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Coronavírus: o que apontam os estudos com cloroquina e outros possíveis remédios

Fármacos já aprovados e utilizados para outras doenças seriam a melhor aposta, mas sua eficácia e segurança ainda não foi comprovada cientificamente; uso de plasma e até de sangue de verme marinho também está sendo estudado

 

Por BBC

 

A cloroquina, recomendada como tratamento já na fase inicial da Covid-19 pelo presidente Jair Bolsonaro na quarta-feira, durante pronunciamento em cadeia nacional, é apenas um dos remédios e substâncias estudados por várias frentes da comunidade científica em busca de soluções na luta contra a pandemia do novo coronavírus.

A cloroquina, ou hidroxicloroquina, aliás, é um dos fármacos já aprovados e utilizados para outras doenças que são vistos como alternativas imediatas na luta contra o coronavírus porque já passaram as inúmeras etapas de avaliação necessárias para lançar um remédio no mercado, como testes em animais, por exemplo.

Mas não há evidências conclusivas sobre a eficácia destas drogas contra o vírus, nem sobre a segurança de seu uso em pacientes da nova doença. Por isso, é um dos objetos de vários estudos em andamento.

Grande parte desses estudos clínicos é feita diretamente com pacientes infectados. Alguns são realizados in vitro.

O combate contra o novo coronavírus inclui ainda testes com plasma sanguíneo, células do cordão umbilical e até mesmo sangue de vermes marinhos.

 

Veja os principais estudos realizados atualmente:

1. Cloroquina/Hidroxicloroquina

A utilização desses dois remédios com o mesmo componente básico – a cloroquina – suscitou debates em vários países, como a França e o Brasil. Até o momento, não há comprovação científica da eficácia desses medicamentos, mas houve casos de pessoas que se curaram após usarem o remédio.

A cloroquina é usada no tratamento da malária, da artrite reumatoide e da lúpus, e ganhou projeção mundial como possível solução nessa crise após a publicação de um estudo na França em meados de março, realizado pelo infectologista Didier Raoult, da Universidade de Medicina de Marselha.

Os resultados levaram líderes mundiais como o presidente americano, Donald Trump, e o brasileiro, Jair Bolsonaro, a defender com veemência o uso desse medicamento contra a Covid-19.

Após muita pressão, o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, anunciou, na terça-feira, a liberação da cloroquina e da hidroxicloroquina em pacientes com o novo coronavírus. O uso era até então restrito aos casos graves. Os médicos terão, no entanto, de assumir os riscos pela prescrição do remédio na fase inicial da doença. O professor francês autor do controverso estudo defende que o medicamento é mais eficaz no começo da doença.

No final de março, quando havia liberado o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para pacientes com formas graves da Covid-19, o ministério da Saúde alegou o chamado uso compassivo (por compaixão), afirmando que não há alternativa terapêutica para essas pessoas infectadas.

No estudo do professor Raoult, os pacientes contaminados receberam a hidroxicloroquina associada ao antibiótico azitromicina. Os resultados, embora considerados promissores, dividiram a comunidade científica em relação à possível eficácia do medicamento.

Pesquisadores franceses criticaram a metodologia do estudo e também o grupo reduzido de pacientes – apenas 30. Eles alertaram sobre a necessidade de análises mais aprofundadas e sobre os efeitos colaterais do remédio, como arritmia cardíaca.

Na França, o hospital de Nice teve de interromper imediatamente os testes com hidroxicloroquina e azitromicina em uma mulher internada que sofreu complicações cardíacas após a administração dos dois medicamentos. Além disso, a Agência Nacional de Saúde investiga três mortes suspeitas, potencialmente ligadas aos efeitos colaterais da hidroxicloroquina, de doentes que se automedicaram.

Raoult publicou uma segunda pesquisa, no final de março, feita com 80 pacientes e recebeu as mesmas críticas em relação à suposta falta de rigor científico apontada por alguns no protocolo do primeiro estudo, o que impediria a validação das conclusões obtidas.

Segundo Raoult, diretor do Hospital Universitário Méditerranée Infection, de Marselha, o segundo estudo confirma a eficácia da hidroxicloroquina associada ao antibiótico azitromicina: 81% dos doentes puderam deixar o hospital em cinco dias, em média.

A grande polêmica lançada pelo professor Raoult acabou levando à inclusão, de última hora, da hidroxicloroquina no programa europeu de estudos clínicos contra a Covid-19, chamado Discovery.

