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Atualização da Anvisa sobre prioridades de registro de medicamentos incentiva indústria nacional, mas preocupa pacientes e parte do setor

Priorização de melhora de segurança, eficácia ou adesão ao tratamento foi retirada pela Anvisa, enquanto outros critérios foram propostos

Por Futuro da Saúde

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está revisando as regras para priorização da análise de registro, pós registro e pesquisas clínicas de medicamentos.

Com consulta pública aberta até o dia 27 de março, o novo texto da resolução traz mudanças significativas para indústria farmacêutica e pacientes, entre elas, a retirada de trecho sobre a prioridade de registro de medicamentos que apresentarem melhora de segurança, eficácia e adesão ao tratamento. Entidades atentas ao processo de revisão acreditam que a nova redação pode atrasar o acesso a indicações terapêuticas e terapias inovadoras.

Por outro lado, as modificações do texto vão na direção de incentivar a indústria nacional e alinhar as normas da Anvisa às estratégias para o avanço do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Ceis). Medicamentos com insumo farmacêutico ativo (IFA) produzido no Brasil, objeto de Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e do Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL), por exemplo, passam a ser prioridade caso a revisão seja aprovada sem alterações.

O relatório de análise de impacto regulatório sobre a priorização, realizado pela gerência-geral de Medicamentos da Anvisa em 2024, aponta que a subjetividade de alguns critérios era um dos problemas que deveriam ser resolvidos pela revisão. Esse é o caso da indicação de alternativa terapêutica com melhora significativa de segurança ou eficácia.  Procurada, a Anvisa se limitou a dizer que o processo de consulta pública está em curso.

Fontes ouvidas pelo Futuro da Saúde observam que a Anvisa tenta buscar soluções para a falta de servidores que assola a agência. No entanto, defendem que tirar esse trecho de priorização de medicações da resolução aumentará consideravelmente a fila ordinária. O prazo inicial da agência para registro não prioritário é de 365 dias, podendo ser prorrogado, enquanto prioridades têm prazo de 120 dias.

Dados da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) obtidos em pesquisa interna com associados mostram que, entre 2017 e 2024, dos 98 protocolos que solicitaram priorização junto à Anvisa, utilizando o critério de melhora significativa de eficácia e segurança, 88 foram atendidos. A entidade estima que 850 mil pacientes poderiam ser impactados pela mudança, com uma ampliação do prazo de registro em nove meses e meio.

“Imaginava que essa revisão poderia resolver um problema que existe de redução geral de prazos. Uma vez que o texto veio à tona, houve uma certa divisão de posicionamento. De um lado, há a indústria de inovação e associações de pacientes com posicionamento mais reticente e, muitas vezes, até contrário a essa norma, porque delimita um pouco mais as hipóteses que poderiam se beneficiar de priorização. E do outro lado, a indústria nacional vê algumas oportunidades para empresas que estão entrando em políticas do governo”, observa Rubens Granja, sócio da prática de Life Sciences & Healthcare do Lefosse.

Mudanças e ponto de vista da indústria internacional

A escassez de servidores na Anvisa é considerada um dos principais pleitos da agência. O tema, inclusive, foi pano de fundo para um debate indireto ocorrido entre o presidente Lula, que reclamou sobre os prazos para registro, e o ex-diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, que apontou ter alertado o governo em diferentes oportunidades sobre a situação. Estima-se que haja um déficit de mais de 1 mil funcionários. 

“Existe um problema real, com um volume muito grande de pedidos de registro para uma escassez de servidores. A Anvisa, seguindo o que acontece no mundo inteiro, criou já há algum tempo esse caminho de priorização e isso deve evoluir. Atualmente há muitos pedidos de priorização, mas não necessariamente isso significa dizer que esse volume é ruim ou que há mau uso da norma”, explica Granja.

Por isso, reavaliar as prioridades serve não só para revisitar a resolução criada em 2017. Parte das mudanças desagradaram a indústria farmacêutica internacional, que investe em inovação radical e desenvolve pesquisas clínicas multicêntricas. Isso porque se retirou trecho que priorizava medicamentos com “melhora significativa de segurança, eficácia ou adesão ao tratamento”. Da mesma forma, petições de alteração pós-registro seguindo o mesmo critério também foram despriorizadas.

