Contato com a fumaça do cigarro na infância aumenta o risco de surgimento de fibrilação atrial na vida adulta, mostra estudo americano com dados de 5,1 mil pessoas. A doença é caracteriza por irregularidades no ritmo dos batimentos do coração
Por Correio Braziliense
Filhos de pais que fumam têm risco significativamente maior de desenvolver fibrilação atrial quando adultos, de acordo com um estudo publicado no Journal of the American College of Cardiology. Os resultados destacam uma nova associação entre a exposição passiva ao fumo e a chance aumentada de sofrer esse distúrbio do ritmo cardíaco.
As estimativas internacionais apontam que a fibrilação atrial (AFib), o distúrbio do ritmo cardíaco mais comum, afeta 2% da população ocidental. O tabagismo continua a ser um dos principais fatores de risco modificáveis para doenças cardiovasculares, incluindo a Afib. Acredita-se que 7% de todos os casos sejam atribuídos ao cigarro.
Usando dados do Framingham Heart Study original e do Framingham Heart Offspring Studies, dois estudos epidemiológicos de longo prazo que acompanharam a saúde cardiológica de norte-americanos, os pesquisadores analisaram um total de 5.124 pessoas, todas eram descendentes dos participantes originais dos levantamentos e tinham menos de 18 anos entre 1971 e 2014. Os pais foram avaliados por um médico a cada dois a quatro anos, e as crianças a cada quatro a oito anos.
O tabagismo foi definido, em ambos os estudos, como participantes que fumavam mais de um cigarro diariamente durante o ano anterior ao estudo. O status de fumante foi calculado em termos de maços por dia, onde um maço de cigarros representava 20 cigarros e meio maço, 10. A exposição ao fumo passivo foi definida como a presença de um dos pais fumando um ou mais maços por dia.
Por maços
O diagnóstico de Afib foi concluído por meio de uma avaliação dos resultados de prontuários, eletrocardiogramas e monitores de Holter. Havia informações disponíveis sobre o status de fumante dos pais para um total de 2.816 (55%) das crianças estudadas. A exposição ao fumo passivo foi vivenciada por 82% delas, e o status de fumante dos pais foi de 10 cigarros por dia.
Entre a coorte de descendentes (os filhos dos participantes fumantes), 14,3% desenvolveram AFib durante um período de acompanhamento de 40,5 anos. Para cada maço por dia a mais que os pais fumavam, as crianças tiveram um aumento de 18% na incidência da doença cardiovascular.
“Nossas observações fornecem novas informações pertinentes à cessação do tabagismo, destacando os danos que podem estar associados não apenas a outras pessoas, mas a membros próximos e mais vulneráveis da família”, disse Gregory Groh, professor da Divisão de Cardiologia da Universidade da Califórnia, em San Francisco, e um dos principais autores do estudo. “Com a crescente prevalência de AFib, é imprescindível abordar fatores de risco modificáveis, como o tabagismo, para reduzir a carga global da condição.”
Propensão a fumar
Os pesquisadores também descobriram que 17% dos filhos de pais tabagistas eram mais propensos a fumar, sugerindo outra maneira de o hábito paterno e/ou materno predispor as crianças ao AFib a longo prazo. Pesquisas anteriores mostraram que um dos pais fumantes aumenta a probabilidade de uma criança fumar mais tarde na vida. A cessação do tabagismo pelos familiares pode levar a uma menor incidência do hábito nos filhos.
“Os resultados desse estudo indicam que a exposição ao fumo passivo na infância é um fator de risco para o desenvolvimento de AFib”, disse Alanna M. Chamberlain, epidemiologista do Departamento de Pesquisa em Ciências da Saúde da Clínica Mayo, em um comentário editorial que o acompanha. “Esse estudo foi realizado com uma metodologia rigorosa para determinar diagnósticos de AFib na prole de fumantes, como avaliações repetidas com ECGs (eletrocardiogramas) e vigilância de rotina para resultados cardiovasculares”, destacou.
Os pesquisadores, contudo, destacam que o estudo também tem limitações, incluindo a falta de dados disponíveis para o status de fumante dos pais em quase 45% dos participantes da prole, bem como variações na exposição em relação a filhos de pais separados, divorciados ou solteiros. A composição demográfica do Framingham Heart Study é uma coorte predominantemente branca que vive em uma área geográfica específica, o que também restringe os resultados. No entanto, os pesquisadores enfatizaram a importância de esforços contínuos para a cessação do tabagismo e a prevenção do início desse hábito.
Para saber mais
Ameaça também alimentar
Relatório divulgado, nesta semana, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) alerta para outro problema na infância que pode comprometer a saúde ao longo da vida. Uma a cada três crianças com menos de 5 anos no mundo está desnutrida ou sofre de sobrepeso, indica o documento. Isso equivale a pelo menos 227 milhões de crianças afetadas por esses problemas alimentares.
O relatório, o maior sobre o assunto nos últimos 20 anos, mostra ainda que 340 milhões de crianças sofrem de carências alimentares. De acordo com os autores, a globalização dos hábitos alimentares, a persistência da pobreza e a mudança climática estão fazendo com que um número crescente de países acumule essa “tripla carga”: desnutrição, sobrepeso e carência de nutrientes.
“Muitos países na América Latina, no leste da Ásia e do Pacífico acreditavam ter relegado a desnutrição ao passado, mas, agora, descobriram que têm um problema novo muito importante”, disse à agência Fraace-Presse (AFP) de Notícias Victor Aguayo, chefe do programa de nutrição da Unicef. Aguayo citou como exemplo o México, em que “ainda há uma grande proporção de crianças desnutridas e, ao mesmo tempo, uma grande pandemia de sobrepeso e obesidade infantil, considerada uma emergência nacional pelo governo.”
A desnutrição segue sendo o principal problema: afeta as crianças quatro vezes mais que o sobrepeso. O número de crianças que não recebem comida suficiente para as suas necessidades nutricionais retrocedeu 40% entre 1990 e 2005, mas prevalece como um grande problema em muitos países, especialmente na África Subsaariana e no sul da Ásia, segundo o relatório.
Foto: Radu Sigheti/Reuters – 19/8/10