Levantamento publicado nesta quinta-feira na revista Science mostra que a região amazônica foi o ponto de início do surto que matou quase 700 pessoas entre dezembro de 2016 e março de 2018
Por Edison Veiga, BBC
Um grupo de cientistas confirmou a origem do surto de febre amarela que, entre dezembro de 2016 e março de 2018, matou 676 pessoas no país e deixou mais de 2 mil doentes. O ponto de início da transmissão do vírus, de acordo com estudo publicado nesta quinta-feira na revista Science, foi a região amazônica.
“Demonstramos que a fonte da epidemia veio de isolado viral proveniente do Norte do Brasil. Também concluímos que o vírus chegou a Minas Gerais no início de 2016 e, dali, se espalhou dentro do Estado e para os estados vizinhos a uma velocidade média de 4,25 km por dia”, diz o biólogo Luiz Carlos Júnior Alcântara, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e um dos autores do levantamento.
Para ele, a explosão do número de casos da doença não foi consequência direta do grave acidente ambiental do rompimento da barragem em Mariana, Minas Gerais, em 2015 – umas da hipóteses com as quais trabalhavam.
Origem
“Baseado em um novo método para analisar dados epidemiológicos e nos dados genéticos analisados em Minas Gerais, descobrimos que, apesar de ser o maior surto que o Brasil vivenciou em mais de 100 anos, ele foi caracterizado por uma transmissão silvestre, em que todos os casos em humanos eram, no fundo, resultado de uma picada de um mosquito silvestre que existe predominantemente em florestas e áreas rurais”, resumiu Alcântara.
O vírus da febre amarela tem dois ciclos epidemiológicos. No silvestre, os macacos são os principais hospedeiros e amplificadores do vírus – não por acaso, na época do auge do surto no Brasil, o maior em cem anos, foram dezenas de casos de macacos mortos encontrados em parques.
Neste caso, em regiões de mata, insetos – em geral dos gêneros Haemagogus e Sabethes – picam os primatas e eles podem transmitir a doença a seres humanos que vivam na região.
Já na cidade, o mais comum é que a transmissão ocorra pelo mosquito Aedes aegypti, conhecido por transmitir dengue e zika. Neste tipo de contaminação, o inseto passa o vírus de um humano para outro. O último surto de febre amarela urbana no Brasil aconteceu em 1942.
Panorama
“A floresta amazônica é uma região ‘reservatório’, onde o vírus da febre amarela parece ter estabelecido um ciclo silvestre há algumas décadas. Os surtos de febre amarela acontecem em ciclos de 7 ou 14 anos, dependendo das regiões”, explicou à BBC News Brasil o biólogo Nuno Rodrigues Faria, pesquisador da Universidade de Oxford e o coordenador do estudo.
“E o norte do Brasil muitas vezes parece ser a origem das novas linhagens virais que causam surtos em Minas Gerais (por exemplo, nos surtos de 1934 e de 2004). É possível que existam outras espécies de animais envolvidas, e se quisermos eliminar surtos futuros é essencial entender como é que o vírus consegue persistir na floresta amazônica entre períodos de silêncio epidemiológico.”
Alcântara ressaltou que os casos de macacos infectados foram “mais dispersos” geograficamente do que os de humanos infectados. “O maior número de casos foram nas cidades de Teófilo Otoni (MG) e Manhuaçu (MG), que estão muito distantes (entre si)”, pontua o pesquisador.
O estudo demonstrou também que existiu associação temporal e espacial entre os casos em humanos e macacos – o que, segundo os pesquisadores, é característica da transmissão silvestre.
“Antes desta nossa atuação, só existiam 19 genomas do vírus da febre amarela detectados no Brasil. Em duas semanas, nós fizemos o sequenciamento de 50 genomas, utilizando um sequenciador menor que um celular. Desenvolvemos um protocolo para gerar estes genomas em tempo real, e fazendo vigilância genômica em curto espaço de tempo, útil para o Ministério da Saúde e para a Organização Mundial da Saúde.”
Os pesquisadores também identificaram que a maior parte dos contaminados (85%) foram homens, mais um indício de que a transmissão tenha sido silvestre e não urbana. “Porque nas áreas rurais os homens têm maior atividade fora das casas em contato com áreas onde existem macacos e provavelmente os mosquitos transmissores”, explicou Alcântara.
Essas descobertas, conforme acreditam os pesquisadores, poderão ajudar nas estratégicas de combate ao vírus da febre amarela, à medida que elas demonstram como ocorre a transmissão hoje em dia. Com o sequenciamento de DNA e uma intensa análise computacional, os cientistas conseguiram traçar a composição genética do vírus.
Além de identificar padrões etários – a maior parte dos afetados tinha entre 35 e 54 anos -, de gênero – 85% da incidência foi sobre homens – e a distribuição geográfica dos casos em humanos. Leia a reportagem completa.
Foto: Reprodução/EPTV