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Por que substituir o médico pelo ChatGPT pode prejudicar sua saúde

Por que substituir o médico pelo ChatGPT pode prejudicar sua saúde

Recorrer à IA para elaborar uma dieta ou plano de treinos pode parecer prático, mas especialistas advertem sobre os perigos de seguir essas recomendações

Por Galileu

A ideia de usar o ChatGPT para criar treinos na academia ou dietas tem cada vez mais adeptos. No TikTok, na hashtag “GymTok”, que reúne vídeos sobre musculação e vida saudável, conta com mais de 27,7 milhões de postagens.

Várias delas envolvem relatos de usuários que começaram a incorporar a IA em suas atividades diárias. Nos vídeos, os usuários compartilham suas experiências ao pedir ao Chat GPT ou outras Inteligências Artificiais para criar uma rotina de exercícios integrada a uma alimentação saudável, levando em consideração seu peso, metas e a disponibilidade de equipamentos.

Os atrativos dos chatbots de conversação são grandes. Além de gratuitos e adaptáveis às preferências de cada pessoa, eles ocupam menos tempo da rotina, e podem oferecer consultoria em tempo real.

Só tem um problema: por mais completo que pareça, dificilmente vai ser tão preciso quanto um profissional de carne e osso. E isso até mesmo o ChatGPT reconhece. Após dar informações sobre saúde, o chatbot reitera ao final: “Lembre-se de que é sempre importante consultar um nutricionista e um profissional de educação física antes de iniciar qualquer plano alimentar ou de exercícios para garantir que sejam adequados às suas necessidades e condições de saúde”. Afinal, usar modelos prontos sem a orientação prévia de um profissional da saúde pode acarretar riscos à saúde.

Programada para o desastre
Lançado em 2022, o ChatGPT é um chatbot de conversação generativa. Usando inteligência artificial (IA), ele cria textos, imagens e até vídeos a partir do reconhecimento de padrões em um conjunto de dados elaborados por humanos. A ferramenta responde às perguntas com base em várias fontes disponíveis na internet. No entanto, como se trata de uma máquina, ela não possui discernimento para avaliar quais fontes são mais confiáveis, e não costuma fazer uma filtragem criteriosa das informações.

Um estudo publicado 2024 na revista científica JMIR Medical Education investigou a abrangência, precisão e legibilidade das recomendações de exercícios geradas pelo ChatGPT. Os pesquisadores avaliaram as respostas da IA com foco em aspectos fundamentais dos treinos, como frequência de séries, intensidade e progressão de carga. Além disso, analisaram se as recomendações faziam referências adequadas a bibliografias relevantes na área. Eles também consideraram condições como hipertensão e obesidade, para verificar se as respostas se adaptaram às necessidades específicas de cada situação.

Embora tenha se mostrado razoavelmente preciso, o ChatGPT não apresentou um bom resultado em pontos como frequência de repetições, intensidade, tempo e tipo de exercício. Isso, segundo os cientistas, poderia dificultar a implementação ou a eficácia do treino/dieta. Além disso, as recomendações de exercícios para hipertensão tiveram pontuação mais baixa (ou seja, maior discordância em relação a profissionais de saúde) com 57% de precisão e desinformação.

Quão personalizado é o seu treino?
Tem um outro ponto crítico na jogada: a IA não leva em conta um fator essencial quando falamos de saúde humana: as diferenças de biótipos, características biológicas individuais, taxas hormonais e as reais necessidades de cada pessoa. “A inteligência artificial acaba criando um sujeito padrão”, explica Paulo Dantas, do Departamento de Educação Física da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), em entrevista à GALILEU. “Então, por meio de análises estatísticas e observações de comportamentos, ela conclui: ‘Esse sujeito funciona dessa forma. Então, vou prescrever esse treinamento que pode trazer benefícios’. Ela pode até acertar, mas existe uma grande chance de não acertar.”

