Romenos adotados que, quando pequenos viviam em orfanatos de péssima qualidade, apresentaram cérebros bem menores que outros jovens adotados
Por BBC
Um começo de vida de negligência, privações e adversidade pode fazer com que uma pessoa cresça com cérebro menor, sugere uma pesquisa da universidade King’s College London, no Reino Unido.
Os pesquisadores acompanharam crianças adotadas que passaram um tempo em orfanatos romenos de péssima qualidade. Elas cresceram com cérebros 8,6% menores que outras crianças adotadas que não vivenciaram maus tratos.
“Eu me lembro de ver imagens de TV dessas instituições e elas eram chocantes”, disse à BBC News Brasil o professor Edmund Sonuga-Barke, que liderou a pesquisa.
Sonuga-Barke diz que as crianças eram “acorrentadas aos seus berços, sujas e desnutridas”. Elas eram fisicamente e psicologicamente privadas de contato e estímulos. Não tinham brinquedos e ficavam frequentemente doentes.
As crianças observadas na pesquisa passaram entre duas semanas e quase quatro anos nessas instituições.
Estudos anteriores sobre crianças que depois foram adotadas por famílias britânicas mostraram que muitas continuaram a sofrer problemas psicológicos depois de adultas.
Níveis mais altos de autismo, hiperatividade e ausência de medo de estranhos foram documentados nessas pesquisas.
Comparação de cérebros
O estudo mais recente, de pesquisadores do King’s College London é o primeiro a fazer uma tomografia de cérebros em busca de respostas.
Participaram da pesquisa 67 romenos adotados, que tiveram os cérebros comparados a 21 adotados que não vivenciaram uma infância de grandes privações.
“O que descobrimos é surpreendente”, diz o professor Sonuga-Barke. O volume total do cérebro dos romenos adotados — basicamente o tamanho do cérebro — era 8,6% menor, em média.
E quanto mais tempo a criança havia passado nos orfanatos romenos, menor eram seus cérebros. No entanto, o impacto desse efeito no cérebro não era uniforme.
“Encontramos diferenças estruturais entre dois grupos em três regiões do cérebro”, diz o professor Mitul Mehta, um dos autores da pesquisa.
“Essas regiões estão ligadas a funções como organização, motivação, integração da informação e memória.”
Os pesquisadores dizem que os achados podem ajudar a explicar o QI (quociente de inteligência) menor e os níveis mais altos de autismo nesses adultos que tiveram infâncias difíceis.
O estudo não é capaz de explicar, contudo, que aspectos das privações e negligências nos primeiros anos de vida causaram esses efeitos no cérebro. Isso significa que é difícil calcular o efeito de longo prazo de outros traumas na infância, como abusos ou ser refugiado.
No entanto, a pesquisa é clara em dizer que o impacto no desenvolvimento do cérebro de uma criança vai muito além de má nutrição.
“A pesquisa é importante porque destaca o poder do ambiente e da adversidade no desenvolvimento cerebral”, diz Sonuga-Barke.
“Isso gera deficiências por um longo período de tempo — mais de 20 anos — mesmo em crianças que, depois, receberam tratamentos de excelência de famílias adotivas amorosas.”
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