“Por que eu vou fazer a avaliação de um dossiê antecipado se isso não for para realmente mudar a vida das pessoas? Todas as autoridades de referência mundial utilizam esse critério. Óbvio que os países podem criar outros, mas isso não é natural. Eficácia, qualidade e adesão ao tratamento são critérios mudam a vida das pessoas”, defende Renato Porto, presidente-executivo da Interfarma.

De acordo com a entidade, cerca de 70% das petições consideradas prioritárias hoje se enquadram nesse trecho e deixariam de passar pelo fast track. Por isso, parte da população, segundo Porto, pode ser afetada pela decisão, caso a Anvisa siga com o novo texto sem alterações.

O presidente-executivo aponta que pacientes com doenças que já existem um tratamento e não se enquadrem nos novos critérios estabelecidos podem ser afetados pela decisão. A Anvisa estabelece, entre outros critérios, que drogas para doenças negligenciadas, raras, emergentes, reemergentes, emergências em saúde pública ou condições sérias debilitantes, assim como pacientes pediátricos, são prioritárias.

“A lista ordinária hoje está demorando quase três anos na prática. Estamos falando de cerca de um ano e meio de uma fila prioritária, já muito lenta. Teríamos mais um problema. A justificativa da Anvisa de tentar reorganizar essa fila é importante, mas a nossa preocupação é que o modelo regulatório brasileiro já é um modelo pré-mercado, bastante avançado. Então, temos que tomar cuidado quando mudamos essas normas por uma ocasião”, defende Porto. A Interfarma tem a expectativa que a Anvisa reconsidere a priorização no texto antes da sua publicação.

Indústria nacional vê avanços

Para a Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac), o novo texto traz grandes oportunidades para incentivar a produção de insumos e medicamentos no Brasil. Henrique Tada, presidente executivo da entidade, aponta como um dos pontos positivos a prioridade para a utilização IFA produzido no país.

“Não só para medicamentos inovadores, mas também quando a petição for para medicamentos genéricos, similares ou biossimilares com IFAs fabricados localmente. Produtos com pesquisa, desenvolvimento e todas as etapas de fabricação realizadas no país também serão priorizados. Agora, também estamos propondo a possibilidade de que seja estendida também para priorizar a inovação incremental no país”, defende Tada.

Medicamentos envolvidos em PDP e PDIL poderão ser priorizados de acordo com o novo texto da Anvisa, o que também é visto de forma positiva pela indústria nacional. A norma prevê a priorização registro do primeiro medicamento a ser produzido em uma nova planta fabril no país, mas a Alanac atua para ampliar o número para os três primeiros.

“Queremos expandir mais, beneficiar e trazer um incentivo para a produção local, que infelizmente está sendo feita basicamente por empresas de capital nacional. A maioria das multinacionais transferiram produção do Brasil para outros países, por motivos diversos”, comenta o executivo.

Em relação às PDPs, Tada observa que o volume de petições de prioritários não deve causar impacto nas filas, dado o histórico de acordos de transferência de tecnologia fechados ao longo dos anos e por isso a mudança é viável. Também serão priorizados os ensaios clínicos de Fase I conduzidos exclusivamente em território nacional.

“As mudanças trazem impacto positivo para a população no sentido de aumentar a soberania nacional na fabricação de medicamentos. O Brasil tem um parque fabril de medicamentos bastante robusto, com potencial de crescimento. Mas somos ainda muito dependentes dos insumos farmacêuticos fabricados em outros países. Essas medidas viabilizam diminuir essa dependência”, observa o presidente executivo.

Associação de pacientes

Entidades que atuam com defesa e conscientização de pacientes têm buscado entender o impacto da norma. Principalmente aquelas que atuam com câncer observam risco com a atualização, podendo trazer efeitos significativos no atraso no registro e pós-registro em terapias que não se enquadrem nos novos critérios.

