No Brasil, o procedimento só pode ser feito com bebês mortos uma semana depois do parto.
Num procedimento científico descrito como um marco nos cuidados neonatais no Reino Unido, os rins e as células do fígado de uma menina de 6 dias foram doados para duas pessoas assim que o coração da recém-nascida parou de bater. Segundo médicos, o transplante mostra que esses bebês podem salvar vidas, mas a prática se choca com algumas limitações da legislação britânica.
O ato cirúrgico foi detalhado na revista especializada Archives of Diseases in Childhood. A pequena doadora nasceu com severas condições de saúde. Testes sugeriram que a menina provavelmente foi privada de oxigênio antes do nascimento e, em decorrência disso, teve profundos danos no cérebro. A menina nasceu de uma cesariana de emergência e ficou, durante seis dias, respirando com a ajuda de aparelhos e sem apresentar melhoria na função cerebral. Os pais, então, aceitaram que a máquina fosse desligada.
As células do fígado foram transferidas para uma pessoa com insuficiência hepática; e os rins, para outro receptor com complicações renais severas. Os médicos não deram detalhes sobre as pessoas beneficiadas, mas ressaltaram, no artigo, que, no caso de transplantes neonatais, os receptores podem ser bebês, crianças e até adultos.
Segundo James Neuberger, um dos médicos do Hospital Hammersmith, onde ocorreu o procedimento, as cirurgias foram incrivelmente complicadas e difíceis, principalmente pelo tamanho dos órgãos. Os rins nessa fase da vida, por exemplo, medem em média 5cm. “Estamos satisfeitos porque este é o primeiro transplante de órgãos de um recém-nascido no Reino Unido. Foi um sucesso e nós louvamos a corajosa decisão da família em doar os órgãos do seu bebê”, comemorou.
Os clínicos no Reino Unido não estão autorizados a declarar a morte cerebral de um bebê com menos de 2 meses usando o procedimento tradicional, que inclui uma série de testes neurológicos. Precisam esperar um tempo até que o coração do pequeno paciente pare de bater. Isso dificulta a doação porque alguns órgãos se prejudicam fácil com a falta de suprimento de sangue.
Em janeiro, havia 15 recém-nascidos à espera de um transplante no país. Em entrevista à BBC, Gaurav Atreja, que participou dos procedimentos, defendeu que as limitações sejam revistas. “Algo positivo poderia ser obtido de uma experiência tão negativa para a família do bebê (…) Esperamos que as unidades neonatais de todo o Reino Unido comecem, agora, a pensar ativamente nessa nobre causa.” Os profissionais de saúde aguardam uma revisão oficial da situação pelo Colégio Real de Pediatria e Saúde Infantil ainda neste ano que inclua a adoção de testes neurológicos para decretar a morte cerebral de recém-nascidos.
Regras locais
Desde que haja autorização dos pais, no Brasil, uma criança com 7 dias e que tenha morte cerebral declarada pode ser doadora de órgãos. “A gente usa os dois rins porque são muito pequenininhos. O coração, se tiver um receptor do mesmo tamanho e se houver um recém-nascido precisando, também é doado. As córneas não são usadas nem o fígado porque costumam ser imaturos, a não ser que exista uma criança muito mal”, explica Valter Duro Garcia, membro do conselho consultivo da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).
Segundo Garcia, há pouca demanda por transplante neonatal no país. “Volta e meia, há um doador pediátrico, mas também é preciso ter o acaso de uma outra criança estar à espera de um coração, por exemplo. Então, às vezes, há um recém-nascido precisando, mas não tem doador; ou aparece o doador, mas não tem ninguém para receber”, diz. São mais comuns casos envolvendo crianças mais velhas, a partir de 2 anos. “Quanto menores, mais raros os casos”, reforça.
O médico conta que há uma orientação para que todos os doadores pediátricos tenham seus órgãos direcionados a crianças. “Aqui em Porto Alegre, praticamente não existe fila de espera para rins porque há doadores suficientes. Mas alguns estados, como São Paulo, não utilizam esses órgãos de crianças com menos de 2 anos. Eles enviam a Brasília, que faz a distribuição pela central do Ministério da Saúde”, explica.
Garcia conta que os pais não apresentam resistência na hora de decidir doar os órgãos dos bebês mortos. “Pelo contrário”, diz o representante da ABTO. “Teve uma época em que, quando sabiam que iam ter crianças anencéfalas, queriam doar, mas esses bebês não podem porque não há morte encefálica.”
“Às vezes, há um recém-nascido precisando, mas não tem doador; ou aparece o doador, mas não tem ninguém para receber (…) Quanto menores, mais raros os casos” – Valter Duro Garcia, da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos.
Fonte: http://sites.uai.com.br/
Foto: John Morgan, via Flickr