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Com próxima Copa do Mundo no Catar, qual a influência do calor sobre o desempenho dos jogadores?

Pesquisa analisa dados colhidos por termômetro especial que mediu clima no centro dos campos uma hora antes de partidas da Copa de 2014; sob altas temperaturas, jogadores tendem a dar menos ‘sprints’, mas passes mais certos


Por BBC

Terminada a Copa da Rússia, os olhos do mundo da bola já se voltam para a próxima, no Catar, em 2022. E não por causa da tradição futebolística do país – que não tem nenhuma. Raríssimas são as pessoas que sabem dizer o nome de um clube catariano ou se por lá há algum campeonato de futebol.

Mas o que quase todo mundo sabe é que faz muito calor naquele país do Golfo Árabe – média entre 40 e 50ºC no verão. O que poderá ter influência no desempenho dos atletas. Não tão negativa, como se poderia esperar. De acordo com um estudo realizado no torneio do Brasil, em 2014, mas só divulgado recentemente, os jogadores darão menos sprints (“piques” ou corridas de alta velocidade) e mais passes certos.

O trabalho foi feito por cinco pesquisadores – um do Centro de Pesquisa e Avaliação Médica da FIFA, com sede na Suíça, um da Grécia e três do Catar – e publicado no British Journal of Sports Medicine. O objetivo foi analisar as condições ambientais para identificar possíveis associações delas com o desempenho dos jogadores.

Para isso, foi usado um aparelho chamado WBGT (Wet Bulb Globe Temperature ou Temperatura Global de Bulbo Úmido), uma espécie de termômetro especial que mede o índice de estresse térmico, que é o calor sentido quando a umidade é combinada com a temperatura, movimento do ar e aquecimento pela radiação solar.

Os parâmetros do WBGT foram medidos em todos os 64 jogos da Copa de 2014. Para obter os dados, o aparelho foi levado até o centro do campo uma hora antes do início da partida e elevado a uma altura de 2,5 metros acima do solo. O estresse ambiental foi estimado (baixo, moderado e alto) para cada um deles. Vários índices de desempenho físico e técnico foram registrados durante cada confronto (média de ambas as equipes).

Segundo o pesquisador Paulo Roberto Pereira Santiago, da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP), da Universidade de São Paulo (USP), vários fatores justificam o estudo feito durante a Copa do Brasil. “O nosso país apresenta características bem interessantes, pois o torneio foi disputado em regiões com temperaturas e umidade muito diferentes”, explica.

É provável que o resultado da pesquisa tenha ajudado a influenciar a Fifa a fazer mudanças nos meses e horários da Copa do Catar. “Ela será disputada em novembro e dezembro, o que nunca aconteceu antes, e provavelmente os jogos serão realizadas mais tarde no dia”, diz Santiago, que analisou o estudo em detalhes.

Ele explica que as 64 partidas que ocorreram durante o evento no Brasil foram classificadas pelo WBGT em três tipos ou, mais precisamente, em três níveis de estresse térmico que os atletas tiveram de enfrentar devido à temperatura. “Ao todo, foram disputados 28 em baixo, 20, em moderado e 16, em alto”, diz. “O estudo não encontrou diferenças em tempo de jogo, nem em distância percorrida, número de gols e de cartões. Houve, no entanto variação nos números de sprints e na distância e no tempo de permanência nessas faixas de alta velocidade.”

Segundo Santiago, o Colégio Americano de Medicina Esportiva (ACSM) considera WBGT entre 17 e 22ºC como sem restrição para o esporte, entre 22 e 28ºC como de baixo risco, de 28 a 30ºC de alto, de 31 a 32ºC de altíssimo e acima dos 32ºC proibido para realizar atividades esportivas intensas (play stop). Os dados do trabalho publicado Bristish Journal of Sports Medicine mostram que na Copa de 2014 uma partida foi disputada em “play stop”, outra em “muito alto risco”, 41 em “baixo risco” e 21 em irrestrito.

O que é interessante, para Santiago, é que alguns outros trabalhos mostram que treinar em altas temperaturas trás riscos, mas promove adaptações positivas para melhorar o desempenho posteriormente. É parecido com o que ocorre ao se treinar em alta altitude e depois competir ao nível do mar.

“No caso da altitude menor, a quantidade de oxigênio faz aumentar o número de hemácias que o transportam pelo corpo”, explica. “Já o calor promove maior fluxo sanguíneo e esse estresse térmico ajuda a preparar os atletas para os jogos que serão realizados em condições extremas.”

No trabalho publicado no British Journal of Sports Medicine os dados registrados na Copa do Brasil estão mais detalhados. O número de sprints e a distância percorrida em alta intensidade, por exemplo, foram significativamente afetados pelo estresse ambiental. O dos primeiros, quando o jogo foi disputado na categoria de alto estresse, foi de 0,36 por minuto por jogador, o que foi menor que o realizado em moderado (0,40) ou baixo (0,41).

A distância percorrida em alta intensidade, por sua vez, foi menor na categoria alto estresse (24,8 metros por minuto por jogador) do que na baixo (26,9). No caso do número de passes, ele não foi diferente entre os jogos disputados sob baixo estresse térmico (10,80 por minuto), moderado (11,4) e alto (11,3).

Diante desses dados, os autores do trabalho concluíram que, “com o estresse do calor ambiental, os jogadores reduziram sua atividade de alta intensidade e o número de sprints”. Ao mesmo tempo, mantiveram a velocidade máxima de corrida e melhoraram a taxa de passes certos.

Segundo os pesquisadores, “essas descobertas sugerem que os atletas de nível superior ajustam seu padrão de atividade durante as partidas em um ambiente quente e úmido (ou seja, menor intensidade e mais passes bem-sucedidos) para preservar as características globais de jogo, como distância total percorrida, velocidade máxima de corrida e gols marcados”.

Santiago explica que, como os jogadores se poupam mais nas atividades de alta intensidade, reduzindo sprints e tempo de permanência nessa corrida, conseguem realizar ações técnicas, como passes certos, de forma mais eficiente.

“Contudo, é bom lembrar que isso vale para um esforço de duração dos 90 minutos e em WBGT alto”, diz. “Em condições extremas, isso provavelmente não ocorre. Por isso, a preocupação com a Copa do Mundo de 2022 no Catar. Nesse caso, se a Copa fosse nos meses de costume (junho/julho), os valores extremos de WBGT seriam atingidos certamente, o que iria prejudicar os jogadores em todos aspectos.”

Nos meses de novembro e dezembro, a temperatura no Catar varia entre 20°C e 30°C. Assim, espera-se que, durante o torneio, os termômetros não cheguem a por em risco o desempenho dos jogadores.

Foto: Divulgação/ Qatar Fifa

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