“A nossa grande preocupação segue em torno da garantia de que os medicamentos analisados pela agência – seja pela via do fast track, ou pela via tradicional – sejam analisados em tempo hábil a fim de garantir que o país seja um ambiente propício para formulação e absorção de inovações tecnológicas” afirma Luciana Holtz, presidente do Oncoguia.

A entidade defende que tratamentos modernos que apresentem melhorias na segurança e eficácia ou que ajudem o paciente a aderir melhor ao tratamento sejam bem-vindos, porque ampliam o arsenal terapêutico e podem colaborar com a melhora do desfecho clínico de tratamentos oncológicos.

“O acesso oportuno a novas tecnologias sempre será um tema sensível para a oncologia. Isso envolve tanto a agilidade no registro de tecnologias quanto a celeridade na garantia do acesso destas inovações aos pacientes, no SUS e na saúde suplementar”, defende Helena Esteves, gerente de Advocacy do Oncoguia.

Da mesma forma, a Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale) defende que devem receber uma análise prioritária desfechos superiores às opções disponíveis, que possibilitem maior controle doença, aumento da sobrevida e qualidade de vida, ou que reduzem deslocamentos, menor frequência de administração, e com impacto positivo para o sistema.  

“Compreendemos os desafios enfrentados pela Anvisa, mas quando analisamos as especificidades do câncer e as necessidades terapêuticas no contexto da oncologia, a mudança pode criar barreiras para o acesso ao tratamento com medicamentos que apresentem resultados superiores, ou melhora na adesão ao tratamento, especialmente quando consideramos cânceres raros”, afirma Catherine Moura, médica sanitarista e CEO da Abrale. 

A associação afirma que irá participar da consulta pública e defende que a Anvisa reveja a decisão. Apesar das terapias oncológicas não entrarem como prioritárias, existem critérios da norma que podem ser utilizados na hora do registro, como é o caso de medicamento novo, nova forma farmacêutica, nova indicação terapêutica ou nova concentração destinados à população pediátrica.

“Existem tecnologias relevantes que trazem resultados importantes para o desfecho do tratamento, como maior segurança, diminuição de riscos e efeitos adversos, maior eficácia e melhor adesão para pacientes que se encontram em situação específica, com resultados de grande impacto positivo na qualidade de vida, assim como impacto social”, defende a CEO da Abrale.

Conheça todas as prioridades para registro de medicamentos propostas pela Anvisa na consulta pública

I – medicamento, incluindo vacinas, utilizado para doença negligenciada, emergente ou reemergente, emergências em saúde pública ou condições sérias debilitantes, nas situações em que não houver alternativa profilática para o caso de vacinas ou alternativa terapêutica disponível; 

II- medicamento novo, nova forma farmacêutica, nova indicação terapêutica ou nova concentração destinados à população pediátrica quando não houver alternativa terapêutica disponível para esta população;

III- medicamento biológico, sintético ou semissintético com insumo farmacêutico ativo com todas as etapas de produção no país, para IFA sintéticos ou semissintéticos, desde a introdução do(s) material(is), de partida realizada(s) no país;

 IV- medicamento novo fabricado no País com pesquisa, desenvolvimento e todas as etapas de fabricação realizadas no país;

V- a primeira petição de medicamento genérico inédito para cada insumo farmacêutico ativo ou associação, concentração e forma farmecêutica;

VI- a segunda e a terceira petição de medicamento genérico para cada insumo farmacêutico ativo ou associação, concentração e forma farmacêutica se o medicamento for fabricado no país ao menos desde a introdução do IFA até a obtenção do produto a granel; 

VII – a primeira petição de medicamento biossimilar inédito para cada insumo farmacêutico ativo ou produto combinado ou a primeira petição de medicamento biossimilar a ser fabricado no país; 

VIII – medicamento que seja objeto de Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) ou de Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL), mediante a submissão inicial completa de todos os documentos e estudos previstos na regulamentação vigente. 

IX- medicamento com desenvolvimento dos ensaios clínicos fase 1, 2 e 3 anuídos pela Anvisa e conduzidos no Brasil;

X- primeiro medicamento a ser produzido em uma nova planta fabril no país.

Foto: Adobe Stock

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