Cientistas rastrearam partículas em tempo real e revelaram impactos no fluxo sanguíneo e na mobilidade de roedores. Estudo levanta preocupações sobre efeitos neurológicos do acúmulo de microplásticos
Por Revista Galileu
Em um estudo inédito, publicado nesta quinta-feira (23) na revista Science Advances, pesquisadores da Universidade de Pequim, na China, rastrearam, em tempo real, microplásticos se movendo pelo corpo de camundongos. As observações revelaram que essas partículas conseguem atingir os vasos sanguíneos do cérebro dos animais, bloqueando o fluxo de sangue impactando seus movimentos.
Pesquisas anteriores já haviam detectado a presença de partículas plásticas em órgãos humanos, como o cérebro, fígado e rins, mas os efeitos dessas substâncias ainda estão sendo investigados. Para compreender melhor essa dinâmica, os cientistas focaram em como os microplásticos influenciam o funcionamento cerebral de camundongos.
Para isso, os animais foram alimentados com água contendo esferas fluorescentes de poliestireno — um tipo de plástico amplamente utilizado pela indústria, como no isopor, e comumente encontrado no meio ambiente. Para observar o processo, uma janela transparente foi cirurgicamente implantada no crânio dos camundongos, permitindo que os cientistas visualizassem os movimentos das partículas. Além disso, a aplicação de uma técnica de imagem de fluorescência foi essencial para monitorar os detritos em tempo real.
Como destaca a revista Nature, as observações revelaram que células do sistema imunológico, como neutrófilos e fagócitos, acabaram absorvendo as partículas de plástico. Através da circulação sanguínea, algumas dessas células alcançaram o cérebro, ficando presas nos pequenos vasos sanguíneos do córtex, região responsável por funções sensoriais, motoras e de associação.
A principal preocupação foi o acúmulo dessas células em determinados vasos, que, em alguns casos, permaneceram lá por todo o período de observação, que durou quatro semanas.
Esses aglomerados se comportaram de forma similar a coágulos sanguíneos, que são acúmulos de sangue capazes de causar danos ao coração e ao cérebro. Nos camundongos, os microplásticos resultaram em uma diminuição do fluxo sanguíneo e na redução da mobilidade dos animais, com efeitos que persistiram por alguns dias. Embora os sistemas imunológicos de humanos e camundongos apresentem diferenças, o estudo abre novas possibilidades para entender os impactos dos microplásticos na saúde.
“Os potenciais efeitos de longo prazo dos microplásticos em distúrbios neurológicos, como depressão e saúde cardiovascular, são preocupantes”, escreveram os autores. “Este estudo oferece uma base teórica e uma direção focada para entender os riscos potenciais à saúde associados aos microplásticos. O aumento do investimento nesta área de pesquisa é urgente e essencial para compreender completamente os riscos à saúde.”
Os resultados da nova pesquisa confirmam descobertas anteriores sobre o impacto das partículas plásticas no cérebro. Em um estudo de 2023, também com camundongos, os animais apresentaram comportamentos atípicos e começaram a se mover de forma peculiar, exibindo sinais semelhantes à demência em humanos, após ingestão de água contaminada com microplásticos.
Em 2024, uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) identificou a presença de microplásticos no cérebro humano. Essas partículas também já foram encontradas em órgãos como os pulmões, o sistema reprodutivo, na corrente sanguínea e até na placenta.
Foto: Sinclair Stammers/Science Photo Library