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Déficit de enfermeiros preocupa o mundo. No Brasil, o gargalo é a formação qualificada

Muitos países enfrentam déficit de enfermeiros e estão recorrendo à importação de profissionais brasileiros. No Brasil, um dos desafios é garantir uma formação de qualidade para atender à demanda

Por Futuro da Saúde

A escassez de profissionais de enfermagem é uma preocupação global. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem cerca de 28 milhões de enfermeiros no mundo, porém há um déficit global de 6 milhões de enfermeiros, que deve crescer ao longo dos próximos anos. Em diversos países, há uma crescente saída de enfermeiros da profissão. Por isso, nações como Canadá, Alemanha e Portugal têm buscado atrair profissionais de enfermagem do Brasil para suprir suas necessidades. Diante dessa carência, surgem, inclusive, iniciativas de implementação de robôs em algumas instituições de saúde.

Mas qual é o cenário da enfermagem no Brasil e os seus desafios? Embora o Brasil não enfrente uma escassez imediata de profissionais, o principal obstáculo é a qualidade da formação. Com a expansão do Ensino a Distância (EAD), são cerca de 1.600 cursos de graduação em enfermagem, o que também representa um desafio na fiscalização da qualidade do ensino, como explica Daniel Menezes de Souza, vice-presidente do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen):

“Por enquanto, essa realidade de escassez ainda não se aplica ao Brasil. No entanto, se não tomarmos os cuidados necessários, essa pode ser uma situação que em breve se desenhará em nosso país”. Daniel se refere à baixa qualidade de ensino, o que faz com que muitos desses profissionais não continuem atuando na área.

Ana Lygia Pires Melaragno, presidente da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), lembra que durante a pandemia os enfermeiros foram reconhecidos, mas a valorização desses profissionais foi rapidamente esquecida: “A população precisa conhecer os impactos para a saúde da existência de um número insuficiente de enfermeiros ou da sua formação precarizada”, diz.

Baixa qualidade de ensino

O avanço do EAD na profissão é uma das preocupações para a qualidade da profissão. E, mesmo nos cursos presenciais, a fiscalização do MEC é limitada e, de modo geral, as avaliações de desempenho tendem a ter notas baixas. 

“Com o aumento do Ensino a Distância e investimentos de instituições estrangeiras, surgem muitas faculdades pelo país. Isso pode levar à precarização da formação, podendo causar escassez futura. Um profissional bem treinado atende às demandas eficientemente, enquanto um mal preparado enfrentará desafios em sua atuação.”, diz Menezes.

Para Maria Helena Palucci Marziale, Professora Titular da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, no caso do ensino à distância, “o argumento é facilitar o acesso e, por conseguinte, garantir a democratização do ensino superior”. Porém, para a professora, o ensino presencial e a prática clínica são essenciais para o desenvolvimento de competências e habilidades dos enfermeiros(as) e que muitos cursos EAD não possibilitam esse desenvolvimento.

A capacitação é mais um ponto defendido por Martha Oliveira, CEO do Grupo Laços. Com o envelhecimento da população e o aumento de doenças crônicas, certamente serão necessários mais enfermeiros no futuro: “Precisamos muito de capacitação e o perfil de formação no Brasil, em média, não consegue ser comparado ao de profissionais externos”. Segundo ela, um desafio inicial é aproveitar a massa de profissionais existentes e capacitá-los para terem maior autonomia e atuar em diversas áreas: “Temos muitas possibilidades no Brasil que ainda não conseguimos unir”, reflete.

Os especialistas também defendem a educação continuada para aqueles que já são graduados, proporcionando um diferencial teórico, o que também auxilia os técnicos e auxiliares.

Importação de enfermeiros brasileiros e baixa valorização profissional

No país, em 2023, segundo dados do Cofen, estavam registrados 2.801.023 profissionais de enfermagem, sendo destes 690.917 (25%) enfermeiros(as).

