Por unanimidade, os desembargadores da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul negaram provimento ao recurso interposto por um médico e uma maternidade de Campo Grande (MS) e deram parcial provimento ao recurso interposto pelos autores da ação.
A demanda foi proposta por G.V.L.O, hoje com 16 anos, e seus pais, R.L e E.L., em face de um médico obstetra e de uma maternidade da capital, por fato ocorrido em 16 de fevereiro de 1999, data do nascimento de G.V.L.O, tendo ocorrido falhas na prestação do serviço médico durante o parto normal que provocaram paralisia cerebral no bebê.
Em suas razões recursais, o médico argumenta em prol da rejeição da tese de que o tempo de ausculta seria de 30 em 30 minutos, por consubstanciar em posição isolada da perita, e que não seria a ausculta de 30 em 30 minutos que permitiria o diagnóstico da falta de oxigênio. Alega ainda que o ocorrido foi uma fatalidade, cuja responsabilidade não lhe pode ser imputada, entre outros argumentos.
Por sua vez, a maternidade defende que eventual comportamento culposo (negligente) do médico não pode resultar em atribuição de responsabilidade ao hospital, já que não há nos autos qualquer relato de falta de atendimento estrutural.
Já os autores solicitaram que o marco inicial das pensões cominadas na sentença seja a data de nascimento de G.V.L.O (16/02/1999) e, como termo final, o óbito deles e não até completarem 70 anos.
No tocante à responsabilização da maternidade, o Des. Dorival Renato Pavan, relator do processo, esclareceu que uma vez comprovada a prestação de serviços defeituosos no recinto do hospital, não cabe discutir a culpa do nosocômio, já que o seu dever de indenizar é apurado objetivamente decorrendo do mau atendimento culposo de médico que atendeu no seu estabelecimento.
Ao analisar o laudo pericial, Pavan constatou que no partograma estão registradas somente frequências de 140 BCF, sem oscilações, o que indica que as auscultas não foram realizadas conforme ensina a literatura médica, ou seja, sempre antes, durante e depois das contrações uterinas, a fim de conferir o movimento fetal e as alterações de ritmo do batimento cardíaco, pois se o batimento cardíaco fetal diminuir após a contração uterina para determinado valor e por determinado tempo, está-se diante de um quadro chamado “desaceleração intraparto tipo II (DIP II)”, o que significa que o feto está em anóxia (ausência de oxigênio) e, portanto, existe a necessidade de o parto ser imediato.
Logo, concluiu o relator, se os monitoramentos cardíacos não foram realizados devidamente – antes, durante e depois das contrações, o que é possível concluir do partograma, no qual consta só o padrão de 140 BCF, sem alterações, já se tem aí uma falha médica a ser registrada. Apontou ainda que, de acordo com a perita, na época do parto a doutrina médica preconizava a ausculta a cada 30 minutos, procedimento que não foi observado pelo médico.
O desembargador citou ainda artigo médico contido na decisão de 1º grau que esclarece que a asfixia intraparto pode ser prevenida por procedimento padrão (ausculta fetal a cada 30 minutos durante o primeiro período e a cada 5 minutos durante o período expulsivo) e ressaltou que o último monitoramento ocorreu às 16 horas, com 7 cm de dilatação, tendo o nascimento ocorrido quase uma hora depois, às 16h55, ou seja, não houve a verificação da frequência cardíaca ao longo de 55 minutos, e que o feto, durante todo esse período, ficou sem o devido acompanhamento – o que certamente impossibilitou o conhecimento do sofrimento fetal pelo profissional e a adoção das providências cabíveis.
“Por todas essas circunstâncias mencionadas, não há como não concluir que a paralisia cerebral originou-se no parto, por falta de oxigenação (hipóxia), desfecho que poderia ter sido evitado com a aplicação das precauções médicas recomendadas. Não tivesse o réu deixado de monitorar os batimentos por 55 minutos (!!!) em fase já adiantada do trabalho de parto, poderia ter percebido o sofrimento fetal a tempo e contornado o problema sem sequelas”, concluiu o relator.
O médico e a maternidade foram condenados a indenizar os autores por danos morais no valor de R$ 50.000,00 para cada um, totalizando R$ 150.000,00. Foi determinado, ainda, que a mãe de G.V.L.O perceba pensão mensal de 1,5 salário mínimo desde o nascimento do filho até a data da morte dela, bem como que G.V.L.O perceba pensão mensal de um salário mínimo, desde quando completou 14 anos até a data de sua morte.
Fonte: http://www.tjms.jus.br/
Foto: Chris McFarland, via Flickr