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Por que os casos de malária cresceram 50% no Brasil após 6 anos de queda

Apenas 25 municípios na Amazônia concentram 9 de cada 10 casos extras da doença registrados em 2017; primeiro da lista teve um aumento de 5160% em apenas um ano

Por Amanda Rossi, BBC

Equipado com microscópios e medicamentos, um barco deixa a área urbana de Bagre, no Pará, rumo aos povoados da cidade localizados no meio da floresta amazônica – o mais distante deles, a 18 horas de viagem. O objetivo da viagem é combater a malária, que voltou a crescer. De um ano para outro, o número de casos no município subiu impressionantes 5160% – de 129, em 2016, para 6789, em 2017.

Na viagem, a embarcação margeia a floresta praticamente intocada. Ao chegar a comunidades ribeirinhas, os agentes de saúde desembarcam e vão de encontro à população. Se observam casos suspeitos de malária, fazem um pequeno furo no dedo do paciente para coletar sangue. Em seguida, levam o material para os microscopistas que aguardam no barco. Em cerca de 20 minutos, sai o diagnóstico.

“Em uma dessas travessias até o povoado mais distante, em março, paramos em cerca de 30 comunidades, ao longo de 10 dias. Coletamos em torno de 700 lâminas, 50 deram positivo”, diz José Pinheiro Maia, diretor de endemias de Bagre. Para ter uma ideia, a cidade paulista de Campinas, que foi a mais afetada das regiões Sul-Sudeste, registrou 14 casos ao longo de todo o ano passado. A maioria dos casos ocorre na zona rural, em áreas próximas da floresta.

Bagre é um dos casos mais agudos de um fenômeno que atinge todo o Brasil, particularmente a Amazônia. Em 2017, o número de casos de malária subiu 50% no país, chegando a 194 mil ocorrências. O crescimento ocorreu depois de seis anos de queda – em 2016, o Brasil registrou o menor número de casos em 37 anos, o que foi visto como um grande sucesso no combate à malária.

Mas em maio do ano passado o cenário mudou: a malária voltou a crescer. O pico do aumento ocorreu em setembro, quando o número de casos dobrou em relação ao mesmo mês do ano anterior. Este ano, a alta continua. Em fevereiro, o último mês com dados disponíveis, o aumento era de 48% em comparação com um ano antes.

A malária é uma doença febril, transmitida pela picada de um mosquito infectado pelo Plasmodium, um parasita. No Brasil, a principal forma da doença é a vivax, mais branda, que oferece pouco risco de morte, ao contrário da forma mais comum nos países africanos. Por aqui, 99% dos casos são registrados na Amazônia.

Os maiores aumentos ocorreram no Pará (153%), Amazonas (65%) e Roraima (56%). Embora grande parte do território desses Estados apresente casos de malária, a situação é grave mesmo em um número muito pequeno de cidades. Apenas 25 municípios concentram 9 de cada 10 casos extras da doença registrados no ano passado. Bagre está no topo da lista, com 6,6 mil casos a mais.

Maia, o diretor de endemias de Bagre, pegou malária duas vezes nos últimos seis meses. Antes disso, o paraense de 60 anos só tinha contraído a doença uma vez na vida, há muitos anos. Em dezembro, ele ficou doente após uma visita ao filho que vive na zona rural de Bagre – esse filho, a nora e os cinco netos também pegaram malária. Em março, adoeceu novamente, após uma das viagens de barco para combater o surto da doença.

Mas o que fez Bagre e a Amazônia brasileira passarem de um cenário de queda contínua para uma alta tão grande? “Essa é uma pergunta um pouco complicada”, resume Marcus Lacerda, médico infectologista da Fundação de Medicina Tropical, sediada em Manaus. A BBC Brasil entrevistou cinco especialistas brasileiros em malária para tentar entender o que está por trás do surto.

Fragilidades do programa de combate à malária
Não há uma explicação definitiva, apenas hipóteses. Uma delas, é que a malária está aumentando no mundo todo, não só no Brasil, por algum motivo ainda desconhecido. Em 2016, os casos de malária subiram 2% nos 91 países analisados pela Organização Mundial de Saúde. Ainda não há dados de 2017.

