Estudo mostrou que, com a tecnologia, foram diagnosticados 225 casos das doenças na região do Vale do Mucuri, no nordeste de Minas Gerais
Por Futuro da Saúde
Um grupo de pesquisadores brasileiros desenvolveu um aplicativo para uso de profissionais de saúde com o objetivo de rastrear casos de hipertensão e diabetes. A ideia é que os profissionais tivessem o apoio da tecnologia para identificar características em populações que vivem em áreas remotas e dar sequência no rastreamento. Com o auxílio da tecnologia, 225 casos de hipertensão ou diabetes foram diagnosticados na região do Vale do Mucuri, no nordeste de Minas Gerais, a partir de rastreamento em 34 unidades de saúde primária de municípios da região. O artigo com os resultados da pesquisa foi publicado na segunda, 12, no periódico científico “International Journal of Cardiovascular Sciences”, conforme divulgou a Agência Bori.
“São doenças muito comuns e impactantes, porque são silenciosas e doenças crônicas potencialmente muito fáceis para que as complicações aconteçam”, comenta a autora do estudo Laura Defensor, pesquisadora na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em entrevista ao Futuro da Saúde. “Todos nós temos contato com indivíduos com hipertensão, diabetes e, a longo prazo, a gente sabe que as complicações são inevitáveis. O rastreamento é importante porque, por serem silenciosas, às vezes a pessoa convive por anos com uma dor de cabeça, algum desconforto que possa ser sinal de hipertensão ou infecção crônica que possa ser sinal de diabetes e o diagnóstico é feito em momento tardio.”
O projeto conta com equipe multidisciplinar do Centro de Telessaúde do Hospital das Clínicas da UFMG, em parceria com a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e o Instituto de Avaliação de Tecnologias em Saúde. O estudo conduzido é multicêntrico e se repete em outros países, como Estados Unidos e África do Sul. No Brasil, a pesquisa de rastreabilidade das doenças tomou forma em Minas Gerais, na região do Vale do Mucuri. O intuito do projeto foi formar uma estratégia para realizar o diagnóstico precoce de diabetes e hipertensão, principalmente em áreas com dificuldade de acesso adequado à saúde, como a área brasileira escolhida.
“[O aplicativo] tende a contribuir com o diagnóstico precoce, com a qualidade de vida do paciente, com a redução das complicações e muito provavelmente com a redução dos gastos, de tudo que é dispendioso, por exemplo as internações. As complicações dessas doenças são muito demandantes no aspecto econômico. Consideramos que é potencialmente reprodutível e a expectativa é que seja adotada como uma estratégia adicional para enriquecimento dos serviços de saúde, tanto público quanto privado”, afirma Defensor.
Desenvolvimento do app para rastrear casos de hipertensão e diabetes
O dispositivo desenvolvido é direcionado ao uso dos profissionais de saúde em visitas e atendimentos da população e conta com um sistema de suporte à decisão, feito para orientar os profissionais de saúde no rastreamento das doenças. O software consiste em um algoritmo de árvore de decisão, que classifica casos de alerta para hipertensão ou diabetes, de acordo com suas principais características e sintomas para que fosse possível chegar ao diagnóstico.
Para a aplicação, foi criado um questionário inicial para introdução dos dados dos pacientes, com informações relacionadas ao histórico de saúde, como conhecer as comorbidades associadas ou mesmo se o paciente tinha diagnóstico prévio para uma dessas doenças. Também foram incluídas medidas antropométricas dos pacientes, informações básicas de identificação e as medidas que são consideradas importantes para o diagnóstico. “Essas medidas de assistência de abordagem são sempre muito bem recebidas pela população, porque geralmente são populações mais carentes, mais longínquas, menos assistidas por diversos fatores de complexidade, como presença de especialistas e dificuldade de acesso às unidades de saúde. Acaba sendo uma situação fragilizada para assistentes de saúde”, comenta Laura.
A partir da inserção dos dados dos indivíduos, o aplicativo direcionava os próximos passos da jornada de cuidado à saúde do paciente. Algumas pessoas apresentavam índices de que não havia aspectos alarmantes para seguir no rastreamento, já outros deveriam seguir para procedimentos mais exigentes, como exames laboratoriais ou consultas com médicos. Foram mais de 18 mil pessoas registradas nos testes e cerca de 13 mil deles foram considerados elegíveis, ou seja, tinham critérios para continuar no rastreamento.
A pesquisadora da UFMG também cita que, nas abordagens iniciais, havia uma orientação aos profissionais de saúde sobre quais direcionamentos deveriam tomar a partir dos primeiros dados. Alguns eram liberados e deveriam retornar eventualmente para a unidade de saúde para reavaliações médicas. Outros, no entanto, tinham critérios suficientes para seguir para o segundo momento do rastreamento, em que seriam realizados exames laboratoriais e novo atendimento com o médico. Nos testes, foram diagnosticados 225 casos com o auxílio do aplicativo de rastreamento, sendo acometimento por hipertensão, diabetes ou, em alguns casos, ambas as doenças.
“Diagnósticos novos de hipertensão e diabetes representam pacientes que inserir para o seguimento nas unidades de assistência. Isso contribuiu de uma forma muito importante, principalmente para a redução das complicações”, afirma a autora do estudo.
Integração dos dados
Um fator da pesquisa é a integração dos dados para o manejo por profissionais de saúde. O aplicativo está instalado em computadores dentro de unidades de saúde da região estudada, mas foi utilizado também em dispositivos móveis, como celulares e tablets, pelos profissionais de saúde para maior movimentação e facilidade em visitas para áreas mais afastadas.
Outra característica da aplicação é que há a possiblidade de inserir os dados dos pacientes mesmo sem acesso à rede de internet, no formato offline. Esses dados, registrados pelo agente de saúde, eram sincronizados assim que fossem conectados e ficavam disponíveis na unidade de saúde para que um profissional pudesse dar sequência no rastreamento.
Junto da pesquisa, foi realizado um estudo sobre as avaliações dos profissionais que fizeram uso do aplicativo e os resultados foram favoráveis, aponta Defenson: “Os usuários consideraram o dispositivo de fácil manutenção, mesmo para aqueles que tinham escolaridade mais baixa, uma dificuldade inicial com recursos tecnológicos. Eles conseguiram entender as interfaces, que são simples, e a satisfação foi muito positiva. Consideramos como uma estratégia factível, possível de ser reaplicada, inclusive em maior escala, favorecendo o serviço de saúde.”
Segundo a autora do estudo, o dispositivo foi elaborado pensando no sistema público, mas também pode ser replicado na iniciativa privada, visto que os benefícios para o sistema de saúde seriam voltados para diagnóstico precoce e redução de complicações, que também impactam nas contas da saúde. Um próximo passo da pesquisa, segundo ela, é delinear os impactos econômicos que o aplicativo pode trazer para rastrear os casos.
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