O planejamento de uma rotina de exercícios, independentemente da motivação, deve ser fundamentado no histórico de saúde da pessoa e sua aptidão física. No caso dos esportes, a avaliação primária envolve a análise do tônus muscular, a presença de flacidez e possíveis casos de excesso de peso. Esse exame mais detalhado, além de proteger o corpo contra efeitos adversos, contribui para maximizar os benefícios à saúde.

Ao generalizar e se orientar por padrões, o ChatGPT pode trazer duas consequências: uma rotina pouco eficaz, com resultados mínimos ou inexistentes, ou ainda a sobrecarga do corpo, gerando efeitos negativos e duradouros, como lesões, contusões ou até o surgimento de doenças.

“Substituir o profissional por uma inteligência artificial é muito perigoso, porque ele dedicou muito tempo [de estudo] para entender essas nuances, esses detalhes”, explica o professor da UFRN. “Talvez o aluno chegue para treinar e, de alguma forma, o profissional, pela sua sensibilidade, perceba que a pessoa não vai conseguir realizar o treino que havia sido planejado. Ele pode, então, ajustar, adaptar ou até mesmo abandonar o planejamento naquele momento, porque sabe que não daria certo. A inteligência artificial não tem essa capacidade.”

Não existe atalho
A procura por regimes milagrosos e programas que garantem a perda de peso existe bem antes da popularização das inteligências artificiais. Há tempos, revistas de saúde e bem-estar, sites especializados e, mais recentemente, redes sociais, divulgam rotinas prontas que prometem transformações significativas. Embora muitas dessas orientações sejam desenvolvidas por especialistas, tanto elas quanto às ferramentas de IA exploram o desejo por resultados estéticos imediatos.

Antes de iniciar um plano alimentar, é fundamental realizar exames e passar por uma consulta com um nutricionista para identificar eventuais desequilíbrios ou carências de nutrientes e vitaminas. Somente após a avaliação dos resultados é elaborado um regime alimentar personalizado, acompanhado da definição de objetivos e da implementação de ajustes na rotina. Se a meta é a perda de peso, por exemplo, a dieta deve ser combinada com a prática de atividades físicas. Em situações de sobrepeso ou obesidade, é necessário acompanhamento médico especializado.

Além disso, um atendimento humanizado, que leve em consideração o contexto pessoal do paciente, também ajuda a garantir que a dieta seja mantida a longo prazo. “Nós conseguimos perceber, tanto na fala quanto na linguagem corporal do paciente, o quanto ele está expondo da vida dele”, conta Camila. “O que ele quer compartilhar, questões que envolvem a rotina e aspectos que influenciam na sua adesão a uma orientação nutricional. Então, precisamos considerar o paciente como uma pessoa, né? Alguém que tem sentimentos, um histórico de vida, e isso, com certeza, a inteligência artificial ainda não consegue fazer.”

Existem outros perigos por trás dos planos alimentares elaborados pelo ChatGPT, como a indicação de dietas e alimentos para determinados propósitos sem o respaldo científico necessário para a indicação. Por se basear em bancos de dados públicos e assuntos comentados na internet, a IA pode apontar dietas e tendências que estão populares no momento, que nem sempre oferecem benefícios reais ou atendem às necessidades individuais de saúde. A falta de especificações, como modo de preparo e quais opções escolher no supermercado, pode comprometer tanto os resultados quanto a manutenção de um estilo de vida saudável.

“O olhar do profissional sobre o todo é muito diferente da relação que temos com a nossa própria percepção”, explica. “Nossa visão sobre nós mesmos é diferente da de outra pessoa. Então, quando o profissional está te observando e te ouvindo, ele consegue identificar questões que, se fôssemos pedir para um site fazer, ele apenas refletiria nossa própria impressão, né? Nossa interpretação das coisas, se não somos nutricionistas, também será mais limitada.”

Foto: Freepik

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