Pesquisadora americana traça perfis de indivíduos cuja ingestão de bebidas alcoólicas pode ser considerada um transtorno. Segundo especialistas, o detalhamento pode ajudar na criação de medidas mais personalizadas de tratamento e prevenção
Por Correio Braziliense
O alcoolismo é um problema de saúde para diversos países, e os efeitos do aumento da ingestão de bebidas alcoólicas tem feito com que a doença seja alvo de cientistas, que buscam maneiras mais eficazes de preveni-la e tratá-la. Para entender melhor como o vício pode afetar indivíduos de formas distintas, uma americana analisou mais de mil voluntários e, com os dados, traçou cinco perfis de indivíduos com o transtorno por uso de álcool. Segundo Ashley N. Linden-Carmichael, os resultados podem gerar tratamentos mais personalizados e eficientes. Os resultados do trabalho foram publicados na revista especializada Alcohol and Alcoholism.
A autora do estudo destaca que o abuso de álcool é mais complicado do que simplesmente “beber demais”. Trata-se de um grande problema de saúde pública, que merece ser mais investigado. “Alguns bebedores pesados preenchem os critérios para um transtorno por uso de álcool, mas, na maioria das investigações anteriores sobre o tema, os pesquisadores se concentraram apenas na gravidade dos sintomas. Eu e meu grupo estávamos interessados em saber se existem diferentes tipos de ‘bebedores problema’ para obter uma compreensão mais precisa, que pudesse ajudar em detecção e tratamento precoces”, conta ao Correio a pesquisadora em saúde biocomportamental e professora da Universidade Estadual da Pensilvânia.
Linden-Carmichael e sua equipe usaram dados de 5.402 participantes do estudo chamado Pesquisa Nacional de Epidemiologia sobre Álcool e Condições Relacionadas, realizado em 2016, nos Estados Unidos. Para montar a amostra, a equipe considerou indivíduos com 18 a 64 anos e que preenchessem os critérios para o diagnóstico de transtorno por uso de álcool no ano anterior ao estudo (Veja infográfico).
Ao analisar os dados, a equipe chegou a grupos de pessoas que compartilham sintomas similares de transtornos por uso de álcool. A partir dessa informação, foram montados os perfis de bebedores problemáticos. Segundo Linden-Carmichael, o método utilizado, desenvolvido no Centro de Metodologia da Penn State, ajudou também a revelar a prevalência de alguns perfis em diferentes idades.
Para a líder do estudo, os profissionais de saúde podem considerar a possibilidade de personalizar os tratamentos e os esforços de intervenção tendo como base os dados da pesquisa. “Os terapeutas poderiam considerar, por exemplo, que, em um jovem adulto, deve-se procurar sintomas de abstinência. Por outro lado, em um público mais velho, é indicado procurar pessoas que lutam para não ter ferimentos relacionados ao álcool. Vimos essas características no trabalho”, ilustra.
Além dos manuais
Custódio Martins, psiquiatra do Instituto de Neurociências de Brasília (INCB), destaca que o estudo americano revela informações que se diferenciam de dados atuais na área médica relacionados ao consumo de álcool. “É uma abordagem interessante, que foge das classificações dos manuais atuais, mostrando dados de dependência diferentes dos conhecidos na saúde mental”, compara.
Helena Moura, psiquiatra especialista em dependência química, também acredita que o grande destaque da pesquisa é trazer novas informações comportamentais relacionadas ao consumo de álcool. “Esse é um tema que se discute há anos. Sabemos que nem todo alcoolista é igual. Por isso, criar categorias para entender melhor os perfis é algo que pode nos ajudar. Hoje, usamos 11 critérios para caracterizar as pessoas com esse tipo de problema, mas esse estudo usa dados ainda mais detalhados”, diz.
Linden-Carmichael conta que pretende usar o mesmo método em uma nova pesquisa, mas dando ênfase às diferenças etárias. “Estou interessada em ver, por exemplo, o que acontece mais tarde com alguém que tem um certo perfil em uma idade mais jovem”, exemplifica. “Se uma pessoa está na classe de efeitos adversos apenas aos 21 anos, como estarão os seus hábitos relacionados à bebida aos 60 anos? Eles aumentam ou diminuem de velocidade? Se pudéssemos ter um estudo similar e maior e ainda seguir os participantes durante seu envelhecimento, isso seria mais intuitivo e benéfico para os resultados.”
“Sabemos que nem todo alcoolista é igual. Por isso, criar categorias para entender melhor os perfis é algo que pode nos ajudar”
Helena Moura, psiquiatra especialista em dependência química
Foto: Marcos Santos/USP Imagens