Por Galileu
2 milhões de pessoas com idade entre 18 e 49 anos sofrem AVCs anualmente no mundo. Conheça histórias por trás dos derrames precoces
A história começa com quatro jovens vivendo o auge da vida adulta. Com 23 anos, Bruna Aguiar tinha sido promovida na agência de comunicação em que trabalhava. Bruno Rodrigues, aos 27, acabava de se tornar pai. Já Giuliana Cavinato preparava uma mudança para Nova York, aos 30. Enquanto isso, Luiz Junior, de 31 anos, começava a vida a dois com a esposa em um novo apartamento. Os planos dos quatro, porém, foram adiados pelo mesmo problema: um acidente vascular cerebral (AVC), também conhecido como derrame. E, com o diagnóstico, veio também a surpresa. Afinal, derrames são associados à velhice.
Essa relação tem razão de ser. Cerca de 33% das mais de 12 milhões de pessoas que sofrem derrames no mundo anualmente têm mais de 70 anos, segundo o relatório mais recente da Organização Mundial do AVC. O AVC bloqueia a passagem de sangue no cérebro. E essa interrupção pode atrapalhar diferentes funções vitais, levando, inclusive, à morte. Pressão alta, diabetes, envelhecimento dos vasos sanguíneos e anos acumulados de hábitos inadequados estão entre os fatores que deixam a população idosa mais vulnerável.
Os AVCs, no entanto, também atingem muitos jovens e adultos: cerca de 2 milhões de pessoas com idade entre 18 e 49 anos têm um AVC todos os anos, segundo estimou um estudo de 2022 publicado na revista científica Stroke. Isso significa que até 15% dos derrames acontecem com pessoas desta faixa etária.
O problema é que, entre os mais jovens, os sintomas são, muitas vezes, subestimados. O caso de Bruna Aguiar é um exemplo disso. Em novembro de 2022, a paulistana, hoje com 24 anos, sentiu um forte mal-estar na academia. Enquanto fazia musculação, começou a ficar zonza. Ao voltar para casa, teve falta de ar, mas atribuiu o problema à rinite alérgica. “Fui ignorando os sintomas, achando que tudo era besteira”, recorda.
Acreditando que estava com a pressão baixa, Bruna manteve a calma e se sentou no chão, certa de que o incômodo logo passaria. Porém, sua visão foi escurecendo, e o mundo ao redor ficou mudo. Então, uma ânsia de vômito a levou diretamente ao banheiro. Em seguida, os instrutores da academia mediram a sua pressão, que estava um pouco alta, mas nada fora dos padrões. Meia hora depois, a jovem já se sentia melhor. Tanto é que até resolveu terminar seu treino normalmente. Bruna estava tendo um AVC.
Os sintomas mais comuns de um derrame envolvem dores de cabeça intensas, perda de força em um lado do corpo, dificuldade na fala ou perda súbita de visão, além de outros sinais neurológicos, como a paralisia facial. O que determina os efeitos de um AVC em cada paciente é a área do cérebro afetada pelo bloqueio no fluxo de sangue.
“Um AVC no hemisfério esquerdo pode afetar a fala e a linguagem, enquanto um no hemisfério direito pode comprometer habilidades espaciais e visuais”, diz a neurologista Claudia Klein, credenciada à Rede Plus, da Care Plus. Se a lesão é maior, uma área mais significativa do cérebro fica sem suprimento de sangue por mais tempo, o que pode causar danos graves.
Quando voltou para casa, Bruna viu um clarão. “A vista ficou toda branca, com um monte de bolinhas. Isso durou mais ou menos uma hora, acompanhado de muita tontura”, relembra. À noite, durante um jantar na casa de uma amiga, sentiu uma dor muito forte no lado direito das costas. Em uma escala de 1 a 10, “estava doendo 1000”, classifica. “Foi a pior dor que senti na vida”.
A jovem perdeu as forças até se tornar incapaz de apoiar a própria cabeça e pescoço, e sentiu que a mão direita começou a formigar. Sua mãe a levou depressa ao hospital. Lá, recebeu o diagnóstico: uma crise de ansiedade. “Eu sabia que não era isso”, conta. “Foi uma sensação de que eu estava sendo ignorada. Se fosse um ataque de ansiedade, eu sei que não sentiria aquela dor insuportável”, considera.
