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Covid-19: "A pandemia é muito maior e inesperada", alerta clínico geral

Coordenador do Pronto-Socorro do Hospital Santa Lúcia, médico Luciano Lourenço destaca pontos preocupantes em descobertas relacionadas ao novo coronavírus

Por Correio Braziliense

Em um ano após a primeira confirmação de um caso da covid-19 no Brasil, a doença se revelou algo muito mais grave do que uma simples infecção viral. Apesar de terem sintomas característicos de uma gripe, diversos pacientes se queixam, mesmo após a recuperação, de problemas como queda de cabelo, disfunção erétil, além de alterações cognitivas e na coordenação motora. Em entrevista ao programa CB.Saúde — parceria do Correio com a TV Brasília — nessa quinta-feira (25/2), o médico Luciano Lourenço alertou sobre o assunto. Clínico geral e coordenador do Pronto-Socorro do Hospital Santa Lúcia, ele falou à jornalista Carmen Souza sobre novas variantes do coronavírus e a importância da vacina para o combate delas.

Existem pesquisas e depoimentos que mostram complicações curiosas após a infecção pelo novo coronavírus, como perda de paladar, problemas cognitivos e disfunção erétil. Que relatos o senhor tem recebido e percebido?
As infecções virais têm essas características porque os vírus infectam todas as células do nosso organismo. Então, de alguma forma, cérebro, pulmão, coração, rim, intestino, pele, couro cabeludo e todas as nossas células sofrem com a inflamação de um vírus que o organismo não conhece. Consequentemente, surgem esses efeitos mais atípicos. Temos os efeitos típicos, aqueles do momento da contaminação, em que o paciente está desenvolvendo a doença: dor no corpo, dor de cabeça, artralgias (dor nas juntas), mialgias (dores musculares) e, em alguns casos, diarreia e coceira. No entanto, começamos a perceber que, além dos sintomas mais comuns, temos queixas de falta de concentração, de memória, de queda de cabelo e de dificuldade para retomar as atividades físicas. Temos de pensar, também, nas doenças mentais, porque há um aumento muito grande de queixas emocionais, de ansiedade, pânico e depressão. Com mais ou menos um ano da primeira confirmação (de caso da covid-19) no Brasil, começamos a ver que ela (a pandemia) é muito maior e inesperada.

Podemos dizer que os sintomas atípicos são causados por uma ação direta do vírus em algum órgão específico ou que seriam consequências indiretas?
Essa é uma grande questão porque, quando temos momentos como os que vivemos nesses últimos tempos, temos de entender se (os sintomas) vêm, realmente, só do vírus ou se as mudanças bruscas das rotinas sociais, laborais e familiares podem estar contribuindo para isso. A queda de cabelo, a disfunção erétil e a relação com a memória são só por causa do vírus ou têm um somatório das imposições que essa situação (de pandemia) gerou? Se você passa, por exemplo, de um padrão normal, em que você tinha uma vida regrada, para um de ansioso, restrito à residência, aos familiares e sedentário, será que não é esse estilo de vida que está gerando esses sintomas? Ou é apenas uma relação com a covid-19? Ou são os dois juntos? Há muitas perguntas sendo levantadas e muitas pessoas procurando respostas para elas.

Um estudo da Universidade de Quebec, no Canadá, mostrou que algumas pessoas ficam ao menos cinco meses com o paladar comprometido. Esses sintomas estão ligados às funções cerebrais?
O vírus entra em nosso organismo, preferencialmente, pelas vias aéreas superiores (nariz e boca). As células sensoriais, principalmente o bulbo olfatório (estrutura cerebral que permite a captação de aromas), é um dos locais a que o vírus tem acesso muito rápido, pelo padrão de respiração (humana). É um local predominante da primeira instalação do vírus. Por isso que a perda de cheiro chama muito a atenção e pode ser um indicativo da contaminação pelo vírus. Por que o cheiro acaba? Porque (as células cerebrais) inflamam. A anatomia das células do bulbo olfatório muda pela invasão. O vírus é muito inteligente, pois usa a célula de nosso corpo para se multiplicar. Quando entra nas do bulbo olfatório, ele muda um pouco a conformidade dessas células, e elas perdem a capacidade de gerar a informação do estímulo do cheiro para o cérebro. Consequentemente, há perda (da percepção) de cheiro. Isso acontece, também, com o gosto, porque as glândulas (sensoriais) são próximas, e acaba havendo essa inflamação, que atinge os dois (olfato e paladar). Quando a inflamação é mais severa, os sintomas perduram por um período grande.

Também existem estudos que mostram o impacto da doença na saúde sexual masculina, causando, principalmente, disfunção erétil e dor nos testículos. Isso ocorre pela presença do vírus nos órgãos?
Uma inflamação do testículo pode alterar a capacidade do homem produzir testosterona, por exemplo. Como esse hormônio é um dos que estão envolvidos na libido, a inflamação do testículo pode causar disfunção. No entanto, voltamos à pergunta inicial de (o problema) ser (causado) só pelo vírus ou ter a ver com toda a mudança, desgastes emocionais e físicos gerados pelas imposições da pandemia.

Como podemos relacioná-lo com a complicação de casos de diabetes?
A diabetes é uma doença que, quando bem controlada, tem poucos sintomas. Se controlada a longo prazo, ele tem baixos riscos de complicação. Inclusive, pacientes com doenças como hipertensão e diabetes entram no grupo de risco quando elas não estão compensadas. Quando você as tem muito bem controladas e se infecta com o coronavírus, existe um risco maior de descompensar a doença, mas não há uma relação direta de que esses pacientes terão quadro grave.

A imunização é a melhor alternativa para evitar todos esses tipos de complicações?
Podemos dizer que é a única. Não há outra forma. Não existe nenhuma medicação que realmente esteja aceita de forma contundente para tratar a covid-19. Criar soldados (anticorpos) para que estejam à disposição é, sem sombras de dúvidas, a alternativa mais inteligente e real para conseguirmos controlar a doença no mundo inteiro.

Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press