Realidade distinta em outros países como Canadá, Alemanha e Portugal que estão ‘importando’ enfermeiros brasileiros. É o caso de hospitais nos Estados Unidos que procuram no exterior contratar profissionais de saúde. Mas quando vão recrutá-los, inclusive brasileiros, a escolha é pelos formados e bem qualificados em instituições renomadas, alerta Martha Oliveira: “quando eles vêm recrutar aqui, focam em escolas específicas e não recrutam aleatoriamente”, ressalta.

No Brasil, o processo de migração de enfermeiros já acontece há alguns anos e a tendência é de aumento diante da oferta de emprego oriunda da redução destes profissionais nestes países.  

Os enfermeiros buscam individualmente as oportunidades ou convênios que são feitos com instituições de ensino. A exemplo do contrato estabelecido em 2022 entre o governo alemão, por meio de sua agência federal de empregos, e o Conselho Federal de Enfermagem para a contratação de profissionais brasileiros. O governo alemão planeja selecionar 700 enfermeiros brasileiros por ano, segundo o Cofen. Cerca de 200 enfermeiros(as) já trabalham na Alemanha por meio deste acordo e outros 374 estão finalizando o curso de alemão para migrarem.

Maria Helena Palucci Marziale lembra que os enfermeiros aqui no Brasil encontram ofertas de empregos em mercado de trabalho, em constante evolução, mas que ainda não são valorizados pelos empregadores e lideranças nacionais. Além disso, para ela, a remuneração é incompatível com as responsabilidades que assumem e o desgaste pelo exercício de suas funções:

“Salários baixos, alta carga de trabalho e oferta de empregos no exterior podem alterar o perfil da enfermagem no Brasil. Estratégias em formação, mercado de trabalho e políticas de retenção são essenciais, especialmente no SUS, que emprega quase 70% dos enfermeiros.”

Ainda, segundo Maria Helena, o processo migratório é um alerta para os empregadores brasileiros quanto à necessidade de ofertas de melhores salários e condições de trabalho. 

Fora a migração de enfermeiros para fora do país, outros estão desistindo da profissão, contextualiza Daniel Menezes de Souza: “Muitos optam por áreas menos estressantes do que a saúde. Há relatos de colegas que estão deixando a profissão, percebendo que estão adoecendo devido às más condições de trabalho e remuneração”, conta.

Além disso, diversos estudos indicam que a pandemia, juntamente com outros fatores, causou problemas de saúde mental e estresse psicológico em uma grande parcela de enfermeiros ao redor do mundo.

Tecnologia é aliada?

Há quem confie nos processos tecnológicos para automatizar ações e suprir demandas específicas, diminuindo a carga dos profissionais da saúde. Com a saída de profissionais do mercado de saúde e a crescente dificuldade em preencher essas vagas, em algumas regiões do mundo, os robôs estão assumindo certas funções. Já é comum encontrar robôs em hospitais entregando medicamentos e até fazendo companhia a pacientes idosos. No Centro Médico Memorial Elmhurst, em Chicago, por exemplo, dois robôs chamados Moxi foram incorporados à equipe para entrega de remédios e suprimentos. Esses robôs operam 24 horas por dia, sete dias por semana, precisando de apenas breves pausas para recarga. Para realizar as mesmas tarefas que esses dois robôs realizam, seriam necessários seis profissionais humanos.

Outro exemplo vem do Japão, onde um robô alimentado por Inteligência Artificial faz companhia a pacientes com demência. Um prestador de cuidados de enfermagem japonês utiliza essa IA para ajudar a aliviar a ansiedade e outros sintomas em pacientes com demência. O robô, em forma de menino, interage e conversa com os pacientes, especialmente quando os funcionários humanos estão demasiado ocupados. 

Para Martha Oliveira, a tecnologia é uma grande aliada nesse sentido para auxiliar os profissionais de saúde em suas atividades. Mas ressalta que não basta apenas disponibilizar a tecnologia, é necessário capacitar os profissionais para sua utilização e integrá-la ao dia a dia: “Hoje, o enfermeiro é um introdutor digital, mas é crucial capacitá-lo para usar a tecnologia eficazmente no cuidado ao paciente. Todos os profissionais de saúde devem estar familiarizados e confortáveis com a tecnologia, caso contrário, podem se distanciar da inovação”.

Foto: Reprodução

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