A principal hipótese apresentada pelos especialistas, contudo, está dentro dos limites e do controle nacionais: a perda da importância da malária em todos os níveis da administração pública – federal, estadual e municipal. Como a doença vinha caindo havia seis anos, parecia estar sob controle. Isso teria feito o poder público baixar a guarda.

Além disso, enquanto a malária caía, o Brasil foi assolado por surtos de doenças infecciosas típicos de zonas urbanas, como dengue, zika e chikungunya, que mobilizaram a opinião pública. O foco, então, teria mudado.

“A perda de prioridade política da malária gera perda de recursos humanos e materiais, e diminuiu a capacidade de controle da doença. Mas, no caso da malária, não basta diminuir a incidência. Se afrouxar as medidas de controle antes de eliminar a doença, a malária volta”, continua Tauil.

Para entender o que Tauil quer dizer com isso, é preciso conhecer como funciona o ciclo da malária. O parasita Plasmodium tem dois hospedeiros: o ser humano e o mosquito Anopheles. A doença é transmitida quando a fêmea do mosquito infectado pica uma pessoa. E como o mosquito fica infectado? Quando pica uma pessoa com malária, em um determinado momento da doença.

Ou seja, o ciclo é do mosquito para a pessoa e da pessoa para o mosquito. Mas, quando o doente recebe tratamento, deixa de infectar o mosquito. Aí, o ciclo para.

“Por isso, só há aumento de casos de malária quando há falha na identificação do indivíduo infectado. Nesse caso, ele continua sendo uma fonte de infecção para o mosquito”, explica Jessé Reis Alves, infectologista do Instituto Emílio Ribas, de São Paulo.

“A gente acredita que o aumento esteja relacionado à fragilidade de medidas de controle”, opina Tânia Chaves, do Instituto Evandro Chagas, do Pará. Reis Alves concorda que a malária pode ter aumentado porque o controle diminuiu e avalia que isso ocorreu porque “muitas das ações que vinham sendo feitas de forma coordenada acabaram sendo desmontadas”.

A BBC Brasil ouviu críticas unânimes à fusão dos departamentos de malária com os de dengue, zika e chikungunya no Ministério da Saúde, ocorrida em novembro de 2016, vista por especialistas como sinal da perda de importância da malária no âmbito federal. A pasta nega que a mudança tenha resultado em qualquer prejuízo. Por outro lado, não tem um diagnóstico do que provocou o aumento da doença.

Especialistas também apontam fragilidades nas políticas municipais. “As pessoas praticamente não morrem mais por malária no Brasil. Então, (a doença) deixa de ser prioridade para as prefeituras. Elas deixam de investir em pessoal e equipamento. Naturalmente, o programa de controle vai entrando em uma fadiga”, afirma Marcus Lacerda, da Fundação de Medicina Tropical.

“As ações essenciais de conrole de malária cabem aos municípios. Mas isso é uma carga enorme para eles, que têm uma grande dependência do Ministério da Saúde, do ponto de vista técnico, logístico e financeiro”, afirma Marcelo Urbano Ferreira, médico especialista em parasitologia, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.

É o Ministério da Saúde que estabelece as diretrizes do combate à malária e distribui medicamentos e inseticidas. Também pode oferecer recursos extras em caso de crise. Para a região de Bagre, por exemplo, a pasta prometeu o envio de ajuda, segundo o secretário de saúde de Oeiras do Pará, cidade vizinha, que teve o segundo maior aumento absoluto de casos do país. O dinheiro, que seria usado para pagar combustível dos barcos e equipamentos para fazer os testes, ainda não chegou.

“Uma viagem dessa que a gente faz para essa comunidade mais distante de Bagre chega a custar R$ 7 mil. É muito caro para o município, a nossa renda não é tanto”, diz José Maia, o responsável pelo combate à malária no local.

Foto: Divulgação/Secretária de Saúde do Acre