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Diálogo e retomada de programas marcam os 100 dias de governo na Saúde, mas setor cobra ações

Saúde suplementar e regionalização do SUS são algumas das áreas que cobram ações nesses 100 dias de governo na Saúde

Por Futuro da Saúde

Na próxima segunda-feira, 10 de abril, a gestão do governo federal do presidente Lula completa 100 dias à frente do país. O período é considerado um marco, pois dá o tom de qual deve ser a atuação ao longo dos próximos 4 anos e mostra as vontades e iniciativas que começam a se construir. A pasta da Saúde também merece um balanço para acompanharmos o que tem sido feito – ou prometido.

Com Nísia Trindade liderando o Ministério da Saúde, sendo a primeira mulher a ter assumido o cargo, o governo tem empregado esforços para responder rapidamente às emergências da saúde pública, como a vacinação, o novo Mais Médicos e a questão Yanomami. Outras iniciativas, como o Complexo Econômico-Industrial da Saúde, começaram a dar seus primeiros passos concretos. A abertura para o diálogo tem se mostrado uma das principais característica da atual gestão.

No entanto, nesses mais de 3 meses de atuação, alguns setores ainda não tiverem as respostas necessárias para as suas demandas, o que provoca certa incerteza frente aos problemas enfrentados. É o caso dos planos de saúde, por exemplo, que em meio a um cenário de altos custos e excesso de despesas podem acabar quebrando e parte dos beneficiários aumentar ainda mais a pressão sobre o sistema público. O mesmo vale para o piso salarial de enfermagem e a regionalização do SUS, que ainda não possuem um plano concreto.

A reforma tributária é outra preocupação. Apesar do setor apoiar uma reforma e a consequente simplificação dos impostos, tem ressalvas sobre como ela será feita e se as diferentes cadeias da saúde terão uma alíquota diferenciada – dado o seu papel essencial.

Para Arthur Aguilar, diretor de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), parte dessa demora se deve às condições recebidas da gestão anterior. O Ministério teve o papel de construir novas políticas enquanto atuava para recompor os programas e resolver questões básicas, como vacinação e atenção primária.

“É um começo de governo também deteriorado por ter um passivo muito alto para cobrir da última gestão. As nomeações de segundo, terceiro e quarto escalão demoraram um pouco mais, coisas que impedem realmente o gestor de fazer a política. Muito da energia estava na chegada em uma nova casa. A sensação que dá é que ainda estamos vendo esse processo. Vamos conseguir julgar melhor as ações em um prazo mais longo”, afirma Aguilar.

Saúde pública nos primeiros 100 dias

A avaliação dos especialistas é que na saúde pública houve uma demonstração de que o governo está ciente dos problemas, começa paulatinamente a propor soluções, como a retomada de programas e políticas, e que abre espaço para diálogo, como tem sido feito nas reuniões da Comissão Intergestora Tripartite (CIT), junto aos estados e municípios para a pactuação de ações e informes.

“Está muito claro que a gente tem um novo Ministério que é muito mais responsável e que está tentando lidar com os principais desafios, tanto mais reativos, das emergências que surgem, quanto mais no nível propositivo, tentando indicar qual é o caminho que vai ser feito na política de saúde nos próximos anos.”, observa Arthur Aguilar, do IEPS.

Em sua análise, a atuação na crise sanitária enfrentada pelos povos indígenas Yanomami, a retomada da vacinação, o relançamento do programa Mais Médicos, a criação do Programa Nacional de Redução das Filas de Cirurgias Eletivas, Exames Complementares e Consultas Especializadas, foram medidas tomadas para solucionar questões atuais e urgentes, sendo consideradas positivas.

Também houve uma movimentação junto ao Congresso Nacional para aprovar a chamada PEC da Transição, garantindo recursos e evitando cortes em diferentes programas da saúde, como o Farmácia Popular, somando R$ 16,6 bilhões ao orçamento.

No entanto, alguns caminhos ainda estão incertos. É o caso da regionalização do SUS, pauta defendida pelo IEPS e que é vista como uma forma de solucionar gargalos em determinados serviços, permitindo que conglomerado de municípios tenham um orçamento para construção e gestão de forma coletiva da sua rede assistencial, ganhando eficiência e ampliando o acesso.

