Casos mais brandos da depressão pós-parto merecem atenção
Por Agência Brasil
A chegada de um bebê na família é, na maioria das vezes, um momento de felicidade, mas algumas mães podem experimentar a depressão pós-parto, que substitui essa alegria por tristeza e melancolia profundas e interfere até mesmo nos cuidados com o bebê.
Em alguns casos mais brandos, mas que merecem a mesma atenção, ocorre o que os médicos e psicólogos chamam de blue puerpério ou baby blues. No caso do primeiro, a depressão pós-parto, pelo menos 5% da população mundial são diagnosticados. Já o blue puerpério atinge 30% dessa população, e as estimativas são de que os casos aumentem durante a quarentena provocada pela pandemia de covid-19.
A jornalista Silvia Amélia de Araújo, que teve seu primeiro filho poucos dias antes do início do isolamento social, é um exemplo. Moradora de Goiás, foi com o marido para Belo Horizonte poucos dias antes do nascimento do bebê, porque ambos queriam estar perto da família e dos amigos nesse momento tão importante. “Ele nasceu no dia 4 de março e daí a dez dias as visitas deixaram de ser possíveis. Não encontramos praticamente ninguém e voltamos para casa em uma situação tensa”.
Silvia conta que teve uma gravidez tranquila, feliz e planejada. O parto foi como queria, mas em meio à pandemia, ela não conseguiu amamentar e isso desencadeou o baby blues no seu caso. “Várias pessoas acharam que pudesse ser depressão, mas a percepção dos profissionais que me atenderam é a de que foi um baby blues mais severo. O que os fez descartar a depressão foi o fato de que eu continuei cuidando do meu filho”. Silvia disse estar melhorando a cada dia, mas ainda não se sente totalmente recuperada.
Segundo a jornalista, a frustração de não amamentar o filho foi ampliada pela impossibilidade de procurar ajuda devido ao isolamento e aos riscos de ir a um banco de leite, um hospital ou a uma consulta médica. “É possível que eu não enfrentasse tantas dificuldades com a amamentação se não estivéssemos nesse contexto. Não pude receber uma receita médica de um remédio que estimulasse a produção de leite, não pude ir ao banco de leite receber ajuda. Mas se eu pudesse ter orientação, talvez o resultado fosse diferente”, afirmou.
Blue puerpério e depressão pós-parto
O psiquiatra do Departamento de Psicologia da Associação Paulista de Medicina (APM), Kalil Dualib, explicou que o blue puerperal é muito frequente nas mulheres que ficam grávidas pela primeira vez e está altamente associado à insegurança em relação ao desempenho no cuidado com o filho. No período da pandemia, junta-se a isso o temor de se contaminar com o novo coronavírus.
“Por isso, imagino que esse número de blue puerperal está subindo muito, porque as mulheres agora têm outra insegurança, que é a transmissão do vírus. Esse quadro não precisa ser medicado, mas sim orientado. Quanto melhor a estrutura da mãe, com auxílio de familiares ou funcionários, melhor lidará com o problema”.
A depressão pós-parto é muito mais grave, com um quadro no qual a pessoa perde a energia e o prazer em tudo. Kalil explicou que nessa situação corre-se um risco muito grande porque a mulher não vê sentido em nada, acha que seria uma mãe horrorosa e que seria melhor para o bebê ser cuidado por outra pessoa, havendo até a possibilidade de atentar contra a própria vida ou a da criança.
“Até agora não houve aumento da depressão pós-parto ligada à covid-19, porque tem uma característica mais genética. Nesse caso é preciso ser detectado precocemente e medicado, colocar acompanhante 24 horas. É um quadro que exige muita atenção. Quem já teve depressão tem que tomar mais cuidado e ficar mais atento aos sinais. A parte hormonal também pode gerar um quadro depressivo”, explicou.
O psiquiatra orienta as mulheres em tratamento para depressão a avisar seu médico imediatamente ao saberem que estão grávidas, porque nesses casos é preciso adequar a medicação e nunca interromper por conta própria. “A maior parte dos antidepressivos é muito segura. se necessário ser usado na gestação. Há dois ou três que não podem ser usados”, disse. Ele lembrou que a gravidez é um fator protetor contra a depressão, devido aos hormônios desencadeados a partir do terceiro mês de gestação.
Como lidar com o quadro no isolamento
A vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Anna Carolina Lo Bianco, disse que o pós-parto é um momento em que a mãe se sente muito exigida por causa da dedicação integral ao bebê e da expectativa do amor materno, o que facilita muito os quadros de depressão pós-parto e baby blues.
“Esses quadros estão quase sempre ligados a um ideal inatingível, à exigência de atender a um ideal que é difícil de alcançar. A pessoa se sente sempre em falta em relação àquele ideal e se acovarda, se sente impotente e cai na depressão. Esse quadro é proporcional à expectativa e à exigência de desempenho”.
Segundo ela, quem não está conseguindo vivenciar o nascimento do filho como gostaria, com a presença dos familiares e de pessoas que ajudem, fica em um estado de isolamento maior do que sentiria normalmente e mais frágil, o que traz mais vulnerabilidade com relação à sua própria expectativa.
“Por isso, a busca do contato com as pessoas e a possibilidade de falar o que está sentindo são muito importantes, por menos que se sinta à vontade para falar. A única coisa que podemos esperar é que essa mãe tenha coragem para pedir ajuda a alguém e, de alguma forma, se encontrar com o que está deixando-a desanimada, porque essa é a única maneira de perceber quais os recursos que se tem para sair disso”.
Foto: Agência Brasil