A partir desta segunda-feira (11), o Bom Dia Brasil vai mostrar uma radiografia do atendimento básico da saúde no país. São relatos de pacientes de dez estados sobre a infraestrutura dos hospitais e dos postos de saúde. O acompanhamento médico, quando é feito com qualidade, representa menos internações e mais economia, porque melhora a saúde da população.
Bom Dia Brasil: “Seu” Milton, o senhor acha que se tivesse tido um tratamento melhor na rede pública, nos postos de saúde, o senhor acha que estaria nessa situação?
Milton: Não.
Bom Dia Brasil: Faltou o quê, “seu” Milton?
Faltou acompanhamento médico.
Faz tempo que “seu” Milton tem diabetes. Trinta anos. As amputações foram o maior trauma. Primeiro, dedos da mão, depois parte do pé direito e agora a perna esquerda. Ele nunca recebeu tratamento adequado.
“Eu levei ele no vascular, o vascular falou que não poderia olhar a ferida dele porque ele não tinha a técnica de enfermagem como assistente, que tinham tirado, essa enfermeira, então ele não poderia olhar”, conta Eliane Pereira, filha de “seu” Milton.
Bom Dia Brasil: E no posto, tinha como fazer curativo?
Parentes: Não.
Bom Dia Brasil: E onde vocês faziam o curativo?
Parentes: Em casa.
Uma dor que atinge toda a família.
“Se eu soubesse que a sífilis trazia tanto problema assim, eu não tinha nem engravidado de novo, porque é um risco, não só para mim, mas também para o bebê”, diz uma paciente.
A sífilis congênita é transmitida da mãe para o feto. Se não for tratada precocemente, a doença pode afetar vários órgãos, provocar cegueira e até comprometer o desenvolvimento mental. A Organização Mundial da Saúde tinha estabelecido uma meta para o Brasil até o ano passado: cinco casos de sífilis congênita para cada 10 mil nascidos vivos. Mas ainda estamos muito longe desse desafio. Aqui, o número é dez vezes maior.
“Sífilis congênita não era para existir nenhuma, a gestante, ela tem como exame obrigatório no pré-natal o teste para sífilis, ela tem nove meses para efetuar o tratamento com antibiótico de baixíssimo custo, que é a penicilina”, diz o obstetra Sérgio Araújo Martins Teixeira.
Situações como essas mostram a deficiência de uma parte fundamental do sistema de saúde: a chamada atenção básica. São os postos de saúde, que devem ficar bem perto de casa, para oferecer atendimento preventivo, para acompanhar o tratamento de doenças, fazer o pré-natal. Se essa assistência primária funcionasse como deveria, especialistas dizem que 80% dos pacientes no Brasil não teriam as doenças agravadas. Não precisariam procurar hospitais. Internações e cirurgias aumentam as despesas do Sistema Único de Saúde. Só as complicações da diabetes custaram R$ 92 milhões no ano passado.
“Se você cuidar bem de um paciente com diabetes não se espera que ele tenha amputação, por exemplo, de membros por complicações de diabetes. Se isso estiver ocorrendo, é um sinal de que a atenção básica não está funcionando, diz o professor da Faculdade de Medicina da USP, Amaury Lélis Dal Fabbro.
Com a sífilis, foram quase R$ 10 milhões.
“Nossa conclusão é que essa sífilis congênita tenha aumentado desse jeito em função de um pré-natal de péssima qualidade por causa, justamente, por causa da péssima qualidade da atenção primária”, disse o vice-presidente do Cremerj, Nelson Nahon.
Nos casos de acidente vascular cerebral, comuns em quem tem pressão alta, o valor foi ainda maior: R$ 238 milhões. O Sistema Único de Saúde estabelece que a atenção básica é responsabilidade dos municípios, com apoio dos governos estaduais e federal.
Os postos de saúde e as clínicas de família são a porta de entrada do paciente no sistema e servem como um filtro. Em caso de necessidade, o paciente é encaminhado para atendimento especializado, para emergências ou internações. Quando o doente recebe alta nesses setores, ele precisa voltar para os postos para ter acompanhamento.
“Esse relacionamento entre a atenção básica, a atenção especializada e o sistema de urgência e emergência, ele é fundamental para que o paciente seja acompanhado no sistema de saúde”, explica o professor de medicina Amaury Lélis Dal Fabbro.
Mas essa não é a realidade na maior parte do país. No ano passado, o Tribunal de Contas da União fez uma grande auditoria sobre a atenção básica no Brasil. E descobriu que quase 70% dos municípios internam mais gente do que deveriam.
Mais de 70% das cidades informaram que o dinheiro repassado pelas outras esferas de governo não é suficiente para cobrir as despesas. O tribunal também apontou falhas das prefeituras na identificação das necessidades da população.
“Todas as ações de saúde são programadas em função do perfil da população, então, se é uma população que é mais pobre ou mais rica, que adoece mais de diarreia, ou tem muito problema com dengue, todos esses dados são de conhecimento das equipes e as equipes planejam a oferta de serviços em função do que as pessoas precisam, essa é a grande lógica da estratégia”, explica o diretor de Comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Rodrigo Lima.
A atenção básica no Brasil ainda precisa ultrapassar barreiras para, enfim, tornar mais fácil o caminho da população.
A prefeitura de Itaboraí disse que, desde 2013, “seu” Milton teve consultas médicas duas vezes ao ano. E que, por ser hipertenso grave, faz parte de um grupo de alto risco de amputação, mesmo com acompanhamento médico.
Fonte: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2016/07/atendimento-basico-precario-na-saude-faz-aumentar-internacoes.html