar algum tempo.
Fundo privado, público ou resseguro?
Na Abramge o tema ainda é considerado embrionário, sendo formatado um modelo para apresentar aos associados. Como explica o superintendente executivo da Associação, Marcos Novais, “estamos enfrentando o desafio de administrar o hoje, isso ainda veio a reboque. Tem todo o problema atual, o que a gente já tem dificuldades do setor, e estamos acrescentamos mais esse. Ainda não tem uma solução escrita que vamos levar para frente. Queremos chegar lá”. Ainda, se cogita a proposta de criar um fundo público junto ao Estado, onde o Ministério da Saúde poderia disponibilizar parte dos recursos. A proposta segue em discussão interna.
A UNIDAS também trabalha com a possibilidade da criação de um fundo, mas paralelamente tem solicitado orçamentos de seguradoras para a construção de um resseguro, semelhante a um seguro automotivo, onde elas custeariam quando houvesse a incidência. Anderson Mendes, presidente da União de operadoras de autogestão, aponta que a conclusão deve ocorrer nos próximos 20 dias.
Ele também explica que tem se discutido com a ANS a possibilidade de se criar uma fila unificada, semelhante ao que ocorre com transplantes de órgãos no Brasil, sendo o paciente usuário do SUS ou beneficiário de planos de saúde, para onde a conta é direcionada de acordo com a cobertura.
“Um modelo de regulação único, centralizado, para as terapias avançadas. Todas elas não entrariam nesse fluxo comum onde a gente teria uma dificuldade de financiamento, e talvez até na construção de um fundo para a saúde suplementar como um todo. Todas as terapias avançadas seriam de regulação única e de custeio dentro de um fundo mútuo único, o que faria mais sentido”, afirma.
O M3BS Advogados, escritório em que o advogado Rogério Scarabel é sócio, tem feito estudos para analisar a melhor forma de financiamento dessas tecnologias. Apesar de não serem específicos para o Zolgensma, podem servir de embasamento às operadoras na hora de optar pelo melhor caminho.
Até o momento já foram registrados casos de utilização deste medicamento na saúde suplementar, mas por terem sido em operadoras de grande porte, não houve um risco de insolvência ou um impacto orçamentário forte. No entanto, é questão de tempo para que as operadoras de pequeno e médio porte tenham seus primeiros casos. “Estamos com a estatística a nosso favor”, afirma Anderson Mendes.
Foto: Reprodução/Futuro da Saúde