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É mesmo verdade que é mais saudável viver no campo?

Geralmente pensamos nas grandes cidades como os lugares menos saudáveis para se viver; mas não é o que recentes estudos dizem; do topo da montanha a metrópoles, a BBC analisa como a localização afeta o bem-estar do indivíduo

Por BBC

Seja pela preocupação com estresse ou poluição, você certamente já pensou que se mudar da cidade grande para o campo pode não apenas aumentar sua sensação de felicidade como melhorar sua saúde.

Mas os estudos que poderiam nos ajudar a identificar os ambientes mais saudáveis para se viver são surpreendentemente escassos. E à medida que cientistas começam a destrinchar a relação entre bem-estar e ambiente, eles têm notado várias nuances que contribuem com ou reduzem os potenciais benefícios oferecidos por determinados lugares – seja uma metrópole com milhões de habitantes ou uma praia deserta.

White e outros pesquisadores vêm mostrando que um número aparentemente incontável de fatores determina como somos influenciados pelo que está ao nosso redor. Isso inclui o histórico pessoal e as circunstâncias de vida, a qualidade e a duração da exposição ao ambiente e as atividades realizadas nele.

De modo geral, evidências sugerem que espaços verdes são bons para aqueles que vivem em áreas urbanas. Aqueles que vivem próximo a parques ou áreas arborizadas lidam com níveis mais baixos de poluição e barulho e tiram mais proveito de efeitos de resfriamento local (algo que se torna incrivelmente útil à medida que o planeta esquenta).

Espaços naturais são propícios para atividades físicas e sociais – ambas inclusive associadas a uma gama de benefícios para a saúde.

O tempo passado na natureza tem sido relacionado a índices físicos reduzidos de estresse. Quando estamos passeando ou apenas sentados sob árvores, nosso ritmo cardíaco e nossa pressão sanguínea tendem a cair. Também liberamos mais “células assassinas” naturais: linfócitos que vagam pelo corpo caçando células cancerosas e infectadas por vírus.

Espaços naturais são calmantes
Pesquisadores ainda estão tentando entender por que isso ocorre, embora tenham várias hipóteses. “Uma teoria predominante é que os espaços naturais agem como um calmante para os estímulos da cidade movimentada”, diz Amber Pearson, geógrafa da saúde da Universidade do Estado de Michigan, nos EUA. “De uma perspectiva evolutiva, também associamos as coisas naturais como recursos fundamentais para a sobrevivência, por isso as favorecemos.”

Isto não significa, necessariamente, que todos os habitantes da cidade grande deveriam se mudar para a zona rural.

Moradores de cidades tendem a sofrer níveis mais altos de asma, alergia e depressão. Mas também costumam ser menos obesos, têm menos riscos de cometer suicídio e são menos propensos a serem mortos em um acidente. Eles ainda têm vidas mais felizes como idosos e vivem mais de modo geral.

Embora tenhamos uma tendência a associar cidades com poluição, crime e estresse, viver em localidades rurais pode também ter seus custos. Insetos portadores de doenças e aracnídeos podem, por exemplo, diminuir o fator de saúde daquela cabana idílica do Maine, na costa americana.

Em outros casos, a poluição rural traz grandes riscos. Na Índia, a poluição do ar contribuiu para a morte de 1,1 milhão de pessoas em 2015 – e moradores do campo representam 75% das vítimas. Isso ocorre principalmente porque eles correm mais risco de respirar o ar poluído pela queima de áreas agrícolas, madeira ou estrume de vaca (usado como combustível para cozinhar e produzir calor).

Na Indonésia, o corte e a queimada praticados para limpar terrenos também provocam um nevoeiro tóxico que perdura por meses e às vezes afeta países vizinhos, como Cingapura, Malásia e Tailândia. Enquanto isto, sabe-se que a fumaça de incêndios na América do Sul e sul da África percorre todo o hemisfério sul (dito isso, o ar no hemisfério sul é geralmente mais limpo do que no norte – simplesmente porque há menos pessoas vivendo lá).

Isso não afeta apenas países em desenvolvimento. Também contribuem para a poluição do ar os incêndios em florestas no oeste dos Estados Unidos ou o uso intensivo de agrotóxicos em produções agrícolas de Europa, Rússia, China e Estados Unidos.

Ar puro da montanha
E a ideia do ar puro da montanha? É verdade que poluentes atmosféricos como material particulado (produzido geralmente da queima de combustíveis fósseis) e aerossóis de carbono negro (por exemplo, da queima de carvão) costumam ser menos intensos em altas altitudes. Mas ultrapassar a fronteira de poluição do ar pode trazer outros problemas.

Enquanto pessoas que vivem em lugares a 2.500 metros de altitude ou mais parecem ter taxas menores de mortalidade por doenças cardiovasculares, derrame e alguns tipos de câncer, os dados mostram que elas têm mais risco de morte por doença pulmonar crônica e de infecções do trato respiratório inferior (a traqueia, os pulmões, os brônquios etc.).

Isso ocorre provavelmente porque os carros e outros veículos operam com menos eficiência em altas altitudes, emitindo mais hidrocarbonetos e monóxido de carbono – o que se torna ainda mais prejudicial com a radiação solar de tais locais. Viver a uma altitude moderada, de 1.500 a 2.500 metros, portanto, pode ser uma escolha mais saudável.

