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Aplicativos de saúde avançam e necessidade de regulamentação aumenta para garantir eficácia e segurança

A regulamentação de aplicativos de saúde é apontada como um passo para garantir a eficácia de soluções. Anvisa acompanha o processo

Por Futuro da Saúde

Desde o início da pandemia, a adoção da tecnologia se intensificou, principalmente no segmento de saúde. Uma situação que tem levado à criação de diferentes aplicativos de saúde e startups pelo ecossistema. Um levantamento da consultoria internacional App Annie mostrou que em 2020 o download desses aplicativos cresceu 45% no Brasil. O número é maior do que a média global, que foi de 30%.

Após a aceleração em inovação e digitalização, muitas dessas empresas agora enfrentam a realidade de poder enquadrar os avanços alcançados em um sistema regulatório. Luis Augusto Rohde, professor titular de Psiquiatria e de pós-graduação da UFRGS e USP, afirma que esse é um dos grandes problemas – não só no Brasil – mas internacionalmente: a falta de uma regulamentação adequada.

Afinal, como avaliar a eficácia das tecnologias, já que um estudo publicado em 2020 na JMIR Mhealth Uhealth, revista especializada em tecnologia médica, apontou que apenas 2% dos aplicativos de celulares de manutenção da saúde mental possuem embasamento científico? “Não estamos falando de usabilidade, quantos likes recebeu e notas. Estamos falando se entrega efetivamente o que se propõe”, afirma Rohde.

Outra pesquisa mostra que, em aplicativos da saúde em geral, mais de 90%, não são usados por mais de 10 dias, o que põe em xeque sua usabilidade e eficácia.

“É uma área que houve um boom – a pandemia nos mostrou isso –, então precisamos entregar soluções digitais para as pessoas, pois elas cada vez buscam mais. Temos uma disponibilidade que não configura a situação adequada. O usuário acaba recebendo algo que ele não sabe se vai ter a eficácia”, diz o professor.

A importância da regulamentação de aplicativos de saúde

A regulamentação em aplicativos relacionados à saúde é um aspecto fundamental em alguns países. É o caso dos Estados Unidos, onde o Food and Drug Administration (FDA) publicou um documento de orientação – o Mobile Medical Applications – para informar fabricantes, distribuidores e outras entidades sobre como o órgão aplica suas autoridades reguladoras. Ainda, um relatório recente da GlobalData prevê que o mercado regulamentado de aplicativos médicos chegará a US$ 12,1 bilhões até 2030.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é responsável por criar normas e regulamentos e dar suporte para todas as atividades da área. Segundo o órgão, os primeiros softwares para saúde registrados pela agência datam de 2002. Isso porque lá atrás, a resolução RDC nº 185/2001 passou a contemplar o tratamento regulatório dado aos “produtos médicos” que abrangia os suportes lógicos (softwares), dando continuidade e exigência de regularização de software como dispositivos médicos (Software as a Medical Device -SaMD) no Brasil.

Atualmente há mais de 530 SaMD regularizados junto à agência, inclusive alguns com tecnologia de inteligência artificial (IA). Entre eles, há opções para smartphones para monitoramento de glicose, medição de ECG, softwares para planejamento de radioterapia, cirurgias, processamento de imagens médicas e outras aplicações.

Sobre as futuras regulamentações, a agência afirmou, por meio de nota, que “os softwares médicos destinados ao diagnóstico ou terapia em saúde são passíveis de regularização”.

Nesse sentido, a Anvisa tem uma resolução, a RDC nº 657/2022, desenvolvida para dar um tratamento específico às características únicas de softwares como dispositivos médicos e permitir um tratamento regulatório mais moderno e adequado. Ela também define de forma precisa quais softwares necessitam ser regularizados junto à agência, ou seja, os que são enquadrados como SaMD, e abre permissões de forma a induzir um desenvolvimento mais ativo da inovação neste mercado no Brasil.