Mas como, afinal, uma crise de ansiedade pode ser confundida com um derrame? É possível que, neste caso, os médicos não tenham diagnosticado o derrame simplesmente por não considerarem essa uma opção para uma pessoa tão jovem. Os sintomas dos dois casos guardam semelhanças, mas não são iguais. Afinal, os sinais de uma crise ansiosa (como tremores e batimento cardíaco acelerado) dificilmente acontecem junto àqueles que são exclusivos de um AVC (como a paralisia facial).
Outro ponto é o tempo. Um artigo do psicólogo americano Micah Abraham, editor do site de saúde mental CalmClinic, que tem o selo da Associação de Aconselhamento Americana, explica que os sinais de um AVC são quase sempre instantâneos. Enquanto isso, os sintomas ansiosos só atingem o pico após cerca de 10 minutos, desaparecendo lentamente logo depois. Por outro lado, ter um derrame, por si só, já gera ansiedade. Klein pontua que a ansiedade envolve sintomas de medo e a ativação do sistema de “fuga ou luta” – que controla a liberação de hormônios que nos ajudam a lidar com situações de perigo –, sem uma lesão física cerebral.
“Eu sabia que não era isso. Foi uma sensação de que eu estava sendo ignorada. Se fosse um ataque de ansiedade eu sei que não estaria sentindo aquela dor insuportável” – Bruna Aguiar, que teve um AVC aos 23, sobre o dianóstico de crise de ansiedade que recebeu no hospital
O que explica o aumento de AVCs entre os jovens?
Se considerarmos todas as formas de AVC*, a doença já é a principal causa de morte no Brasil desde 2019, superando o infarto. Só entre janeiro e agosto de 2024, 50.133 brasileiros morreram por causa do problema, segundo dados do Ministério da Saúde. Em 2023, foram 112.053 óbitos.
*A definição do CDI-10, Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da OMS, permite encaixar os óbitos por AVC em ao menos 9 tipos diferentes
O tipo que causa mais mortes é o AVC isquêmico (com 34.159 óbitos no Brasil em 2023), que acontece quando um bloqueio em um vaso sanguíneo interrompe o fluxo de sangue para o sistema nervoso central. Já na forma hemorrágica, o vaso se rompe, levando a um sangramento dentro ou ao redor do cérebro – o que tende a ser mais grave.
O total de atendimentos hospitalares por AVC isquêmico de pessoas com até 49 anos aumentou consideravelmente na última década. Dados* indicam que, entre 2014 e 2023, o percentual anual de atendimentos saltou de 146 mil para 179 mil – uma alta de 22,6%.
*Número de atendimentos hospitalares e ambulatoriais por AVC isquêmico (I64) no Brasil. Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, obtidos via Lei de Acesso à Informação.
Para o cardiologista Luís Henrique Gowdak, causas isoladas não explicam esse aumento. “Hoje vemos mais infartos e AVCs em pessoas jovens, porque, cada vez mais cedo, os pacientes estão sendo expos- tos a fatores de risco de uma maneira cumulativa, como aumento de 9 obesidade e sedentarismo”, afirma o médico, que também cita gatilhos como tabagismo, pressão alta, níveis altos de “colesterol ruim” (LDL), estresse e noites mal dormidas. “Quanto mais fatores de risco houver juntos, mais cedo haverá um evento [desse tipo]”, declara Gowdakele, que é Coordenador Clínico do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Angina Refratária do Instituto do Coração (InCor).
O médico explica ainda que, quanto mais jovem, menor é a probabilidade de um derrame por aterosclerose — uma doença cardiovascular causada pelo acúmulo de gorduras nas artérias, que gera um “entupimento”. Esse excesso de gordura começa a se formar na juventude, mas a doença propriamente dita só se manifesta na velhice.
O epidemiologista Luiz Carlos de Abreu, professor de Saúde Co- letiva e Medicina preventiva da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), que faz parte do Observatório Brasil sobre AVC, responsável por estudos nacionais sobre derrames, indica que os acidentes vasculares cerebrais em adultos jovens aumentaram sobretudo devido a uma tríade de fatores: sedentarismo, má alimentação e aumento do tempo de tela em celulares e computadores.
Segundo o pesquisador, o maior tempo diante das telas contribuiu para isso, com um agravamento mais recente durante a pandemia de Covid-19. “O teto máximo seguido pelo Ministério da Saúde é de, no máximo, três horas de tempo de tela. Na pandemia, nós passamos a ficar oito, nove, até dez horas na frente do computador”, pontua.
