Número de centros de pesquisa e agilidade nas aprovações são desafios para pesquisas clínicas. Recém-chegada no país, empresa biotecnológica BeiGene quer mudar esse cenário
Por Futuro da Saúde
O Brasil tem ganhado força e posição no espaço global de pesquisas clínicas. Mas ao mesmo tempo em que há potencial para o país ganhar protagonismo como destino de pesquisa clínica devido ao seu tamanho e diversidade populacional – tema que vem sendo cada vez mais cobrado pelas sociedades globalmente –, ainda há diversos desafios a serem superados, que incluem o tempo necessário para que um medicamento receba aprovação regulatória, o número de centros de pesquisa e pessoas treinadas para conduzir o desenvolvimento de medicamentos no Brasil.
Apenas para contextualizar, de acordo com o ClinicalTrials.gov, banco de dados do governo dos Estados Unidos (EUA) que compila ensaios clínicos ao redor do mundo, há mais de 9.000 estudos registrados no Brasil atualmente. Isso representa cerca de 2% do total global, que são principalmente conduzidos nos EUA e na Europa.
Para o diretor da Onco-Hematologia do A.C.Camargo Cancer Center, Jayr Schmidt Filho, porém, se for levado em consideração o tamanho do país, o número de pesquisas sendo feitas ainda é muito baixo:
“Há espaço para muitos mais estudos brasileiros. Precisamos proporcionar acesso e evolução nos tratamentos e a pesquisa clínica atende a essas duas demandas. É por meio delas que surgem novos tratamentos e que até os tratamentos vigentes mudam. Sem contar que, na oncologia, nenhum médico toma uma decisão de tratamento sem ter como base a comprovação de um estudo clínico”.
Para ele, só o crescimento dos ensaios “já seria um ganho enorme para os tratamentos oncológicos e outras doenças também. São as pesquisas clínicas que permitem a evolução das soluções em medicina, elas são primordiais”.
O impacto das pesquisas clínicas no tratamento oncológico
Especialmente falando sobre os casos de câncer, o Brasil vive uma projeção preocupante: são esperados 704 mil novos casos para cada ano, entre 2023 e 2025. Os dados são da pesquisa Estimativa 2023 – Incidência de Câncer no Brasil, do Instituto Nacional de Câncer (INCA). Apesar de alarmante, a boa notícia, como conta Schmidt Filho, é que os tratamentos oncológicos estão em uma era de constante evolução e melhores prognósticos:
“Temos cada vez mais opções de tratamento, novas imunoterapias, anticorpos e terapias gênicas. Se pegarmos dez anos atrás, ninguém acreditaria que hoje estaríamos nesse cenário tão avançado e os tratamentos são cada vez mais promissores. E as pesquisas clínicas são as responsáveis pela melhoria desse cenário”.
Considerando o enorme potencial do país na área, a empresa biotecnológica BeiGene pretende enfrentar os desafios do mercado nacional para ajudar a tornar o Brasil um país protagonista em pesquisas clínicas. É o que aponta Lígia Campos, diretora de estudos clínicos na BeiGene Brasil e América Latina:
“Nós já possuímos um pipeline robusto e promissor, e a partir de 2024, temos previsão de lançar dez novas moléculas em fase clínica de desenvolvimento em estudos oncológicos. Nosso objetivo é posicionar o Brasil como protagonista em pesquisas clínicas nessa área. Estaremos envolvidos em todos os estudos pivotais da organização, buscando mudar alguns estigmas associados à participação brasileira, que algumas vezes é vista como um país ‘reserva’ quando o recrutamento global de pacientes não vai bem. Nossa intenção é construir uma nova história, com o Brasil desempenhando um papel fundamental desde o início do planejamento dos programas clínicos, com desenhos de estudo que acomodem a nossa realidade local”.
A BeiGene foi fundada em 2010 e possui escritórios administrativos na Suíça, nos Estados Unidos e na China, além de escritórios em 40 países. Alex Carvalho, CEO da BeiGene no Brasil, afirma que a empresa possui um portfólio diversificado de 16 medicamentos aprovados: “Incluindo um para pacientes adultos com linfoma de células do manto (LCM), já aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), bem como sólidas capacidades de pesquisa clínica: existem mais de 110 estudos globais e 20 mil pacientes participantes em mais de 45 países”.
Segundo ele, a empresa, que chegou ao país no início do ano, já está trabalhando em busca de melhorias: “Submetemos à análise da Anvisa uma imunoterapia anti-PD-1 para tratar câncer de pulmão de células não pequenas e câncer de esôfago e estamos buscando aprovação para incluir pacientes brasileiros em 10 ensaios clínicos globais”.
Internalização de processos é alternativa para vencer desafios
Uma das formas de superar os desafios do mercado brasileiro – e de outros ao redor do mundo – é o investimento na internalização de processos nas pesquisas clínicas. “Cerca de 90% dos custos e do tempo de entrega dos medicamentos aos pacientes está relacionados ao desenvolvimento de medicamentos. Por conta disso, uma das soluções é desenvolver os ensaios clínicos principalmente internamente, o que reduz os custos e melhora a velocidade de desenvolvimento de medicamentos, e nós vemos melhores resultados por causa disso”, afirma Carvalho.
