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Piso salarial de enfermagem aguarda sanção presidencial sem definir a fonte de recursos

Impacto orçamentário do piso de enfermagem se torna inviável sem a definição de recursos, defendem hospitais privados

por Futuro da Saúde

A discussão do piso salarial de enfermagem parece estar chegando em um ponto decisivo, mas sem definição da questão mais importante: de onde sairão os recursos para custear os mais de 16 bilhões de reais estimados por ano para os hospitais e serviços de saúde? O projeto de lei (PL) foi encaminhado para sanção presidencial – ou veto – com prazo até 4 de agosto.

O piso salarial de enfermagem indica o salário mínimo para enfermeiros, parteiras, técnicos e auxiliares de enfermagem. A tramitação do tema foi de certa forma conturbada porque envolveu diferentes instrumentos legais: uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) e um PL. Em resumo, a PEC já foi promulgada como Emenda Constitucional 124 em 14 de julho e garantiu que uma lei federal deve instituir o piso. Agora, o PL que aguarda sanção é a tal lei que definirá os valores e outras condições.

No entanto, o debate ainda gira em torno da fonte de recursos. O principal acordo entre deputados e senadores para aprovação do piso era de que as origens do dinheiro para custear o aumento salarial seriam definidas, tanto no setor público quanto no privado. Isso não ocorreu. Com o Congresso Nacional de recesso até 1º de agosto, a discussão sobre a fonte de recursos está travada. Como o prazo para sanção do PL está se aproximando, o presidente Jair Bolsonaro pode acabar vetando o projeto por falta de recursos, ou se aprovado, entrar em um impasse jurídico.

Hospitais privados
A Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) alerta desde antes da aprovação do PL sobre os riscos de sancionar o piso sem definir as fontes de recursos. Após o encaminhamento do projeto para sanção, a entidade voltou a se posicionar sobre o tema, questionando a falta de definição sobre o orçamento.

“Nós fomos surpreendidos pela decisão da Câmara em descumprir o que tinham prometido. A promessa era ao mesmo tempo aprovar o piso de enfermagem – e ninguém é contra a valorização dos profissionais –, e identificar de onde sairão os 16 bilhões de reais para pagar esse projeto”, explica Antônio Britto, diretor-executivo da Anahp.

Segundo a Anahp, a falta de definição pode impactar o funcionamento da saúde suplementar. Britto explica que a grande maioria dos 6400 hospitais privados brasileiros é composta de pequenas unidades, de 30 a 50 leitos, e seriam eles os principais afetados, o que já está provocando um clima de instabilidade e insegurança.

“Isso vai impossibilitar o pagamento. Não adianta aprovar o projeto se não tiver fonte de recursos. Imagine as pequenas Santas Casas e os hospitais filantrópicos? Eles simplesmente não têm como fazer, isso é uma realidade. A despesa com pessoal é a maior despesa de um hospital”, explica o diretor-executivo.

Dados do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) apontam que existem 2,65 milhões de profissionais da área no país. Caso sancionado, o piso salarial de enfermeiros passa a ser de R$ 4.750, o de técnicos de enfermagem de R$ 3.325 e o de auxiliares e parteiras de R$ 2.375, valendo aos hospitais privados e filantrópicos a partir da publicação no Diário Oficial.

O andamento do piso salarial de enfermagem impulsionou outras categorias a buscar seus direitos. De acordo com Britto, somente para profissionais da saúde, existem 53 projetos de lei que estão em tramitação na Câmara dos Deputados.

“Ninguém que tenha o mínimo de bom senso pode se opor a valorização dos profissionais na área da saúde, a pandemia acabou de demonstrar de forma definitiva o valor e a importância desses trabalhadores. O problema não está aí, está na falta de dinheiro do setor de saúde. Se você coloca uma nova despesa, alguém tem que decidir como se paga ela”, explica o diretor-executivo.