Segundo o órgão, “esta resolução é aplicada a todos os SaMD, inclusive aplicativos para plataformas móveis, como smartphones, destinados ao diagnóstico ou terapia em saúde. Também passou por um longo processo de consulta e colaboração social no Brasil, além de participação internacional de forma que a resolução fosse harmonizada com as definições do Fórum Internacional de Reguladores de Dispositivos Médicos (IMDRF – International Medical Device Regulators Forum), que inclui Brasil, Estados Unidos, Canadá, Japão, Comunidade Européia, Austrália, Singapura, Coréia do Sul e China”.

Sendo assim, a RDC nº 751/2022 substituiu a RDC nº 185/2001 e trouxe uma regra específica para enquadramento de SaMD, também harmonizada com as documentações exaradas pelo IMDRF, de forma que um software desenvolvido no Brasil e aprovado junto à Anvisa possa ser regularizado em mercados estrangeiros de forma mais fácil com documentação semelhante à exigida em território nacional.

Em resposta, o órgão ainda informou que “está participando ativamente das principais discussões internacionais junto ao IMDRF relacionadas aos softwares médicos, inteligência artificial, cibersegurança, de forma a se manter atualizada e harmonizada com os desafios e abordagens regulatórias internacionais”.

Aprovações em andamento

Recentemente, quem recebeu uma aprovação de protocolo terapêutico aprovado pela Anvisa foi a Vigilantes do Sono, empresa brasileira de terapia digital. Criada em 2020 e com mais de 60 mil pacientes, ela possui clientes empresariais como Gympass, Abbott e Fleury.

Lucas Baraças, CEO da Vigilantes do Sono, afirma que o aval mostra mais confiança nas pessoas, assim como “nos Estados Unidos ser aprovado pelo FDA é um divisor de águas para adoção do produto pelos principais stakeholders de saúde”.

Para ele, essa parte regulatória ainda está em estágio inicial e são poucas as pessoas que dão o devido valor. Grande parte devido à falta de fiscalização: “Esta fiscalização é muito importante, pois existem muitos aplicativos surgindo com promessas de resultados sem evidência científica alguma (mesmo afirmando ter). O resultado é que muitas destas ‘soluções’ não têm os resultados esperados e a população acaba desacreditando deste formato”, pontua.

Porém, ainda existem alguns desafios dos dois lados, na visão de Lucas Baraças. As empresas deveriam ter uma preocupação maior em validar cientificamente suas soluções, pois com um trabalho mais rigoroso nesta frente, é quase que um pré-requisito para os players do sistema de saúde darem maior relevância.

Por outro lado, existe um desafio grande do lado de órgãos como a Anvisa para fiscalizar e aprovar estes aplicativos. Segundo Baraças, além de não existir grande fiscalização, o processo para aprovação na agência é muito lento e complexo, principalmente para as pequenas empresas: “Eles deveriam encontrar caminhos mais simples para favorecer que as empresas também fossem estimuladas a se adequar à regulamentação”.

Embora reconheça que esses aplicativos têm o potencial de melhorar o acesso e a eficiência dos cuidados médicos, além de capacitar os usuários a monitorar sua própria saúde, Lucas reforça que é importante considerar a necessidade de regulamentação adequada para garantir a qualidade, segurança e inclusive a privacidade dos dados nessas plataformas.

No caso da Vigilante dos Sono, seus resultados já foram apresentados nos maiores congressos de sono do mundo, inclusive no Congresso Mundial de Sono em Roma, além de ser o app de sono mais bem avaliado do mundo, tanto para Android quanto para iPhone.

No Brasil, não faltam exemplos consolidados

O Zenklub, criado em 2016 pelo médico Rui Brandão e o seu sócio José Simões, é um exemplo de tecnologia em saúde consolidada. Começou como marketplace que conectava profissionais de psicologia a pacientes que precisavam fazer sessões de terapia e hoje se tornou referência mundial em terapia online.

A empresa é especialista em soluções para saúde emocional e bem-estar corporativo de brasileiros em 187 países e 1205 cidades, impactando 1,5 milhão de pessoas por mês e mais de 400 empresas, entre elas Ambev, Qualicorp, Tecnisa, Azul, Volkswagen, Espaçolaser, Zé Delivery e Loggi. 

