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Ano teve ao menos 420 estudos por dia sobre Covid: ciência mostra como foi a luta contra a pandemia em 2020

Levantamentos apontam de cerca de 100 mil a até mais de 200 mil pesquisas realizadas. G1 reuniu 10 temas para relembrar o que cientistas de todo o mundo descobriram sobre o novo coronavírus (Sars-CoV-2)

 

Por G1

 

Quantos estudos foram publicados sobre a Covid-19 em 2020? Talvez não seja possível saber com exatidão, mas é fato que o caminho percorrido por milhares de cientistas muitas vezes anônimos mostra as principais frentes de batalha contra a pandemia.

O banco de dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) reuniu, até 20 de dezembro, 148.919 artigos, de todo o mundo, sobre a doença. Nem todos são estudos publicados em revistas científicas; cerca de 14 mil – pouco menos de 10% – aparecem como versão prévia (pré-prints), ainda não revisadas por outros cientistas.

Se distribuídos ao longo deste ano, o número significa uma média de quase 420 artigos divulgadas por dia.
Uma outra base de dados, a Dimensions, de uma empresa sediada em Londres, aponta um número ainda maior. Até a mesma data, foram catalogados 239.192 artigos sobre o tema, feitos por 18,5 mil organizações em 194 países. Cerca de 15% são prévias. As universidades que aparecem com mais publicações são Harvard, Oxford e a Universidade de Toronto, no Canadá.

Um terceiro levantamento, da empresa americana Primer, aponta, também até 20 de dezembro, 92,5 mil pesquisas relacionadas à Covid. Os temas com mais artigos são cuidados com pacientes; mortalidade e fatores de risco; e vacinas e tratamentos. Cada um tem mais de 10 mil estudos catalogados.

Cientistas de todas as áreas se dedicaram a pesquisas sobre a pandemia neste ano. De sequenciamento genético a vacinas, o G1 reuniu 10 temas para relembrar o que a ciência e a sociedade aprenderam sobre a Covid-19 em 2020.

Veja abaixo:

  • Sequenciamento genético
  • Uso de máscaras e distanciamento social/isolamento
  • Saúde mental
  • Transmissão
  • Grupos de risco
  • Medicamentos
  • Manejo de pacientes
  • Sequelas de longo prazo
  • Imunidade
  • Vacinas

1) Sequenciamento genético

No dia 10 de janeiro (no horário de Brasília; 11 de janeiro em Pequim), cientistas da China publicaram o primeiro rascunho do código genético do novo coronavírus (Sars-CoV-2). O país já tinha registrado a primeira morte pela doença e já via casos desde, pelo menos, dezembro de 2019.

Com o genoma do vírus divulgado, cientistas na Alemanha puderam anunciar, em 16 de janeiro, o primeiro teste do tipo PCR para diagnosticar o novo coronavírus. Considerado “padrão ouro” para o diagnóstico, esse tipo de teste é capaz de identificar o código genético do vírus em uma amostra.

No Brasil, o primeiro sequenciamento foi feito no fim de fevereiro, apenas dois dias depois que o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso no país. O tempo foi um recorde.

Meses depois, as pesquisadoras, junto com outros 57 cientistas brasileiros e 19 estrangeiros, publicaram 427 códigos genéticos do novo coronavírus no Brasil na revista científica “Science”, uma das mais importantes do mundo.

Desde então, o sequenciamento genético do vírus permitiu identificar mutações e reinfecções pela Covid-19 – essenciais para entender melhor a eficácia das vacinas contra o vírus e a duração da resposta imune contra ele. No fim de dezembro, uma nova variante encontrada no Reino Unido, levando a bloqueios dentro e fora do país.

2) Uso de máscaras e distanciamento social

Ainda no início da pandemia, no final de fevereiro, a OMS recomendava que apenas pessoas que estivessem infectadas usassem máscaras. Uma das preocupações da entidade era que os acessórios faltassem para profissionais de saúde na linha de frente do combate à doença.

A higiene frequente das mãos com água e sabão ou álcool também foi recomendada por vários especialistas para combater o vírus.

