Três médicos foram presos nesta segunda-feira (23) em Poços de Caldas (MG) acusados de irregularidades na constatação da morte e remoção de órgãos de um homem de 41 anos em 2001. Segundo a Polícia Civil, os mandados de prisão foram expedidos pelo juiz Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, após mandado de prisão expedido em razão da sentença condenatória.
As audiências de instrução e julgamento referentes ao caso foram realizadas em julho de 2014 no Fórum de Poços de Caldas. O nefrologista João Alberto Góes Brandão, o urologista Cláudio Rogério Carneiro Fernandes e o radiologista Jeferson André Saheki Skulski são acusados da retirada ilegal de córneas e rins de Paulo Lourenço Alves, na época com 41 anos, na Santa Casa de Poços de Caldas. Eles foram condenados a 19, 17 e 18 anos, respectivamente.
Os profissionais foram detidos, levados para a Delegacia de Polícia Civil de Poços de Caldas e de lá encaminhados ao presídio da cidade. Outros três médicos envolvidos com o caso permanecem em liberdade, mas receberam medidas cautelares.
De acordo com o juiz Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, a sentença conclui que o paciente Paulo Lourenço Alves ainda estava vivo quando os médicos fizeram a retirada dos órgãos.
O único médico que falou com a imprensa foi Cláudio Rogério Carneiro Fernandes. “Deus vai resolver isso. Já resolveu uma vez e vai resolver de novo essa injustiça”, disse.
Dois dos médicos acusados por este crime – João Alberto Góes Brandão e Cláudio Rogério Carneiro Fernandes – já foram condenados em outros casos da chamada ‘Máfia dos Órgãos’. Este último chegou a ficar preso por 30 dias pela condenação de 17 anos, por envolvimento no caso do menino Paulo Veronesi Pavesi, o Paulinho, em 2001. O caso ficou conhecido como ‘Caso Pavesi’ e foi o que deu início às investigações a outros oito casos referentes ao tráfico de órgãos na cidade.
Procurado, o advogado José Arthur Kalil que defende os médicos João Alberto Góes Brandão e Cláudio Rogério Carneiro Fernandes disse que vai recorrer da decisão e entrar com pedido de habeas corpus.
O advogado Fábio Camargo de Souza, que defende o radiologista Jeferson Skulski, informou que vai entrar com pedido de habeas corpus.
Outros médicos envolvidos permanecem soltos
Envolvidos neste caso, o gastroenterologista Paulo César Pereira Negrão foi condenado a 16 anos, mas o juiz entendeu que a participação dele não era suficiente para a prisão e por isso o profissional vai cumprir apenas medidas cautelares em liberdade. O advogado dele, Dório Ferreira Grossi disse que ainda não teve acesso à sentença.
O médico anestesiologista José Júlio Balducci, ex-secretário de Saúde de Poços de Caldas foi absolvido no caso.
A oftalmologista Alessandra Queiroz Araújo não vai ser presa porque o juiz entendeu que a pena era pequena e foi prescrita.
Entenda o caso
O caso denominado como ‘Caso 5’ aconteceu há 15 anos e vitimou Paulo Lourenço Alves, na época com 41 anos. Segundo o processo, a vítima morreu em 15 de janeiro de 2011 no Hospital da Santa Casa. Após a morte encefálica, as córneas teriam sido retiradas e enviadas para Varginha (MG) e os rins, embora retirados, não foram transplantados.
De acordo com a denúncia, no prontuário da vítima não consta o laudo do exame que comprovaria a morte cerebral do paciente, que teria sido doador cadáver. Não foram encontrados também registros médicos relatando as condições clínicas do paciente e nem foi possível confirmar se as córneas foram encaminhadas para Varginha.
Para a promotoria, o paciente que teve os órgãos retirados em 2001 ainda estava vivo antes da cirurgia e os seis médicos que participaram do procedimento foram denunciados pela falha no diagnóstico de morte encefálica e remoção ilegal de órgãos.
Para o Ministério Público, há a denúncia de que o paciente havia ingerido bebida alcoolica no dia anterior à internação. Dessa forma, nenhum procedimento a fim de diagnosticar a morte encefálica deveria ter sido realizado, já que o álcool funciona como depressor do Sistema Nervoso Central (SNC). Por isso, os médicos são acusados de ter condutas que teriam como finalidade a morte da vítima para a captação dos órgãos.
Denúncias do Ministério Público referentes aos médicos
O nefrologista e intensivista João Alberto Góes Brandão é apontado como o participante de todas as fases da captação, o que é expressamente proibido pela Lei de Transplantes. Segundo o Ministério Público, ele teria assistido ao paciente, mas não teria executado os procedimentos necessários para salvar a vida do mesmo e teria feito o exame para diagnosticar a morte encefálica de forma fraudulenta.
O denunciado também procedeu a notificação ao MG Sul Transplantes – entidade considera clandestina – e também avisou a família sobre a morte cerebral do paciente, obtendo autorização para a doação. Já o urologista e cirurgião Cláudio Rogério Carneiro Fernandes atuou diretamente na extração dos rins do doador.
Ainda na denúncia da promotoria, o gastroenterologista Paulo César Negrão atestou o diagnóstico de morte encefálica sem observar parâmetros legais. E o radiologista Jeferson Skulski usou técnica diferente da recomendada na literatura médica para a detecção da morte, o que impossibilitou o diagnóstico correto.
O médico José Júlio Balducci participou como anestesista da cirurgia de retirada de órgãos da vítima. Já a oftalmologista Alessandra Angélica Queiroz Araújo foi responsável pela extração das córneas, mesmo não possuindo autorização legal para realizar transplantes.
Para a promotoria, todos os envolvidos sabiam que a vítima poderia ainda estar viva e ainda assim prosseguiram com a cirurgia, assumindo o risco de morte do paciente.
Outros casos relacionados e a Máfia dos Órgãos
Os médicos aparecem ainda em outros processos ligados à ‘Máfia dos Órgãos’. O ‘Caso 2’, que foi julgado recentemente está ligado ao ‘Caso 3’, que ainda tramita na Justiça e terminou com a morte da vítima Alice Mezavila Tavares, na época com 49 anos, após receber um rim doado por um paciente supostamente assassinado. Ela esperou pelo menos três anos pelo transplante do órgão e segundo a família, as causas apontadas pela Santa Casa foram infecção generalizada e insuficiência renal crônica. Em outra caso, uma vítima de 50 anos não teve os órgãos captados, no entanto, o motivo não consta no prontuário médico. A morte aconteceu no dia 6 de junho de 2001.
As investigações de diversos casos referentes à retirada ilegal de órgãos na Santa Casa de Poços de Caldas tiveram início após a morte do menino Paulo Veronesi Pavesi, o Paulinho, em 2000. A criança, na época com 10 anos, teria tido os órgãos removidos enquanto ainda estava viva. Em 2013, três dos médicos envolvidos foram condenados em primeira instância a penas que variam entre 14 e 18 anos e dois deles passaram um mês detidos no Presídio de Poços de Caldas. Eles conseguiram o direito de recorrer em liberade, mesmo após as condenações.
Há ainda a expectativa de que outros quatro médicos sejam levados à júri popular por conta da morte do Caso Pavesi. No entanto, no começo deste mês, o julgamento deste caso, que acontecia em Belo Horizonte, foi suspenso. O Caso 1 também já foi julgado e condenou os médicos Alexandre Crispino Zincone, João Alberto Góes Brandão, Celso Roberto Frasson Scafi e Cláudio Rogério Carneiro Fernandes em primeira instância.
Fonte: http://g1.globo.com/
Foto: Matthias Ripp, via Flickr