A França e seis outros países europeus (Reino Unido, Espanha, Alemanha, Luxemburgo, Bélgica e Holanda) vão testar em 3,2 mil pacientes (cerca de 800 na França) a hidroxicloroquina e três antivirais usados contra o HIV e o ebola.

O estudo visa descobrir se algum dos medicamentos testados é capaz de evitar a multiplicação do vírus da doença, o Sars-Cov-2. Os pacientes escolhidos estão em estado grave. Os primeiros resultados, ainda parciais, devem ser anunciados no final de abril, declarou na quarta-feira a infectologista Florence Ader, que pilota os testes franceses do Discovery.

Ela explica que a evolução da doença em um paciente infectado é longa e leva duas semanas. Dessa forma, a análise dos dados de cada paciente do estudo só pode ser efetuada quando ele ultrapassa o 15° dia da contaminação, diz Ader. Como novas pessoas infectadas são acrescentadas regularmente aos testes, é preciso constantemente aguardar esse prazo para coletar os resultados.

Por enquanto, cerca de 530 do total de 800 pacientes participam dos testes do Discovery na França. Ader afirma que para avançar no estudo e poder tirar conclusões sobre a eficácia ou não dos medicamentos analisados é preciso ter um número significativo de pacientes. Por essa razão, não há ainda data prevista para as conclusões finais do estudo.

Os dados coletados nos testes do Discovery serão analisados por laboratórios especializados em estatísticas e serão avaliados por um comitê independente, acrescenta a responsável pelo programa. “É a primeira vez na História que epidemias do tipo pandemias fazem pesquisas em tempo real”, diz Ader, se referindo à mobilização da comunidade científica em meio ao avanço do novo coronavírus no mundo.

Também na França, foi lançado no início de abril outro amplo estudo sobre a hidroxicloroquina, que reúne 1,3 mil pacientes de covid-19 e 33 hospitais do país. Batizado de Hycovid, ele é dirigido pelo hospital universitário de Angers, no sudoeste do país. Os resultados devem ser divulgados nas próximas semanas.

Diferentemente do Discovery, a situação dos pacientes escolhidos no estudo Hycovid é menos severa, embora estejam no grupo de risco, com idade de 75 anos ou mais. Eles não precisam de oxigênio, ainda. A metade receberá um placebo e os outros 650 serão medicados com hidroxicloroquina.

O hospital de Angers informa que o estudo optou por pacientes com casos menos graves porque é nessa situação, na avaliação da equipe médica, que o tratamento com hidroxicloroquina teria mais chances de funcionar.

As autoridades francesas continuam reticentes em relação ao uso da hidroxicloroquina. O ministro francês da Saúde, Olivier Véran, declarou na terça-feira que os dados repassados por hospitais do país que estão administrando a cloroquina e a hidroxicloroquina não revelam resultados significativos, em termos estatísticos, dos dois remédios até o momento.

Na China também foram divulgados alguns estudos sobre a utilização de cloroquina e a hidroxicloroquina em pacientes infectados, o último deles no final de março. Mas pesquisadores internacionais têm mostrado reticências aos protocolos dos testes chineses, feitos com grupos pequenos, além do fato de não ter havido publicação destes em revista científica.

No Brasil, há dois estudos grandes sendo tocados. Um deles é coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e reúne instituições de várias regiões do país. O outro é realizado em parceria pelos hospitais paulistanos Albert Einstein, Sírio-Libanês e o Hospital do Coração (HCor).

Resultados preliminares do estudo feito pela Fiocruz e pela Fundação Medicina Tropical com a cloroquina, divulgados na terça-feira, revelaram que a taxa de mortes de pacientes com covid-19 que receberam o medicamento é semelhante à dos que não o tomaram.

Os testes também mostraram que a dose maior de cloroquina administrada inicialmente nos pacientes provocou reações indesejadas, como arritmia e outras complicações. Eles receberão agora apenas a dose mais baixa prevista. O infectologista Marcos Lacerda, da Fiocruz, prevê que 440 pacientes sejam testados, o que deve levar de dois a três meses para obter conclusões científicas.

Nos Estados Unidos, um vasto estudo com a hidroxicloroquina foi lançado no final de março em Nova York, epicentro da Covid-19 no país, com mais de 4 mil mortos.

