fbpx

Exclusivo: indústria farmacêutica consegue liminar que suspende decisão da ANS sobre terapias avançadas

Nota técnica da ANS sobre terapias avançadas gerou reação da indústria farmacêutica, que entrou com processo para suspensão da norma.

Por Futuro da Saúde

O Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) conseguiu uma liminar do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, que suspende a decisão da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em adotar novas regras para a avaliação de terapias avançadas. A decisão foi publicada na segunda-feira, 25, e assinada por Paulo Cezar Duran, juiz da 10ª Vara Cível Federal de São Paulo.

Aprovada em 4 de setembro de 2023 pela Diretoria Colegiada da ANS, a nota técnica que muda as regras para terapias avançadas aponta que elas deverão passar por Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) para a inclusão ou não no rol de procedimentos dos planos de saúde.

O argumento utilizado pela ANS foi que esses medicamentos são complexos e inovadores, classificados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de forma específica, e por isso deveriam passar por avaliação técnica ante o processo de incorporação ao rol de procedimentos, assim como pelo processo de participação social.

Atualmente, 6 terapias avançadas possuem registro na Anvisa e são categorizadas dessa forma, todas com custos na casa dos milhões de reais. Com a pressão da saúde suplementar com os custos médicos, a decisão da ANS era vista pelo setor como tentativa de frear.

Contudo, o juiz Paulo Cezar Duran afirmou em sua decisão que “não pode a ANS criar distinções acerca de medicamentos, se há condições legais para o fornecimento de medicamentos pelas operadoras de saúde, especialmente aqueles ministrados em ambiente hospitalar, existindo a recomendação médica e a aprovação pela Anvisa; entender de forma diversa é permitir que a agência reguladora crie restrições ao direito fundamental assegurado por lei”.

Aprovada em 2022, a lei 14.307 obriga que tecnologias avaliadas e recomendadas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e incorporadas ao SUS devem ser incluídas no rol da ANS no prazo de 60 dias, sem distinção de categoria. Com a mudança feita pela ANS, o Sindusfarma teme que essas tecnologias sejam reavaliadas, já que a nota técnica afirmava que “os produtos de terapia avançada deverão sempre passar pelo rito processual de atualização do rol, seja por meio de análise de proposta de atualização do rol, apresentada por meio do FormRol, seja em virtude de incorporação de tecnologia pelo SUS, a partir de recomendação positiva da CONITEC”.

Através dessa lei, o Zolgensma, medicamento para atrofia muscular espinhal (AME) do tipo 1, foi incorporado ao rol da ANS, já que anteriormente havia sido avaliado e incorporado ao SUS. A terapia gênica já foi considerada o tratamento mais caro do mundo, e atualmente tem um custo no país de 6 milhões de reais.

A Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) participa do processo como amicus curie, sendo representada por Machado Meyer Advogados. A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) e a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) também solicitam a participação como amicus curie do processo.

“A intenção da Interfarma ao pedir para contribuir e participar desse processo foi trazer o ponto de vista técnico, servir como um parâmetro de fornecimento de informações técnicas sobre uma discussão que é bastante complexa, que é a cobertura de medicamentos de terapias avançadas por parte das operadoras”, explica Renata Rothbarth, partner de Life Sciences, Digital Health & Healthcare do escritório.

Em nota ao Futuro da Saúde, a Interfarma afirma que “o poder de regular dado à Agência por delegação legal não pode restringir o que a Lei definiu e permitiu. Seguir neste caminho, agora combatido, é autorizar a limitação de acesso dos pacientes por meio da negativa de tais tratamentos por parte dos planos de saúde, configurando uma verdadeira barreira ao acesso a medicamentos de terapias avançadas”.

Histórico e próximos passos após liminar

Antes mesmo do processo, que foi peticionado em 14 de dezembro, o Sindusfarma e a Interfarma haviam enviado um ofício ao diretor-presidente da ANS, Paulo Rebello, cobrando a suspensão imediata da nota técnica, em novembro de 2023. À época, a ANS afirmou em nota ao Futuro da Saúde que não havia propostas para rediscussão do assunto.

A Interfarma afirma que desde a publicação da nota técnica, “buscou dialogar com a ANS para instituir processo regulatório completo, onde todos os envolvidos sejam ouvidos, para que os pacientes não fossem prejudicados com a criação de mais uma barreira no acesso medicamentos realizados no ambiente clínico ou hospitalar. Na visão da Interfarma, a nota técnica proposta pela ANS é um instrumento extremamente frágil e ilegal, conforme destacado na decisão.”

A definição da Anvisa estabelece que terapias avançadas “são produtos farmacêuticos, da classe dos produtos ou medicamentos biológicos, obtidos a partir de células e tecidos humanos que foram submetidos a um processo de fabricação; ou que consistem em ácidos nucleicos recombinantes e que tem como objetivo regular, reparar, substituir, adicionar, deletar ou editar uma sequência genética ou modificar a expressão de um gene. Esses produtos farmacêuticos são uma grande promessa terapêutica para enfermidades complexas e sem alternativas médicas disponíveis, mas também um desafio ao desenvolvimento de mecanismos de controle que garantam a sua qualidade, segurança e eficácia”.

Os argumentos utilizados pelo Sindusfarma no processo são os mesmos do ofício, apontando que não compete à ANS criar distinção entre os medicamentos e que não houve Análise de Impacto Regulatório (AIR) por parte da Agência para tomar a decisão. Também aponta que a decisão da agência causa “danos às empresas por inviabilizar a oferta do produto a partir de uma decisão ilegal”.

A liminar suspende a nota técnica da ANS até o fim do julgamento e a agência pode recorrer da decisão. “Não é uma ação em tese que vai ter perícia, mas em tese é o momento de verificar se há provas a produzir. Não me parece que vá ter uma dilação probatória ampla. Na sequência, já se encaminha uma decisão definitiva”, explica a advogada Maria de Sá Fortes Dória, do Machado Meyer Advogados. Como o processo ainda tramita na 1ª instância, existe a possibilidade de ele chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF). 

Ao longo do processo, a ANS tem sido defendida pela Procuradoria Geral Federal. A defesa argumenta que a nota técnica não muda o regramento da agência e qualquer terapia avançada pode ser incorporada ao rol, desde que passe pela avaliação de tecnologia em saúde. Procurada pelo Futuro da Saúde, a ANS não se manifestou até o fechamento da matéria.

“Os valores registrados de comercialização e precificação na Anvisa das terapias avançadas constituem impacto significativo para os sistemas de saúde, em particular na realidade nacional. Ao considerarmos somente o custo direto, cabe observar que as terapias avançadas superam substancialmente os custos diretos anuais de medicamentos aprovados para incorporação ao Rol no segundo semestre de 2023”, afirma Luiz Carlos Barros Rojas, procurador federal que atua no processo em defesa da ANS.

A Procuradoria também afirma que produtos de terapias avançadas avaliados e recomendados positivamente pela Conitec serão incluídos no Rol em até 60 dias da decisão de sua incorporação ao SUS, de acordo com a lei. Ainda, afirma que a nota técnica não estabelece qualquer regra própria para esse produtos, mas apenas esclarece que, no “que tange ao Rol de Procedimentos e Eventos em saúde, os ‘produtos de terapia avançada’, assim como qualquer outra tecnologia em saúde, submetem-se ao rito do processo de atualização do Rol”.

Foto: Reprodução

Opções de privacidade