“Me preocupa porque eu não estou vendo muita sinalização nesse sentido. É uma política fundamental para o SUS e que é muito difícil de implementar, envolve uma articulação interfederativa importante e que, sem ela, o SUS não vai ser tão resolutivo quanto ele poderia ser. Ainda faltam sinalizações do que o ministério vai fazer com essa política”, alerta Aguilar.

O diretor do Instituto também avalia que falta comunicação sobre quais devem ser as prioridades no longo prazo, mas aponta que a ampliação da cobertura e melhora da qualidade da Estratégia de Saúde da Família (ESF), o avanço nos sistemas de informações e a discussão de uma política nacional de dados em saúde, com foco na interoperabilidade, devem entrar na pauta do governo.

“Existem essas lacunas ainda que a gente vai ter que entender nos próximos meses se vão haver respostas para esses temas ou não”, explica Aguilar, que afirma ser possível avaliar melhor a atuação ao final do 1º ano de governo.

Vacinação

Ainda em fevereiro, o Ministério da Saúde lançou o Movimento Nacional pela Vacinação, como o objetivo de retomar as altas coberturas vacinais. Esse foi um movimento em prol da informação e das campanhas e que foi visto com bons olhos pelos especialistas, assim como a publicação do calendário do Programa Nacional de Vacinação de 2023.

“Essa reconquista dessas coberturas e da confiança não se consegue na noite para o dia, mas é um trabalho que começa a ser feito, no sentido de ter campanhas informativas sobre o valor das vacinas, da importância e a necessidade da população estar vacinada, uma parceria com as sociedades científicas, uma discussão do tema sobre hesitação vacinal com a comunidade, engajando comunicadores e a sociedade civil. Sem dúvida temos um cenário de incentivo de trabalho para que as coberturas sejam recuperadas”, afirma Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

Em sua avaliação, uma das principais iniciativas que merece destaque foi a transformação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), que completa 50 anos em 2023, em Departamento, o que dá mais autonomia para realizar ações e criar estratégias, além de considerar que as pessoas que foram colocadas na coordenação e direção são de alta competência.

Éder Gatti é o atual diretor do Departamento de Imunização e Doenças Imunopreviníveis, e foi nomeado após polêmica envolvendo outra candidata ao posto. O Palácio do Planalto barrou o nome de Ana Goretti Kaluma Maranhão, pediatra que já atuou como coordenadora-geral substituta do PNI, por postagens antigas nas redes sociais com críticas ao Partido dos Trabalhadores (PT) e em favor da Lava-Jato, operação que resultou na prisão de Lula.

Segundo Kfouri, é preciso avançar na inclusão de outras vacinas e aumentar o público-alvo das que estão disponíveis, mas a prioridade é fazer com que a população se vacine e aumentar a confiança na imunização. Além disso, ele afirma que se a vacinação é prioridade, faltou nesses 100 primeiros dias demonstrar ações para aumentar o orçamento. “Tem coisas ainda que precisam ser melhoradas, principalmente no quesito financeiro. Uma prioridade em saúde pública, já que a vacinação assim foi colocada por esse governo, deve vir acompanhada de um investimento. Não se transforma em uma realidade de cobertura baixa sem um dinheiro específico para isso”, conclui o vice-presidente da SBIm.

Saúde suplementar

Até o momento, a saúde suplementar está em stand-by aguardando ações concretas que contribuam com a melhora do cenário dos planos de saúde. Isso porque há uma percepção no setor de que se nada for feito, haverá um colapso por conta dos altos custos. Além das possibilidades de diálogo com os prestadores de serviços, como hospitais e clínicas, para discutir novos modelos de remuneração e firmar acordos mais próximos, as operadoras não veem saída no curto prazo.

“É altamente recomendável ao governo ficar atento à rigidez econômica e financeira dos planos de saúde. Porque uma quebra de operadoras, ainda que pequena, resulta em gente que vai sair da saúde suplementar e ir para o SUS. Se não conseguir mais pagar, o governo vai ter que botar essa pessoa para dentro do sistema de saúde”, defende José Cechin, superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).

Como uma sinistralidade próxima dos 90%, impulsionada pelos altos preços de materiais, medicamentos, alta demanda acumulada da pandemia e uma mudança de comportamento dos beneficiários na utilização dos planos, as operadoras temem que haja o fechamento de pequenas e médias empresas ao longo do ano, ainda mais com a lei do rol exemplificativo, que permite coberturas além da lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Tratamentos de alto custo, como caso do Zolgensma, tem sido motivo de discussão e também foi um dos temas tratados em março, no primeiro encontro da ministra Nísia Trindade com a diretoria da Agência.