Na nova era de home office, educação à distância e lazer passivo nos celulares e notebooks, um a cada quatro adultos estão obesos no Brasil. É o que diz a última edição da pesquisa Vigilância de Fa- tores de Risco de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel). Só de 2022 para 2023, a quantidade de jovens de 18 a 24 anos obesos aumentou 90%. Estar obeso corrobora para a formação de placas na parede dos vasos sanguíneos, conhecidas como ateromas. “O jovem tem uma doença, a obesidade, que está associada à hipertensão arterial e, infelizmente, com diabetes. Você acaba tendo essa bomba-relógio, que explode na forma de um acidente vascular cerebral”, afirma.
Outro fator é a Covid-19, que pode estar atrelada ao aumento de casos de AVCs em todas as faixas etárias — principalmente em mulheres, segundo Abreu. A hipótese de sua equipe é que, nos anos da pandemia, as mulheres saíram mais do que os homens para trabalhar presencialmente, contraindo mais o vírus Sars- CoV-2 e, consequentemente, tendo maior número de acidentes vasculares cerebrais.
Mas as discrepâncias nos números relativos a mulheres apareceram mesmo antes da pandemia. O grupo de pesquisadores do epidemiologista publicou um estudo que concluiu que mais pessoas do sexo feminino do que homens da população de Pernambuco morreram de derrame entre 2000 a 2021 (em média, foram 913 mil óbitos femininos e 877 mil masculinos).
Quando a causa é genética
No entanto, nenhum fator comportamental explica, sozinho, o derrame de Bruna. No caso dela, a explicação veio dos genes: uma malformação nas artérias do pescoço, que ocasionou um rompimento em uma parede arterial. Foi um caso semelhante ao AVC isquêmico de Luiz Junior, que ele próprio pensou ser, a princípio, um ataque de pânico.
Um mês após sua lua de mel, ele tentou mexer no celular com a mão esquerda e percebeu que o membro não se movia. Rapidamente, sua esposa pediu a ajuda de vizinhos. Luiz, que tinha à época 31 anos, não conseguiu levantar da cama e caiu no chão, tendo que ser carregado amarrado em um lençol. Seu rosto começou a paralisar, e a voz ficou embargada. O medo de morrer foi inevitável. “Liguei para minha família. Na hora, ligaram para o meu pai, e eu falei para ele ajudar a Andrea se eu não estivesse mais lá”, relata.
Os médicos que o atenderam perguntaram com insistência se ele havia feito uso de drogas, como crack ou cocaína. Dados de pesquisadores do Hospital Lariboisiere, na França, apresentados em 2024, indicam que o hábito de consumir drogas ilícitas triplica as chances de ter um AVC. Mas não era o caso.
O derrame de Luiz também teve raízes genéticas. A causa foi o forame oval patente (FOP), uma espécie de “buraco” que permanece aberto nos átrios do coração. A condição afeta 1 em cada 300 pessoas após o nascimento, e raramente causa complicações.
A lista de raridades que podem causar AVCs vai além de condições congênitas. Em março de 2024, o fornecedor de atendimento Bruno Rodrigues, de 27 anos, teve um AVC causado por uma alergia desconhecida à castanha. “Eu estava voltando da academia quando eu comi castanha. De repente, comecei a suar e tive uma parada cardíaca”, relata. Um mês antes, ele comeu um queijo à base de castanhas em um restaurante, e apresentou uma reação alérgica leve. Só que não associou o problema à oleaginosa.
A esposa escutou no hospital que Bruno tinha morrido, até que um médico veio e disse que reverteu o quadro. O estado do paciente era grave: o rapaz ficou 10 dias entubado, acordou sem conseguir movimentar o corpo e só recuperou a fala após 20 dias.
A importância da prevenção
Se por um lado os fatores de risco acumulados estão adiantando a “bomba-relógio” do AVC, por outro, o barulho de tic-tac pode soar alto e claro para muita gente. Segundo a WSO, mais de 90% dos der- rames estão ligados a 10 fatores preveníveis: pressão arterial sistólica elevada, índice de massa corpórea (IMC) alto, glicemia de jejum alta, poluição do ar, tabagismo, má alimentação, colesterol LDL alto, disfunção de rim, uso de bebida alcoólica e falta de atividade física.
“A obesidade está associada à hipertensão arterial e, infelizmente, com diabetes. Você acaba tendo essa bomba-relógio, que explode na forma de um acidente vascular cerebral” – Luiz Carlos de Abreu, epidemiologista, professor da UFES e integrante do Laboratório Brasil sobre AVC
“A prevenção começa através de um check-up bem feito”, diz o cardiologista Luís Henrique Gowdak. “As estratégias e as metas podem variar, se você já teve ou não um evento [de derrame cerebral ou in- farto]”. Segundo o médico, quem teve AVC por razão congênita, como uma arritmia, precisa controlar o nível de colesterol LDL, conforme a avaliação de um profissional, para evitar um novo acidente. Já pessoas com aterosclerose (o “entupimento” de artérias), precisam manter esse nível precisamente abaixo de 50 mg/dL — o que é possível através de dieta, exercício físico e medicação (oral ou injetável).
