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Como tamanho das cidades determina duração e intensidade das epidemias de gripe

Nas grandes metrópoles, deslocamentos diários em transportes lotados e por grandes distâncias torna os surtos mais longos. Nos centros menores, por sua vez, as condições climáticas são determinantes para produzir epidemias mais intensas, aponta estudo

Por BBC

Se você mora em uma cidade grande, as chances de estar no meio de uma epidemia durante a temporada de gripe são muito maiores do que aqueles que vivem em centros menores.

Isso porque os deslocamentos diários, geralmente em meios de transporte lotados e por longas distâncias que marcam a vida das metrópoles multiplicam as possibilidades de transmissão do vírus da influenza, tornando mais longas as epidemias.

As cidades menores, por sua vez, podem registrar surtos mais intensos, ainda que menores. Lá, as condições climáticas são um fator preponderante para a disseminação da doença.

Estas são as principais conclusões de um estudo realizado por cientistas da Universidade Estadual de Oregon, da Universidade de Cambridge, da Universidade Estadual da Pensilvânia, da Universidade de Princeton e do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos – o relatório foi publicado na quinta-feira na revista Science.

O estudo pode servir como uma ferramenta para que gestores públicos da área de saúde consigam prever melhor as tendências de surtos da gripe e, ao mesmo tempo, repensar os métodos de prevenção e controle da infecção, dizem os pesquisadores.

“Uma maioria crescente de seres humanos vive em meio urbano. Entender como o tamanho e a estrutura das cidades impactam a disseminação de doenças pode nos ajudar a prever e controlar epidemias”, disse o biólogo Benjamin Dalziel, pesquisador da Universidade de Oregon, em conversa com a imprensa na última terça-feira.

“Analisamos epidemias de gripe em todo os Estados Unidos e encontramos modelos recorrentes de como as temporadas de gripe se desenrolam. Diferenças não apenas em como as pessoas pegam gripe, mas diferenças entre as cidades que implicam mudanças de padrão no período de ocorrência dos casos.”

O estudo
Os cientistas analisaram dados do sistema de saúde norte-americano entre 2002 e 2008. Compilaram todos os registros de pacientes com sintomas semelhantes aos da gripe em 603 cidades de todas as regiões dos Estados Unidos. As informações foram cruzadas com as dimensões das cidades onde os casos foram reportados – bem como as condições das redes de transportes de tais localidades, considerando as malhas viárias, ferroviárias e metroviárias.

As análises demonstraram que o vírus influenza se comporta de maneira diferente nos grandes centros urbanos, onde ele se espalha de acordo com os bolsões de alta densidade populacional e se locomove, interligando tais bolsões, pelos mesmos fluxos dos meios de transporte.

Sim, a gripe vai de metrô, de trem, de ônibus. E é possível traçar um paralelo entre seu movimento e as linhas existentes nas grandes cidades.

Esse comportamento acabou alterando também o tamanho do surto da gripe. Enquanto nas cidades pequenas o maior número de casos é no auge do inverno – considerada a alta temporada para o influenza -, nas grandes metrópoles os cientistas observaram que a duração da estação do vírus costuma ser mais longa, com muitos casos também no início e no fim do inverno, períodos em que o clima ainda não é o ideal para a transmissão da gripe.

Por que isto ocorre? A resposta, de acordo com os pesquisadores, está nos fundamentos de como a gripe é transmitida.

“Ela se espalha de pessoa para pessoa por vírus, através de gotas de umidade que um infectado exala, tosse ou espirra para fora”, resume Dalziel.

“Isto cria como uma nuvem móvel de risco em torno de um indivíduo infectado.”

O biólogo explica que, no inverno, há uma variável climática chave nesse processo: a umidade relativa do ar diminui.

“E isso faz com que o vírus permaneça viável no ar por mais tempo, expandindo, portanto, essa nuvem de risco”, diz ele.

Entretanto, conforme a pesquisa concluiu, se o portador do vírus da gripe estiver sentado ao seu lado – e você for morador de uma grande cidade -, a potência dessa nuvem acaba sendo menos importante no processo todo.

Ou seja: muitas pessoas, meios de transporte público lotados, rotina diária pelos mesmos espaços, isto tudo favorece a disseminação do vírus da gripe mesmo se as condições climáticas não são ideais.

“Em grandes cidades, portanto, as condições climáticas têm papel relativamente menor na transmissão da gripe”, afirma o biólogo.

Para corroborar essa tese, os cientistas mostraram dados de cidades pequenas do sudeste dos Estados Unidos, onde essa variação da umidade relativa do ar costuma ser mais acentuada entre as estações. A modelagem revelou que, ali, as epidemias de gripe foram mais intensas de acordo com a mudança da umidade – mas este papel se revelou mais forte nas cidades com populações menores.

Uma questão que foi levantada na conversa dos cientistas com a imprensa, na terça, foi o quanto que as mudanças climáticas em decorrência do aquecimento global podem interferir em epidemias de gripe, considerando que já é notada uma escassez maior de chuva – portanto, uma menor umidade relativa do ar – em diversas regiões do globo.

“É uma ótima questão. E estou curioso para saber o que pode acontecer. Por enquanto, há milhares de incertezas sobre como serão os rumos ambientais do planeta”, comenta Dalziel.

Cidades grandes vs cidades pequenas
“Este estudo não mostra que algumas cidades são mais seguras do que outras para a gripe. Mostra que há uma diferença no tempo dos casos. Cidades como Miami e Nova York tendem a ter epidemias de gripe mais espalhadas durante o ano.

O que significa que, nelas, a pressão sobre o sistema de saúde também vai ser mais constante ao longo do ano, sendo um pouco mais fácil responder às epidemias”, afirmou a epidemiologista Cécile Viboud, do Instituto Nacional de Saúde.

“Já em cidades menores, um surto mais intenso acaba sobrecarregando o sistema de saúde, sendo mais desafiador responder, portanto, aos casos de gripe.”

Dalziel comenta que o estudo não traz respostas sobre o que seria uma cidade ideal, apenas aponta que as cidades maiores e mais complexas estão menos suscetíveis às questões ambientais no que toca à transmissão da gripe – por isso, nestas, as epidemias tendem a ser mais espaçadas.

Ele frisa que um grupo de trabalho multidisciplinar seria o melhor para pensar em como aplicar tais informações de forma a diminuir as doenças. Mas supõe que uma melhor organização das cidades grandes, repensando os eixos de residência e trabalho de modo a diminuir os deslocamentos diários, poderia ajudar – e muito. Seria o urbanismo a favor da saúde pública.

“De certa forma, precisamos repensar como as pessoas se movimentam e gastam o seu tempo diariamente”, afirma.

De acordo com a epidemiologista Viboud, esta é a grande novidade do estudo. “Ao longo de muito tempo, sempre a literatura tratou das questões climáticas sobre a transmissão da gripe”, ressalta.

“Porém, isto não contemplava os motivos de diferenças tidas como inexplicáveis entre as cidades. Este estudo mostra que, sem considerar o urbanismo, a leitura não fica completa.”

Os cientistas acreditam que a pesquisa pode ser muito importante para aqueles que formulam políticas públicas de saúde. O estudo aponta que o foco de atuação no combate à gripe tem de ser diferente conforme o tamanho da cidade.

Em regiões metropolitanas, os esforços precisam ser maiores na redução da disseminação do vírus. Já as pequenas cidades devem se concentrar em combater os casos existentes, em reduzir os danos.

Foto: Carlos Tristão/TV Globo

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