No início de abril, o posicionamento da OMS mudou: a entidade passou a avaliar que as máscaras podiam ser uma estratégia de combate à pandemia.
Na mesma época, o Ministério da Saúde também mudou as orientações e passou a recomendar o uso de máscaras para toda a população, e anunciou recomendações para a fabricação delas. Dois meses depois, a OMS fez o mesmo, e recomendou que todos as usassem em locais onde o distanciamento social não fosse possível.

A entidade reforçou, entretanto, que apenas o uso de máscaras não era o bastante para conter o novo coronavírus – e que o próprio distanciamento continuava sendo uma estratégia importante no combate à pandemia.

Esses tipos de estratégias, as chamadas não farmacológicas, foram estudadas em várias pesquisas: as máscaras com válvulas, por exemplo, não foram recomendadas, e nem o protetor facial (conhecido como “face shield”) usado de forma isolada (sem a máscara junto).

3) Saúde mental

A Covid-19 e as medidas para combatê-la, como o isolamento social, também trouxeram consequências para o bem-estar psicológico da população.

Em maio, a OMS alertou, em um relatório, sobre o perigo de uma crise global em saúde mental por causa da pandemia. A organização destacou que crianças e jovens isolados de amigos e da escola e profissionais de saúde eram os grupos mais vulneráveis.

A previsão se confirmou ao longo do ano. No fim do mesmo mês, uma pesquisa da Fiocruz, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) concluiu que os brasileiros tiveram renda afetada, alta de depressão e mais consumo de álcool e tabaco na pandemia.

Em junho, um estudo feito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, ouviu 3,6 mil pessoas e constatou que 65% dos entrevistados tiveram uma piora da saúde mental com a pandemia.

Em agosto, uma pesquisa com cerca de 1,5 mil pessoas feita pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) apontou piora nos sintomas de ansiedade e depressão entre os entrevistados.

Em novembro, um estudo feito pela Fiocruz em parceria com o Hospital das Clínicas de Porto Alegre e a Universidade de Valência, na Espanha, mostrou que quase metade dos trabalhadores essenciais brasileiros sofreu com ansiedade e depressão na pandemia

O problema não se restringiu ao Brasil: uma pesquisa feita nos Estados Unidos, publicada no início de setembro, apontou que sintomas de depressão aumentaram três vezes no país durante a pandemia.

Com o confinamento, também aumentou, em todo o mundo, a violência contra a mulher: dados da ONU Mulheres divulgados no fim de setembro apontaram que o confinamento levou a mais denúncias ou ligações para as autoridades por violência doméstica: os índices subiram 30% no Chipre, 33% em Singapura, 30% na França e 25% na Argentina, por exemplo.

Um segundo levantamento apontou, ainda, que o Brasil foi um dos países onde a pandemia mais afetou a saúde psicológica de meninas e de jovens mulheres. Para responder ao problema, grupos se uniram ao redor do país para ajudar as mais vulneráveis.

4) Transmissão

Em 14 de janeiro, a liderança técnica da OMS anunciou que era possível que a transmissão da Covid-19 entre humanos tivesse ocorrido nos primeiros casos registrados da doença. Relatórios semelhantes foram feitos nas semanas seguintes.

Ao longo do ano, a entidade reforçou que mesmo pessoas sem sintomas da doença podiam transmiti-la – e que, por isso, o distanciamento social e o uso de máscaras eram recomendados mesmo para quem não estivesse doente.

Uma das principais controvérsias sobre a transmissão do novo coronavírus foi se ele podia ou não ser disseminado pelo ar.

A distinção é importante porque as gotículas, que foram reconhecidas desde o início como uma forma de contágio pela doença, viajam pelo ar, mas caem no solo depois de um a dois metros. Mas os aerossóis podem permanecer suspensos no ar e infectar por mais tempo.

A possibilidade de transmissão pelo ar não foi imediatamente reconhecida pela OMS – apesar de ter sido apontada, no início de maio, por um estudo chinês.

Cerca de dois meses depois, um grupo de 239 cientistas, incluindo um brasileiro, fez o mesmo alerta à organização. Foi só então que a OMS reconheceu o “surgimento de evidências” sobre a transmissão da Covid-19 pelo ar e disse que essa possibilidade “não podia ser descartada”.