Enquanto isto, há argumentos em favor de se viver próximo ao mar – ou pelo menos algum lugar próximo à água. Por exemplo, indivíduos que vivem perto do oceano no Reino Unido tendem a ser mais saudáveis do que os demais, levando-se em conta sua idade e status socioeconômico. Isso provavelmente ocorre por várias razões, diz White, incluindo o fato de que, na evolução, fomos atraídos para lugares com mais biodiversidade como os mares (no passado, isto seria um indicador útil de fontes de alimentos). Além disso, praias oferecem oportunidades para exercício diário e vitamina D.

E há ainda os benefícios psicológicos. Um estudo que Amber Pearson e seus colegas realizaram em 2016 em Wellington, na Nova Zelândia, descobriu que aqueles que moravam com vista para o mar tinham níveis mais baixos de distresse (estresse excessivo) psicológico. Para cada aumento de 10% de espaço azul que as pessoas pudessem ver, havia uma redução de um terço na Escala de Distresse Psicológico de Kessler da população (usada para prever transtornos de ansiedade e humor), independente do status socioeconômico.

Com base no resultado, Pearson afirma: “Pode-se esperar que um aumento de 20% a 30% na visibilidade do espaço azul contribua para deslocar alguém do distresse moderado para uma categoria mais baixa”. Pearson notou resultados similares em um estudo subsequente realizado próximo aos Grandes Lagos, nos Estados Unidos (ainda sob revisão). White faz algo parecido com moradores de Hong Kong.

No entanto, nem todo mundo pode viver na zona costeira. Por isso, Simon Bell, diretor do departamento de arquitetura de paisagem da Universidade Estoniana de Ciências da Vida e do Centro OPENspace na Universidade de Edimburgo, vem avaliando se revitalizar cursos d’água negligenciados na Europa poderia ajudar.

Eles vêm entrevistando moradores antes e depois de áreas serem revitalizadas, entre elas uma praia em precárias condições próxima a Tallin, na Estônia, um canal industrial perto de um bloco de apartamentos de estilo soviético em Tartu, no mesmo país, além de lugares na Espanha, Portugal, Suíça e Reino Unido.

A segunda análise de aproximadamente 200 locais recentemente revitalizados lhes permitirá esclarecer como fatores como clima, poluição, odores, sazonalidade, segurança, acessibilidade e outros influenciam no apelo de determinado corpo d’água.

O objetivo final, diz Bell, é descobrir “o que cria um ótimo espaço azul”. Quando os resultados chegarem, ele e seus colegas querem desenvolver parâmetros de qualidade para uso daqueles que querem revitalizar canais urbanos, lagos tomados por mato ou algas, docas antigas, rios e outros espaços azuis negligenciados.

Espaços verdes e azuis são benéficos
Ainda assim, quando se trata de bem-estar, pesquisadores não sabem como lagos se comparam a oceanos ou como rios se comparam a mares. Eles também não avaliaram como praias, por exemplo na Islândia, se comparam às da Flórida. O que eles sabem é que fatores complexos como qualidade do ar e da água, aglomeração de pessoas, temperatura e até marés altas e baixas interferem em como algo aparentemente simples como uma visita à praia pode nos influenciar.

Em termos de saúde, dados também sugerem, contraintuitivamente, que pessoas que vivem em locais com exposição intermitente em vez de regular ao sol – como na Dinamarca ou na França – tendem a ter maiores taxas de câncer de pele, provavelmente porque o protetor solar não é parte da rotina dos nórdicos e outros que não veem sol o ano todo.

Da mesma forma que alguns espaços verdes e azuis devem ser mais benéficos que outros, pesquisadores também estão percebendo que a influência do ambiente no bem-estar não é igualmente distribuída.

Pessoas vivendo em condições socioeconômicas mais baixas tendem a extrair mais benefícios de espaços naturais do que os ricos, diz White. Isso provavelmente ocorre porque pessoas mais ricas gozam de mais privilégios relacionados à saúde, como tirar férias e ter vidas geralmente menos estressantes.

Também é importante ressaltar que simplesmente se mudar para uma praia ou floresta relativamente intocada não vai resolver problemas individuais. Outras circunstâncias da vida – como perder ou ganhar um emprego, se casar ou divorciar – tem grande impacto na saúde. Como explica White, independentemente do ambiente em que se esteja, “é mais importante ter uma casa do que ficar desabrigado em um parque”.

Bell acrescenta que a proximidade à natureza na verdade costuma figurar baixo no ranking de fatores considerados mais importante para escolher um lugar para viver, aparecendo após itens como segurança, silêncio, proximidade a escola e trabalho. Mas enquanto benefícios de espaços verdes e azuis não deveriam ser supervalorizados a nível individual, eles funcionam em escala maior.

Grosso modo, aqueles que vivem numa cidade limpa e perto do mar, com rápido acesso à natureza – como Sydney ou Wellington -, podem ter acertado na mosca no quesito de lugares mais saudáveis para se viver.

Foto: Rodolfo Ribeiro/Prefeitura de Arraial do Cabo

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