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Participação mais ativa de pacientes em decisões de saúde aumenta segurança, mas demanda mudança cultural de instituições e profissionais

Com pacientes e familiares mais engajados, transformação envolve formação de profissionais, mais diálogo e até mesmo mudança de protocolos

Por Futuro da Saúde

Há algum tempo a palavra colaboração tem permeado as transformações da sociedade. Com mais acesso à informação e à tecnologia, as pessoas buscam cada vez mais ter voz nas decisões em diversos segmentos da vida. Essa também é uma tendência crescente na saúde. A participação mais ativa do paciente em toda a jornada do cuidado tende a garantir um maior engajamento e adesão aos tratamentos prescritos. Mais do que isso, tem um papel fundamental para ajudar na redução de riscos e no aumento da segurança do próprio paciente. Para avançar mais, no entanto, será necessária uma transformação cultural em que instituições e profissionais de saúde – além dos próprios pacientes e familiares – precisarão agir em várias frentes, da busca por mais diálogo a questões mais técnicas, como mudanças de protocolos.

“Quando falamos em instituições de saúde, precisamos lembrar que o cuidado é feito por pessoas. Pessoas que cuidam de pessoas. Portanto, é preciso capacitar esses profissionais. E, igualmente, criar mecanismos para que os pacientes, familiares e acompanhantes possam ser engajados”, afirma Claudia Laselva, diretora de Unidade Hospitalar Morumbi e de Práticas Assistenciais do Einstein.

Em 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu o dia 17 de setembro como o Dia Mundial da Segurança do Paciente, colocando a pauta no centro da discussão. De acordo com levantamento da organização, erros evitáveis em instituições de saúde são responsáveis pela morte de 2 milhões de pessoas anualmente. Tais situações poderiam ser minimizadas com um engajamento maior dos pacientes e, não à toa, esse é justamente o tema da campanha desse ano: Engajando Pacientes para a Segurança do Paciente (Engaging patients for patient safety, na versão original).

Em um cenário de saúde fragmentado, um paciente pode receber cuidados de diferentes prestadores de serviço e profissionais diversos em toda sua jornada. Nesse contexto, cada ponto de contato ou procedimento podem agregar riscos ou eventos adversos que não necessariamente foram mapeados. Segundo a OMS, as experiências e perspectivas dos pacientes são necessárias nos esforços para alcançar sistemas e serviços de saúde integrados e centrados nas pessoas. Por isso, a voz de todos importa no cuidado de saúde.

Para atender essa necessidade, hospitais e sistemas de saúde investem cada vez mais em ferramentas de gestão de segurança do paciente, treinamento contínuo para profissionais de saúde e implementação de protocolos rigorosos, como a dupla checagem de medicamentos, para reduzir ao máximo a ocorrência de erros. Ter uma gestão que compreenda a necessidade de investimento em segurança como estratégia de prevenção deixou de ser um diferencial e se tornou fundamental, como destaca Laselva.

“O objetivo maior do gestor de saúde é garantir a segurança do paciente e dos seus colaboradores. Fazendo isso, ele vai contribuir para a sustentabilidade do sistema de saúde. Sabemos o quanto eventos adversos consomem recursos de maneira indevida”, afirma a diretora. “É um erro achar que investir em qualidade é caro. Ao contrário, investir em qualidade poupa recursos”.

Participação mais ativa dos pacientes

Até a criação dos protocolos deixou de ser unilateral: hoje, a construção de boas práticas relacionadas ao cuidado do paciente valoriza a voz do indivíduo, que tem cada vez mais participação ativa junto a gestores e profissionais de saúde. Isso é fruto de uma transformação social mais ampla na saúde, em que o paciente, por ter mais acesso à informação, assume uma postura mais autônoma sobre o próprio cuidado e questiona mais.

Para lidar com esse novo perfil de paciente, os profissionais de saúde têm deixado de lado a ideia que por anos permeou e definiu a lógica de cuidado, na qual o médico é a figura central de sabedoria e tomada de decisões, e compartilhado a responsabilidade e escolha de planos de tratamento.

Como toda mudança estrutural, porém, o caminho ainda é longo, mas muito já avançou. Para Ana Merzel Kernkraut, coordenadora do programa de experiência do paciente do Einstein, o médico tem que estar envolvido nesse movimento. “E como a gente envolve o médico? No Einstein, por exemplo, temos os comitês de segurança, que realizam reuniões periódicas para revisar casos em que foram encontrados problemas ou oportunidades de melhorias. Avaliamos o que a gente fez para corrigir, como podemos fazer diferente e quais dispositivos foram criados para mitigar determinada situação”.

Neste sentido, há um case emblemático na instituição. Em 2015, uma série de eventos evitáveis resultou em um desfecho catastrófico. A fatalidade inspirou a criação do Prêmio Julia Lima, que tem o objetivo de reconhecer profissionais e instituições de saúde que desenvolveram e testaram soluções para eliminar ou reduzir situações que ameaçam a segurança do paciente.