As possíveis saídas giram em torno da flexibilização da regulamentação, como a criação de planos ambulatoriais que atendam apenas consultas e exames, a redução de custos de medicamentos, através do estímulo de uma produção nacional e diminuição de impostos, e a reforma tributária, mas que ainda não foi apresentada e gera dúvidas.

“Há uma tendência grande de onerar mais os serviços que pegam muitas pequenas e médias empresas, inclusive na área de saúde. Esse é um complicador que terá que ser olhado com muito cuidado no Congresso para que não provoque algo muito grave às empresas, inclusive de saúde”, alerta Cechin, que define os 100 primeiros dias de governo em “incerteza”.

O superintendente executivo do IESS alerta que o piso salarial de enfermagem pode agravar ainda mais a situação se não for resolvido, principalmente nos pequenos hospitais e filantrópicos. Com isso, o valor pode ser repassado aos planos de saúde e, consequentemente, aos beneficiários, através do reajuste anual da mensalidade.

Cechin também avalia que é preciso que haja mais parcerias público-privadas para tornar o sistema mais eficiente, dando uso a instalações médicas ociosas e contribuindo para o acesso da população, como foi cogitado no mutirão de cirurgias eletivas. Ele defende que é preciso “deixar de ser algo rejeitado sumariamente por várias correntes da área de saúde”.

Complexo Industrial e o olhar para as farmacêuticas

“O discurso do governo é absolutamente coerente com o que nós viemos defendendo, que a indústria de saúde é estratégica para o Brasil, tanto por razões de saúde, aos serviços públicos e privados, porque cada vez mais tem que ampliar o acesso de todos os cidadãos, e é um setor que tem uma capacidade de gerar dinamismo na economia como pouquíssimos outros nesse momento, porque tem uma demanda sempre crescente”, afirma Reginaldo Arcuri, presidente executivo do Grupo FarmaBrasil, associação que reúne as principais empresas da indústria farmacêutica brasileira.

Nesse setor, os holofotes estão voltados para a criação do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, que pretende suprir 70% das necessidades do SUS nos próximos 10 anos e deve colocar o país em outro patamar de produção, geração de empregos e acesso da população, diminuindo a dependência estrangeira. Na última segunda-feira, 3, foi recriado o grupo executivo (Geceis) que deve atuar na formulação da política.

“Estamos aguardando a complementação da regulação para fazer o que é mais importante para nós, que é utilizar o Geceis como uma instância de diálogo e construção conjunta com o poder executivo. A missão do grupo é coordenar as ações dos entes públicos e, nos vários elos do setor saúde, ajustar o que precisa para que o setor produtivo participe ativamente das decisões, porque em boa parte, o resultado depende de o setor privado estar engajado”, afirma Arcuri.

Ele analisa que ainda falta identificar quais devem ser os disparadores para aceleração do crescimento da indústria farmacêutica, e consequentemente, para a produção e fornecimento ao SUS. Através das experiências do Ministério da Saúde, é preciso definir também quais serão os objetivos de compra, o cronograma e as regras para a operacionalização desse Complexo.

O Grupo FarmaBrasil tem realizado encontros junto ao Ministério da Saúde e ao vice-presidente Geraldo Alckmin para apresentar outras propostas para o setor farmacêutico. Entre elas está a abertura de concursos públicos para a contratação de servidores na Anvisa, a autonomia financeira e administrativa do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e a revisão do sistema de precificação dos medicamentos, com o estímulo à inovação. A reforma tributária também está sendo acompanhada de perto.

O presidente executivo aponta que parte das ações podem ser feitas sem grandes impactos financeiros, carece mais de vontade política e organização. Por outro lado, tem conversado com o ministério sobre outras áreas que necessitam de revisão no orçamento, como a ampliação do Farmácia Popular, a retomada das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) e a política para Encomenda Tecnológica.

“É claro que nesse início de governo você tem algumas limitações de qualquer gestão e que a gente também tem que considerar que 100 dias ainda é um prazo de estabelecimento do governo. Tem que nomear as pessoas, tem um novo formato da Esplanada dos Ministérios e uma série de atos legais que precisam ser implementados até que você possa começar a operacionalizar”, afirma Reginaldo.

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

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