Por meio de um ultrassom no pescoço, Gowdak já identificou placas de gordura nas artérias que levam sangue para o cérebro mesmo em pacientes na faixa dos 40 anos — considerados novos demais para isso. O medo da maioria com esse sinal de alerta é de ter um AVC precoce.
Para os mais jovens, o tempo volta a ser um fator crucial. Afinal, em adultos com menos de 35 anos, há ainda mais chance de um diagnóstico incorreto, segundo concluiu uma análise em um centro médico nos Estados Unidos, publicada no Journal of Stroke and Cerebrovascular Diseases. O estudo avaliou 57 pacientes de 16 a 50 anos com AVC isquêmico agudo, dos quais 8 foram a princípio diagnosticados errado e 7 receberam alta sem um critério preciso. E, como destaca a Sociedade Brasileira de AVC, a demora para diagnosticar pode levar a complicações graves e irreversíveis, e até à morte.
Bruna Aguiar, que teve seu AVC confundido com crise de ansiedade, fez exame de sangue e uma tomografia, mas uma interferência gerada pelo seu aparelho ortodôntico impediu a detecção de anormalidades. A jovem foi medicada com tramal e mandada de volta para casa — apesar de ainda sentir dor no lado direito do pescoço. Nos dias seguintes, ficou zonza ao caminhar, teve dor de cabeça e sentiu seu olho direito “cair”. De noite em um bar com amigos, perdeu a capacidade de engolir água e até mesmo a própria saliva. Acabou na UTI, com suspeita (falsa) de esclerose múltipla ou Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). O AVC por dissecção arterial foi identificado só três dias depois, após a remoção do aparelho ortodôntico.
“A prevenção começa atráves de um check up bem feito. as estratégias e as metas podem variar, se você já teve um evento [de derrame cerebral ou infarto]” – Luiz Henrique Gondwak, cardiologista, sobre a importância da prevenção do AVC
Bruno Rodrigues, que sofreu o derrame devido à alergia à castanha, demorou ainda mais para ser diagnosticado: descobriu o derrame cerebral isquêmico só após cerca de dois meses. Ele teve alta da UTI, passou 23 dias em uma clínica de reabilitação, onde ficou de pé pela primeira vez e começou a se alimentar sozinho. De volta para casa, parou de andar quatro dias depois, teve espasmos e dificuldade de movimentar o lado direito do corpo. Foi internado de novo no hospital, onde finalmente foi diagnosticado.
Já Luiz Júnior só ficou sabendo a causa exata de seu derrame um ano depois (o orifício no coração, FOP, que foi fechado cirurgicamente no último mês de outubro).
Superando sequelas
Giuliana Cavinato, que teve um derrame aos 30 anos, também teve um susto grande. Em fevereiro de 2016, a publicitária se preparava para se mudar para Nova York a trabalho, mas, antes disso, decidiu passar o feriado de Carnaval com amigos no interior de São Paulo.
Lá, sofreu um AVC após uma queda ao praticar wakeboard (esporte no qual o praticante surfa em uma prancha presa a uma lancha). O impacto na água em alta velocidade causou uma dor incessante.
No percurso de volta em um quadriciclo, Giuliana desmaiou. Ela foi levada para um posto de saúde, onde o médico reconheceu a gra- vidade do caso e encaminhou a paciente de ambulância para um hospital. Viver aquele trauma aos 30 anos de idade foi um choque para ela e todos ao seu redor. “Nenhum dos meus amigos sabia o que era ter um AVC”, afirma.
Giuliana ficou em choque quando sua mãe explicou no hospital que ela teve um derrame. “Na minha cabeça, [derrame] era só em idoso. Como pode? Passei a chorar muito”, relembra. Ao voltar para casa, o desespero continuou: ela tentou ler placas na estrada, mas parecia que tudo estava escrito em grego. “Estava refém da situação, pois não falava, não conseguia escrever, nem ler”.