2. Antivirais contra HIV, esclerose múltipla e ebola

O programa europeu Discovery realiza dois estudos com antivirais usados por pacientes com HIV. Entre os infectados com o novo coronavírus, um grupo receberá um coquetel de lopinavir e ritonavir e outro terá a mesma mistura associada ao interferon beta, utilizado contra a esclerose múltipla e que atua no sistema imunológico.

O Brasil, segundo o ministro Mandetta, também está realizando ensaios clínicos de tratamentos que combinam o lopinavir e o ritonavir. O Interferon Beta-1-b faz parte da lista.

Um teste realizado com pacientes chineses, publicado no periódico científico The New England Journal of Medicine, revelou, no entanto, que o coquetel lopinavir e ritonavir contra o HIV falhou no combate ao novo coronavírus. Os dois antivirais não melhoraram a situação de pacientes graves tampouco reduziram o número de mortes.

Um estudo realizado in vitro pela Fiocruz com outro medicamento usado no tratamento do HIV, o atazanavir, fabricado em larga escala no Brasil, mostrou resultados promissores, superiores ao da cloroquina. A pesquisa constatou que o atazanavir é capaz de inibir a replicação do novo coronavírus e reduzir a proteção de proteínas que causam a inflamação nos pulmões.

O antiviral remdesivir, desenvolvido pelo laboratório americano Gilead para o tratamento do ebola, está sendo utilizado em ensaios clínicos na Europa (no âmbito do projeto Discovery), nos EUA, na China e também integra estudos no Brasil, segundo o governo.

Os primeiros testes nos EUA com o remdesivir, realizados pela Universidade do Nebraska, começaram no final de fevereiro, inicialmente com passageiros que contraíram o vírus em um navio de cruzeiro bloqueado no Japão. Os resultados são esperados em abril.

3. Plasma

Outra alternativa na mira de pesquisadores é o plasma sanguíneo de pacientes curados, que poderia auxiliar pacientes na fase aguda da doença a lutar contra o vírus. Na França, testes com plasma sanguíneo foram lançados na terça-feira em hospitais franceses de três regiões: Leste, Paris e sua periferia, que são as áreas mais afetadas no país, e a Borgonha.

O objetivo do estudo francês é injetar em 60 pacientes hospitalizados o plasma de cerca de 200 pessoas que se recuperaram da Covid-19 há pelo menos duas semanas. Os resultados preliminares poderão ser divulgados em duas ou três semanas após o início do estudo.

Na China, o estado de saúde de doentes que receberam transfusões de plasma teria melhorado rapidamente, segundo a companhia China National Biotech Group.

Os EUA e o Brasil anunciaram recentemente que farão estudos com plasma. No Brasil ele será realizado pelos hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês, em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Pesquisadores da Bélgica afirmaram ter descoberto, in vitro, um anticorpo do plasma que impediria o vírus de infectar as células.

4. Cordão umbilical

O hospital francês Pitié-Salpêtrière, de Paris, iniciou no domingo testes com células do cordão umbilical. Elas serão injetadas em pacientes em estado grave e que necessitam de respiradores. O objetivo é demonstrar que elas permitiriam controlar a inflamação dos tecidos pulmonares, acelerar sua recuperação e, dessa forma, reduzir a mortalidade.

“O cordão umbilical é coberto de vasos sanguíneos envoltos em um tecido gelatinoso. Ele possui uma grande quantidade de um tipo de células que apresentam propriedades anti-inflamatórias, antifibróticas (que impedem fibroses) e moduladoras da imunidade”, afirma o comunicado da organização que reúne os hospitais de Paris, a AP-HP.

A equipe do estudo informa ainda que essas células já foram usadas em várias patologias onde há fortes inflamações, como doenças autoimunes e complicações com transplantes de medula. Além disso, elas podem ser reproduzidas em laboratório e congeladas (criogenia).

5. Verme marinho

A França também iniciou, nesta semana, um teste clínico que administra em pacientes com covid-19 uma solução à base do sangue de um verme marinho da Bretanha.

A hemoglobina, molécula presente nos glóbulos vermelhos e que transporta o oxigênio, desse verme, o arenicola, consegue transportar 40 vezes mais oxigênio do que a hemoglobina humana.

O sangue do Arenicola poderia ajudar a aliviar dificuldades respiratórias e reduzir as internações em unidades de tratamento intensivo. O estudo é realizado com dez pacientes por um hospital parisiense. A empresa que produz a solução com hemoglobina do verme marinho foi criada por um ex-pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Científica da França.

 

Foto: Sergei Supinsky / AFP

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