A iniciativa é uma amostra de que a comunicação aberta e transparente é peça-chave na segurança do paciente. E uma via de mão dupla. Isso envolve a divulgação de eventos adversos aos pacientes e suas famílias, além de aprender com essas situações para evitar sua repetição. Incentivar um ambiente em que os profissionais de saúde possam relatar erros sem medo de represálias também é essencial para aprimorar a qualidade do cuidado. Além disso, sistemas de feedback dos pacientes são implementados em muitos lugares, permitindo que eles expressem suas preocupações e relatem as opiniões sobre o cuidado recebido, contribuindo para melhorias contínuas.

Comunicação entre profissionais de saúde

O foco no aprimoramento da comunicação não se limita à relação médico-paciente, mas também entre os próprios profissionais de saúde. A multidisciplinaridade sempre foi um dos pilares do cuidado integral de saúde e tem ganhado destaque dentro das escolas de saúde, com médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e técnicos atuando em equipe desde os primeiros anos do curso. Para Laselva, é preciso incentivar essa escuta ativa e empática: “Temos trabalhado muito este conceito, para que o profissional saiba ouvir não apenas o paciente, mas também o colega, e saiba manter uma comunicação adequada, adaptável e empática, em um ambiente com elevada segurança psicológica”.

“Se queremos ter segurança no cuidado, temos que envolver o paciente. O paciente bem informado, que conhece o seu tratamento, a sua condição, participa desse cuidado como corresponsável. Até porque, na verdade, o corpo é dele se algo acontecer”, detalha Kernkraut. “E isso é uma mudança cultural tanto do lado da equipe, que tem que permitir que esse paciente participe, pergunte e questione, como do paciente também se sentir à vontade de questionar e exigir que algumas coisas aconteçam de acordo com o que é preconizado.”

Nos últimos anos, inclusive, o conceito de Open Notes tem ganhado importância. A ideia é que o paciente tenha acesso livre ao próprio prontuário, com as anotações, prescrições e plano de cuidado definidos. “O prontuário do paciente sempre foi visto como uma propriedade das equipes de saúde. Mas, como o próprio nome sugere, é exatamente o contrário – ele pertence ao paciente. Ele pode ter acesso às informações, até mesmo como estímulo para questionar e participar mais ativamente de seu tratamento”, aponta Laselva.

Segundo ela, “mundialmente, a ideia de Open Notes tem se disseminado, mas ainda precisamos trabalhar aspectos culturais em relação às equipes de saúde, que apresentam desconforto ou preocupação pelo fato do paciente ler seus  registros em prontuário.. Não deveria ser assim, essas informações não deveriam causar surpresa ao paciente, a ideia é que a comunicação entre pacientes e equipes seja fluida e esteja semprealinhada.”.

Neste sentido, a tecnologia desempenha um papel crescente na segurança do paciente. Prontuários eletrônicos, por exemplo, ajudam a reduzir erros de medicação e melhorar a comunicação entre profissionais de saúde. Por meio de apps – como o do Einstein – é possível visualizar o histórico de atendimento e até mesmo incluir ativamente informações, como indicação de alergias, por exemplo.

Há ainda os dispositivos vestíveis – os wearables – como smartwatches e anéis inteligentes, que fazem parte de uma onda de promoção do autocuidado, facilitando o monitoramento de indicadores de saúde por parte do próprio indivíduo. E, indo além, a inteligência artificial e a análise de dados já estão sendo usadas para identificar padrões que podem levar a erros médicos e preveni-los antes que ocorram.

Desafios na saúde pública

O desafio da segurança dos pacientes tende a ser maior na saúde pública, que pode dispor de menos recursos para aprimorar continuamente os serviços. Por esta razão a equidade na saúde tem sido foco de atuação de diversos atores do setor. Um levantamento feito pelo o Institute for Healthcare Improvement (IHI) em 2021 mostrou que, embora a equidade esteja no top 3 das prioridades da maior parte das instituições de saúde, a inconsistência de dados sobre diversidade dos pacientes e a falta de recursos financeiros e humanos são algumas das barreiras no avanço de uma saúde de acesso universal.

O IHI estabeleceu, inclusive, a equidade como uma das cinco metas para a melhoria dos sistemas de saúde – ao lado de qualidade, segurança e experiência do paciente, redução do custo per capita com a saúde, saúde populacional e saúde e bem-estar dos profissionais de saúde.

Contudo, Laselva ressalta que a diferença de recursos – financeiros ou humanos – não é motivo para não priorizar práticas de segurança no SUS. Neste caso, o ideal é ter consciência das soluções e metodologias disponíveis e adaptá-las à  realidade local. Em parceria com a esfera pública, o Einstein administra atualmente três hospitais públicos no Brasil, além de outras 27 unidades públicas como UBS (Unidades Básicas de Saúde) e UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) na capital paulista – o que faz a instituição conhecer as dores no lado público e privado.

Parte fundamental da estratégia para superar esses desafios é focar no treinamento dos profissionais de saúde, como destaca Kernkraut: “Quando os profissionais estão bem treinados e conhecem processos, há uma gestão de recursos de maneira mais eficiente, o que melhora também os resultados dos desfechos. Não há boa experiência se não houver qualidade na segurança”.

Foto: Reprodução

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