Além da dificuldade de fala e cognição, sofrer um derrame pode causar alterações de sensibilidade e deglutição. Outras sequelas possíveis são falta de equilíbrio, redução na amplitude de movimento, edema, escaras, problemas circulatórios e danos emocionais. A WSO calcula que mais de 143 milhões de anos de vida saudável são perdidos no mundo a cada ano devido a mortes e incapacidades relacionadas ao AVC — 57% dessa perda afeta pessoas com idade inferior a 70 anos e 15% a faixa dos 15 a 49 anos. “Eu tinha dependência total dos meus pais, já que não conseguia tomar banho sozinha, comer, andar normal e fazer as coisas mais básicas”, diz Giuliana, que tentou fisioterapia funcional, terapia de choque, hidroginástica e todo tipo de reabilitação possível. Os médicos lhe deram uma janela de seis meses a um ano para se recuperar, que se esgotou. “Pra mim, foi um soco no estômago. Você pensa, e agora? Eu vou ficar assim?”.
A esperança veio só quando um primo da publicitária, que tem família italiana, a recomendou que ela buscasse na Itália um tratamento inovador: a Reabilitação Neurocognitiva Perfetti, criada pelo neurologista italiano Carlo Perfetti nos anos 1970. A técnica ensina o paciente a organizar o movimento de modo autônomo, em vez de apenas fazer estiramentos e alongamentos repetidos. Graças à terapia, Giuliana começou a sentir seu corpo novamente. A experiência levou a publicitária a fundar, em 2018, o Instituto Avencer, responsável por trazer o Método Perfetti ao Brasil.
“Nenhum dos meus amigos sabia o que era ter um avc. Na minha cabeça, [derrame] era só em idoso. Como pode? passei a chorar muito. Estava refém da situação, pois não falava, não conseguia escrever, nem ler” – Giuliana Cavinatto, que teve um derrame aos 30 anos após uma queda de wakeboard
O Diretor Científico e Fisioterapeuta do Instituto Avencer, Mauro Cracchiolo, explica que a técnica Perfetti integra os parâmetros motor, sensorial e cognitivo — o que não é fácil, pois o cérebro não faz isso espontaneamente. Segundo o especialista, quando ocorre um AVC, morrem neurônios e um ou mais núcleos das nossas redes neurais se perdem. Em resposta, o sistema nervoso central se reorganiza por conta própria só até certo ponto: através de circuitos simples, gerando movimentos estranhos e espasticidade (aumento involuntário da contração muscular). “Mas nós podemos ensinar as células em volta da área lesada a fazer o mesmo papel que fazia o núcleo que foi perdido”, ele afirma.
Esse processo de “reaprendizado do cérebro” é o que médicos chamam de neuroplasticidade, a capacidade do tecido neural de criar novas conexões. “Dessa forma, se recupera a organização. Não é exatamente a mesma rede neural [de antes], mas a organização é parecida. É isso que determina a recuperação efetiva, não só compensatória funcional”, esclarece o reabilitador.
Novas conexões
Para estimular sua neuroplasticidade, Luiz Júnior tem utilizado, sob recomendação médica, o aplicativo de jogos mentais NeuroNation, que teve mais de 20 milhões de downloads no Google Play e App Store. “Eu jogo todos os dias, para trabalhar um pouco o cérebro”, conta. “São diversos joguinhos, de escolher cor e exercícios de matemática curtos”. O app elaborado em parceria com cientistas da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, é alvo de estudos que investigam os benefícios dos exercícios cerebrais digitais em pessoas com doenças como câncer, esquizofrenia, anorexia nervosa e Parkinson.
Como não consegue mexer o braço e a mão esquerdos, Luiz experimentou também outra terapia tecnológica: a interface cérebro-máquina Exobots, da empresa Neurobots, que tem sede em Recife. O paciente veste uma touca com eletrodos de encefalografia, imagina que está movendo a mão e controla uma luva robótica com o cérebro, o que promove a plasticidade dos neurônios e ajuda a recuperar o movimento. Após 10 sessões, ele já apresentou melhoras, como maior controle da postura e melhora na extensão do cotovelo.
Mais de um ano após o AVC, o administrador de e-commerce tem colhido os resultados dessas e de outras terapias entre altos e baixos. Ele caminha com dificuldade e tem pouco fôlego, mas acumula avanços: renovou recentemente a carta de motorista como pessoa com deficiência (PCD) e voltou a dirigir com o volante adaptado. Além disso, foi ao show da banda de rock brasileira Forfun, da qual é fã desde a adolescência. “Essa meta de frequentar show era muito importante para mim, pois eu sempre fui muito apaixonado por música. Já vi muitas bandas nacionais e internacionais, e meus melhores amigos vieram de shows. A próxima meta é ir a um jogo do meu time [Santos FC]”, diz.
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