Especialista revela os sinais de que a criança não está desenvolvendo a fala como deveria – e aponta possíveis problemas por trás disso
Por Dra Elisabete Giusti*
O bebê começa a se comunicar com os pais desde os primeiros dias de vida. Embora não fale, ele chora, dispara olhares ou gritinhos, sorri… Até que, por volta de 1 ano de idade, as tão esperadas primeiras palavras aparecem.
Que pai não se enche de alegria ao ouvir aquele “mamá” ou “papá”?! É partir das primeiras palavras que o desenvolvimento da fala ganha amplitude. Mais emissões vão surgindo, suas combinações ficam cada vez mais frequentes e novos sons continuam aparecendo até que, lá pelos 2 anos, as pequenas frases são produzidas.
Mas e quando isso não ocorre? Será que realmente a fala irá surgir com o tempo? Será que a criança, ao frequentar a pré-escola, vai mesmo vencer essa barreira?
Para uma parte dos pequenos, sim: variações ocorrem naturalmente. Mas é preciso ficar atento, porque não atingir os marcos esperados do desenvolvimento da fala pode indicar alguma encrenca.
Dentre as possíveis causas desse atraso no desenvolvimento da fala, estão a dificuldade de audição ou falta de estímulos adequados – e aqui estão incluídas as crianças que ficam muito tempo ligadas nos eletrônicos. O quadro também está associado a limitações cognitivas e autismo. Ainda, pode ser um indicador de transtorno no desenvolvimento da linguagem, conhecido por distúrbio específico de linguagem (DEL).
E pode ser que a criança não esteja conseguindo planejar e/ou programar adequadamente os movimentos para a produção da fala. Vamos dar um passo atrás: uma criança precisa de coordenação motora para sincronizar a movimentação de diversas estruturas (boca, língua, pregas vocais…) e, assim, emitir uma frase. É um processo altamente complexo e refinado.
Acontece que, às vezes, isso é particularmente difícil ao pequeno: trata-se de uma condição chamada de apraxia de fala. Mas o que é isso?
Segundo a Associação Americana de Fonoaudiologia (ASHA), a apraxia de fala na infância é um distúrbio neurológico motor que afeta a produção dos sons da fala, resultante de um déficit na capacidade em planejar e/ou programar a sequência de movimentos articulatórios, o que resulta em erros de produção de fala e alteração de prosódia. Por motivos ainda desconhecidos, sabemos que regiões do cérebro não enviam adequadamente os comandos para os músculos movimentarem os articuladores, como mandíbula, lábios, língua, véu palatino (céu da boca) etc.
O diagnóstico é clínico e deve ser realizado por um fonoaudiólogo com conhecimento sobre o assunto. Até pouco tempo atrás, ele era incomum aqui no Brasil, mas, graças ao trabalho da Associação Brasileira de Apraxia de Fala de conscientizar e formar profissionais para atuarem nesta área, essa realidade felizmente vem mudando.
A dificuldade no planejamento motor presente nos quadros de apraxia pode se manifestar especificamente na produção da fala, ou afetar mais áreas do desenvolvimento, como coordenação motora fina e até mesmo as habilidades mais amplas, como andar. Sim, várias dessas crianças são descritas como desajeitadas e estabanadas.
Em relação à fala, a criança com apraxia tem a intenção de se comunicar, mas os pais percebem que o ato em si é difícil para ela. São crianças que compreendem bem, mas que, por exemplo, comunicam-se apenas com as vogais (não conseguem produzir as consoantes: por exemplo: “aião” para avião). Ou falam sílabas isoladas (podem, por exemplo, emitir a sílaba “pa” na palavra “papai”, porém essa sílaba não é utilizada em outras palavras).
Outra característica observada é a presença de alteração prosódica: os pequenos parecem ter um sotaque ou uma fala truncada, muito acelerada ou lentificada, com pausas inadequadas. Tudo isso faz com que os próprios pais sofram para compreendê-las.
Crianças com apraxia também podem ter dificuldades sensoriais. Elas às vezes se incomodam com etiquetas das roupas, ou em lavar o cabelo, segurar massinhas, pisar na areia e por aí vai. Algumas choram para escovar os dentes e se recusam a comer alimentos com certas consistências ou texturas. Nesses casos, o acompanhamento com uma terapeuta ocupacional especializada em integração sensorial é importante.
A apraxia pode estar presente em outros quadros. Entre eles: transtorno do espectro autista, síndrome de Down, síndrome do X-Frágil…
Existem diferentes graus de severidade, desde casos mais leves (com plena reabilitação), até os mais severos, onde as dificuldades poderão persistir na idade adulta. Como em outras condições, o diagnóstico precoce e o tratamento planejado e direcionado certamente ajuda a criança a progredir nas suas habilidades de fala e comunicação. O apoio da família e o da escola é essencial.
Na dúvida, a recomendação é sempre procurar um fonoaudiólogo com experiência na área de linguagem infantil para uma avaliação. O ato de “o esperar pela fala” pode significar uma perda de tempo precioso de intervenção. Para saber mais sobre o assunto, acesse www.apraxiabrasil.org.
*Dra. Elisabete Giusti é fonoaudióloga infantil especializada em Transtornos Específicos do desenvolvimento da fala e da linguagem pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Doutora em Linguística. www.atrasonafala.com.br
Foto: Eduardo Svezia/SAÚDE é Vital