Especificamente, na saúde mental, o cenário é promissor. Um novo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou que cerca de um bilhão de pessoas vive com algum tipo de transtorno mental no mundo. Além disso, outro estudo indica que o Brasil é o país com maior autoconsciência em termos de saúde mental, onde 40% das pessoas acreditam que este éum dos principais problemas de saúde do país. O número de psicólogos brasileiros também é o maior do mundo: 450 mil profissionais, 150 mil a mais do que há cinco anos.

Para dar conta dessa demanda e conseguir fazer um diagnóstico, mensuração e plano de ação personalizado, o Zenklub contou com mais 800 especialistas disponíveis para atendimentos através do IBC, uma ferramenta de mapeamento exclusiva que avalia depressão, ansiedade e humor dos colaboradores, com diferentes recursos (diário emocional, pesquisas e testes com usuários, conteúdos educativos, etc).

“No Zenklub, os dados, entre muitas outras possibilidades, garantem assertividade nesse ‘diagnóstico’ das pessoas atendidas e, como cada uma nos apresenta uma realidade, as soluções não poderiam deixar de ser personalizadas, o que também só é possível garantir por conta da experiência e compromisso dos nossos especialistas”, afirma o CEO, Rui Brandão.

Outro passo importante foi também começar a atuar com as corporações, onde puderam ampliar o potencial de impacto positivo e relevância para o segmento de saúde. E os números expressam esse impacto: o volume de consultas online realizadas pelo Zenklub de 2019 para 2021 teve um crescimento de 1059%, chegando a 603 mil consultas neste último ano. Já o número de vidas cobertas teve um aumento de 1664% se comparado 2019 com 2021 – chegando a 300 mil vidas.

Em relação à regulamentação, o CEO da Zenklub, confia que há uma série de questões de saúde que já podem e poderão ser resolvidas em domicílio ou de forma remota. “Acredito que essa mudança de lógica deve ser o driver do desenvolvimento de novas tecnologias nos próximos anos”, pontua.

Ele também crê cada vez mais na conexão entre a saúde e a tecnologia, além de contar com a inteligência artificial para apoiar na melhora do sistema de saúde: “Esperar soluções que aproximem as empresas que já provaram sua expertise e potencial de geração de impacto positivo para atuar junto com os segmentos de saúde pública e suplementar”.

O desafio: o mundo da inovação e o da academia

Para o pesquisador Luis Augusto Rohde, o desafio, além da regulamentação, é fazer essa ponte entre quem empreende e quem pesquisa. Embora atualmente se fale cada vez mais em saúde digital e que haja uma busca pelos aplicativos de saúde, é preciso trabalhar a longo prazo para conseguir a orientação dos dados de forma assertiva e confiável. Nesse sentido, para o pesquisador, o mundo da inovação e o da academia são diferentes, por isso a importância de conectar essas pontas e poder fazer esses dois mundos, que têm modos funcionantes e referenciais diferentes, se entenderem para chegar a soluções consensuais:

“O mundo da inovação é o das pessoas que buscam imediatismo, colocar o produto diretamente no mercado. Por outro lado, o mundo da academia é lento, quase obsessivo na revisão em detalhe, no processo. Mas a comunicação entre esses dois mundos acaba não acontecendo”.

Nesse aspecto, Rohde acredita que possa haver espaço para ensaios clínicos controlados – como normalmente são realizados na academia para avaliar o uso da medicação -, mas também um diálogo entre as partes. O que propõe são os ensaios pragmáticos que não têm a rigidez, mas que são mais feitos dentro da realidade do cotidiano e que, de alguma forma, avaliam a eficácia.

Um exemplo dessa proposta foi o lançamento em março do Centro Nacional de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM), pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, unidade da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Com investimento de 40 milhões de reais, a iniciativa tem apoio do Banco Industrial do Brasil (BIB) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

O CISM trabalhará em três principais eixos estratégicos. O primeiro é a avaliação de neurociência populacional, ou seja, buscar gerar dados para entender os determinantes dos problemas de saúde mental. Já o segundo pilar busca avaliar a eficácia de tecnologias na prevenção e tratamento de transtornos mentais. E o terceiro é acelerar a implementação de intervenções na saúde pública. Meios e possibilidades para dar conta de um mercado em expansão, crescimento e inovação em um futuro próximo.

Foto: Reprodução/Futuro da Saúde

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