Em experimento com ratos, composto reduz a ação de uma enzima ligada ao desencadeamento do transtorno. O resultado abre espaço para o desenvolvimento de uma nova frente de terapia destinada a humanos
Por Correio Braziliense
O resveratrol, uma substância presente na pele e na semente das uvas, já se mostrou benéfica à saúde de diversas formas. Por isso, é um dos alvos favoritos de cientistas em suas análises. Em um estudo recente, uma equipe dos Estados Unidos identificou que a molécula, também encontrada em grande quantidade no vinho tinto, age como poderoso inibidor de uma enzima relacionada à depressão. Os dados foram publicados, no último dia 26, na revista especializada Neuropharmacology e, segundo os autores, poderão contribuir para terapias mais eficazes de combate à doença.
Embora pesquisas anteriores tenham mostrado que o resveratrol tem efeitos antidepressivos, a relação do composto com a fosfodiesterase 4 (PDE4), uma enzima influenciada pelo hormônio do estresse corticosterona, ainda era desconhecida. “A corticosterona regula a resposta do corpo ao estresse. Demasiado estresse, no entanto, pode levar a quantidades excessivas do hormônio que circula no cérebro e, em última análise, ao desenvolvimento de depressão ou de outros distúrbios mentais”, resume Ying Xu, professora associada de pesquisa na Faculdade de Farmácia e Ciências Farmacêuticas da Universidade de Buffalo e principal autora do estudo científico.
Os cientistas explicam que relações fisiológicas ainda desconhecidas tornam a terapia medicamentosa para a depressão complexa. “Os antidepressivos atuais concentram-se na função da serotonina ou da noradrenalina no cérebro, mas apenas um terço dos pacientes com depressão entram em remissão completa em resposta a esses medicamentos”, frisa a autora.
A relação entre a PDE4 e o resveratrol foi analisada em um estudo com ratos. Ying Xu e sua equipe observaram que a molécula presente na uva reduz a ação da enzima, o que diminuiu a ação do monofosfato de adenosina cíclico — uma molécula mensageira, que sinaliza mudanças fisiológicas, como divisão celular, alteração, migração e morte — no corpo, levando a alterações físicas no cérebro. “O resveratrol exibiu efeitos neuroprotetores contra o hormônio corticosterona inibindo a expressão de PDE4”, frisa a líder do estudo. “Dessa forma, a pesquisa estabelece as bases para o uso do composto em novos antidepressivos”, complementa.
Inflamação
Para o psiquiatra João Armando, o estudo mostra dados interessantes sobre mecanismos relacionados à depressão que têm se tornado alvo constante de estudos científicos. “É muito valioso encontrar uma substância que consiga agir na inflamação, pois, cada vez mais, temos visto estudos que se voltam em busca de estratégias que combatam essa ação. É uma tendência em pesquisas”, frisa. Pesquisas recentes apontam que inflamações, muitas delas provocadas pelo estresse, podem alterar a produção do hormônio dopamina e, dessa forma, influenciar a depressão.
Apesar disso, o médico ressalta que é necessário ter muito cuidado com o tema, já que o consumo de bebidas alcoólicas em excesso pode aumentar os riscos da doença. “É algo semelhante ao que vemos com a maconha. Sabemos que o canabidiol tem algumas propriedades terapêuticas, mas o uso da maconha pode causar danos. Uma das substâncias presentes é positiva, mas existem muitas outras que podem ser danosas. O consumo de álcool em excesso é um dos fatores relacionados à depressão”, alerta.
Para João Armando, o ideal é encontrar uma forma de consumir o composto resveratrol de maneira isolada. “Caso os dados se confirmem, uma das alternativas seria usá-lo como uma suplementação, algo extra. Porém, é preciso ressaltar que esse estudo está em uma fase muito inicial. Precisamos ter os mesmos resultados em pesquisas feitas com humanos”, ressalta.
Para saber mais
Para cardíacos e astronautas
Um estudo publicado, no mês passado, na revista especializada Frontiers in Physiology mostra que o resveratrol pode ajudar a rotina dos astronautas. O uso da substância auxiliou na preservação da massa óssea e muscular de ratos, durante um experimento que simulou a microgravidade dos voos espaciais. Os cientistas norte-americanos, que foram financiados parcialmente pela Nasa, acreditam que uma dose diária do composto pode ajudar a reduzir a falta de condicionamento muscular dos viajantes espaciais.
Em pesquisas mais antigas, esse composto também se mostrou eficaz na diminuição dos níveis de lipídios no soro sanguíneo e também na agregação plaquetária, auxiliando, assim, na saúde cardíaca. Ele também é um importante agente preventivo do câncer, devido à ação antioxidante. Especialistas defendem que o composto faça parte da dieta por meio da ingestão de frutas vermelhas, como uva, amora, romã e cereja, e de oleaginosas, entre elas, avelã e amendoim.
Foto: Valdo Virgo/CB. Press.