Para Lígia Campos, o grande diferencial dessa internalização é o ganho de agilidade, que se reflete também no tempo de aprovações na ponta dos projetos. Com uma estrutura interna, afinal, se tem uma estratégia mais clara e integrada de todas as etapas dos estudos:
“Fazemos desde o feasibility e alocação do estudo, até a seleção dos melhores centros e profissionais, passando pela elaboração dos dossiês que precisam ser entregues aos órgãos regulatórios, obtenção de aprovações, importação de medicamentos e outros suprimentos. Apesar de termos em nosso time uma pequena parcela de funcionários de CROs, toda a gestão dos estudos é realizada internamente pelo grupo de operações clínicas da BeiGene. E temos essa abordagem no mundo todo”.
Por ter essa expertise, a farmacêutica conta também com parcerias estratégicas e programas de capacitação de instituições potenciais. “Se formos para regiões mais remotas, por exemplo, muitas vezes encontramos instituições com oportunidades de desenvolvimento. Nesses casos, sempre discutimos como podemos contribuir para uma infraestrutura aprimorada naquele centro que traga benefícios para nós, ao mesmo tempo em que promova um avanço duradouro na área da saúde e reflita em benefício para os pacientes. Nossa proposta é atuar como facilitadores no processo de estruturação de centros de pesquisa, utilizando estratégias de capacitação adaptadas à realidade local. Dessa forma, estabelecemos uma aproximação entre a instituição e a BeiGene através das parceiras estratégicas. Nosso objetivo é promover melhorias abrangentes para impulsionar as pesquisas clínicas no país como um todo, garantindo que esses centros estejam equipados e funcionais. Ao fazer isso, estamos criando condições para um impacto positivo e duradouro”, diz Campos.
Diversidade nos ensaios clínicos
Uma das grandes contribuições que o Brasil pode oferecer em pesquisas clínicas é sua natural variedade étnica. O país, que tem dimensões continentais e uma população bastante miscigenada, contempla, em seu território, todos os perfis possíveis de pacientes, facilitando a realização de estudos com mais diversidade, tema que tem sido abordado de forma global.
Nos Estados Unidos, por exemplo, dados mostram que 75% dos 32.000 participantes dos ensaios de 53 novos medicamentos aprovados em 2020 pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA eram brancos. No Brasil, por sua, vez, aproximadamente 80% dos estudos autorizados pela Anvisa se concentram nas regiões Sudeste e Sul – onde estão 56% e 31% dos centros de pesquisa clínica, respectivamente.
O ideal, porém, é que os ensaios clínicos incluam pessoas com uma variedade de experiências vividas e condições de vida, bem como características como raça e etnia, idade, sexo e orientação sexual, para que todas as comunidades possam se beneficiar dos avanços científicos.
“Novos medicamentos e tratamentos precisam ser testados em diferentes populações. Só assim temos a comprovação de que podem ser realmente liberados para todos e que não beneficiem apenas uma parcela das pessoas. A diversidade do Brasil certamente pode agregar nesse sentido. Nós temos o potencial de estar à frente de cada vez mais estudos, contribuir com estudos globais e participar mais desse cenário e, claro, chegar ao protagonismo nesse setor”, ressalta o diretor do A.C.Camargo Cancer Center.
Na visão de Lígia Campos, a diversidade nos ensaios entra em outras questões também importantes dos tratamentos complexos, como a equidade e o acesso. “Ao dar prioridade para a diversidade, precisamos assegurar que a população de pacientes seja realmente representativa e, para isso, é preciso contar com a expertise de líderes regionais e estabelecer conexões que garantam a entrada de pacientes plurais no estudo. O próprio Sistema Único de Saúde (SUS) é diferente ao longo do país e, sabendo disso, chegamos a mais lugares e falamos com mais pessoas. A pesquisa clínica acaba sendo a porta de entrada para pacientes que não teriam oportunidades de acesso a tratamentos de ponta”.
Apesar dos desafios, futuro é promissor
Com todos os desafios e potenciais, Alex Carvalho vê com otimismo o futuro dos estudos clínicos brasileiros: “A verdade é que estamos acostumados a criticar o Brasil, mas o país conta com laboratórios públicos de muita qualidade, com um sistema de saúde potente e com agências, como a Anvisa, que têm uma reputação muito positiva globalmente. Vejo com otimismo o esforço em pesquisa que a indústria vem fazendo para buscar soluções para o câncer, com promessas de inovação e de melhoria de qualidade de vida e até cura para os pacientes. Talvez as evoluções não estejam vindo com a velocidade que gostaríamos, mas elas estão aí”.
A BeiGene já planeja expandir os negócios pela América Latina, mas, antes, o foco é dar mais relevância para o Brasil no cenário de pesquisas clínicas mundiais, como reforça Campos:
“Estamos chegando não só para vender remédio ou disputar o mercado oncológico, mas apostando no desenvolvimento e expertise dos nossos profissionais de saúde locais. Vejo com ambição a missão de subir o ranking de participação brasileira na presença global de estudos. Queremos resolver os problemas vigentes, capacitar e dar incentivo. Todo mundo vai ganhar com isso, principalmente os pacientes”.
Para Schmidt Filho, essa é, certamente, uma boa notícia. “Sempre teremos necessidades não atendidas e tratamentos que podem ser melhorados, então sempre teremos espaço para pesquisas clínicas, principalmente quando o assunto é o tratamento de doenças complexas. Não há dúvidas de que carecem estudos e investimentos em pesquisas no Brasil. Saber que empresas multinacionais estão de olho no país, querendo incluir o Brasil no circuito de estudos multicêntricos é bastante positivo, sem contar que dá visibilidade, o mundo passa a olhar para o que estamos fazendo”.
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