Municípios e governo
Diferente do setor privado, a aplicação do piso salarial de enfermagem, caso seja sancionada, só entra em vigor em 2023 no setor público. Isso ocorre porque existe uma lei que obriga o Governo Federal a planejar o orçamento público para o ano seguinte. Apesar de não haver um impedimento jurídico que impeça a sanção da lei, a aplicação dela no SUS depende da definição da fonte de recursos. A estimativa é que custe 5,8 bilhões de reais aos cofres públicos.

“Existe o mandamento constitucional desde 2016, com a aprovação do Teto de Gastos, dizendo que quando a proposição legislativa cria uma despesa, ela deve vir acompanhada da estimativa do impacto financeiro dela. Antes disso, desde a Lei da Responsabilidade Fiscal, já existia a determinação de que a criação da despesa deveria vir acompanhada da fonte do recurso”, explica Levi Veríssimo, advogado associado do escritório VMCA Advogados, Mestre em Direito, Estado e Constituição, e ex-assessor jurídico e legislativo no Senado.

Assim, mesmo que sancionado, o piso salarial de enfermagem pode ser barrado na previsão do orçamento anual. Da mesma forma, esse pode ser um dos argumentos para vetar a lei, já que ainda não há fontes de recursos definidas.

“Como você teria até o final de 2022 para fazer a implementação no setor público, entende-se que teria esse prazo para definir os recursos. Na minha opinião, já deveria vir com a previsão do custeio. Por conta disso, imagino que as instituições vão recorrer no Superior Tribunal Federal (STF)”, afirma Rogério Scarabel, advogado sócio do M3BS Advogados e ex-diretor da ANS.

Piso salarial de enfermagem na constituição
“Uma vez colocado na constituição, ela tem assegurada a aplicação, inclusive no projeto prevê uma correção anual do salário. Dá uma segurança, mas acredito que a constituição não é local para isso”, explica Scarabel. No entanto, além de dar mais garantias à categoria, a PEC do piso de enfermagem surgiu para evitar que outras propostas do tipo não sejam avaliadas como “vício de iniciativa”.

Vício de iniciativa ocorre quando o legislativo toma decisões que caberiam ao executivo ou ao judiciário. No caso do projeto de lei do piso salarial, ele poderia ser questionado ou derrubado sobre o argumento de que o aumento da remuneração de servidores públicos caberia ao Governo, e não ao Congresso.

“Existem alguns constitucionalistas que classificam a nossa constituição como prolixa. Se você comparar com a americana, ela trata de temas muito mais abrangentes do que somente de direitos fundamentais, questões de sistemas de governo, temas que seriam propriamente as bases do sistema constitucional. Pessoalmente, acredito que não era necessário aprovar uma PEC, é um tema de lei ordinário”, explica Veríssimo.

O que pode ocorrer?
“Certamente, essa matéria vai ser colocada em questionamento no STF. Em algumas ocasiões, desde a entrada em vigor da emenda constitucional do Teto de Gastos, já se discute essa questão da necessidade que a proposição legislativa venha acompanhada do impacto orçamentário”, aponta o ex-assessor jurídico e legislativo no Senado.

Dessa forma, tanto estados e municípios, quanto hospitais privados e filantrópicos, podem entrar na justiça para tentar barrar a lei, caso não se tenha a definição dos recursos. Levi aponta que esse é um caminho natural, principalmente pelo alto impacto orçamentário em todos os setores da saúde.

“É um gasto que vai acontecer todo mês, não é propriamente um investimento. Então tem que vir também de uma receita corrente. Já existe uma discussão dentro da Comissão de Orçamento sobre instituição de taxas, regulamentação de jogos de azar, novos impostos sobre veículos automotores de alto valor, revisão da tabela do Imposto de Renda. Há alternativas e terá que ser feito, então é inescapável que tenha que se apontar a origem desses recursos”, elucida Levi.

A proposta mais bem recebida para ser uma das possíveis fonte de recursos é a desoneração na folha de pagamento de empresas do setor de saúde. Entretanto, não resolveria a questão no setor público. Outras propostas devem ser analisadas para encontrar o montante necessário que custeie o piso para o SUS e a saúde suplementar.

Foto: Futuro da Saúde

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