No fim de julho, uma pesquisa feita por cientistas de Harvard apontou que 59% dos casos de Covid-19 em um cruzeiro que ficou em quarentena no Japão foram transmitidos pelo ar.

No início de outubro, o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) também atualizou as recomendações para incluir a transmissão pelo ar como possível.

5) Grupos de risco

Ainda no início da pandemia, cientistas e equipes de saúde na linha de frente perceberam que a Covid-19 não afetava a todos do mesmo modo: homens, por exemplo, se infectam mais e também morrem mais pela doença.

O porquê por trás disso ainda é um mistério para a ciência, mas já há algumas pistas – que vão desde fatores biológicos até comportamentais.

Além disso, a idade, a obesidade e doenças como diabetes ou do sistema imune também passaram a ser considerados fatores de risco. Mais recentemente, o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) adicionou a gravidez à lista de condições que aumentam o risco de um caso grave de Covid-19.

A ciência também percebeu que as crianças são pouco afetadas pela Covid-19 – mas podem se infectar e desenvolver uma forma grave da doença, que pode levar à morte.

6) Medicamentos

A ciência vai terminar 2020 sem descobrir um medicamento eficaz contra a Covid-19.

Houve alguns candidatos:

  • O antiviral remdesivir – que, apesar de ter recebido aprovação plena nos Estados Unidos, não provou ser eficaz em ensaios controlados da OMS. Ele não é comercializado no Brasil, e só recebeu aprovação na pandemia. Antes, era experimental e não era usado para tratar nenhuma doença.
  • A cloroquina e a hidroxicloroquina, usadas para tratar doenças autoimunes e alguns tipos de malária. No início da pandemia, um estudo, depois retirado do ar, apontou que a hidroxicloroquina poderia ser eficaz. Várias outras pesquisas publicadas depois, entretanto, refutaram essa possibilidade – para casos leves, moderados e graves da Covid-19. Pelo contrário: a hidroxicloroquina foi apontada como um fator que piorava o quadro da doença. A substância chegou a ser testada pela OMS, mas os ensaios foram suspensos definitvamente, porque ela não foi eficaz. A mesma constatação foi feita por Oxford.
  • A dexametasona se mostrou promissora, mas apenas para pacientes graves. Como é um corticoide, o medicamento não mata o vírus, e sim pode ajudar a reduzir a inflamação causada pela Covid-19 nos vasos sanguíneos.

7) Manejo de pacientes

Apesar de nenhum remédio ter sido comprovadamente eficaz contra a Covid-19, profissionais de saúde aprenderam algumas técnicas que podem ajudar pacientes internados com a doença a se recuperarem:

  • deitar a pessoa de bruços, para facilitar a respiração;
  • usar anticoagulantes, para evitar o excesso de coagulação causada pelo vírus;
  • não intubar os pacientes precocemente. Em vez disso, é possível usar oxigenação não invasiva em alguns casos.

8) Sequelas de longo prazo

As sequelas de longo prazo que a Covid-19 deixa ainda não são totalmente entendidas ou conhecidas pela medicina. Até agora, o que se sabe é que elas existem – e vão desde a respiração comprometida até lesões no coração.

No começo de julho, a revista científica Jama publicou uma pesquisa com 143 recuperados de Covid-19 na Itália. 87,4% deles reclamaram de pelo menos algum problema. Entre os sintomas relatados, estavam fadiga (53,1%), falta de ar (43,4%), dor nas juntas (27.3%) e dor no peito (21,7%).

Em outubro, um estudo preliminar feito pela Unicamp mostrou que os sintomas persistiram em 75% dos pacientes com quadros leves de Covid-19.

A doença também pode afetar o cérebro: um estudo feito por cientistas do Imperial College de Londres apontou que os piores casos da infecção ligados ao declínio mental equivalem a um envelhecimento cerebral de 10 anos.

Covid afeta o cérebro e pode causar alterações mesmo em pacientes leves, aponta estudo brasileiro
Também existe ao menos um estudo, ainda não publicado, de pacientes que, mesmo tendo se recuperado da Covid-19, ativaram células de defesa que passaram a atacar o próprio corpo.

No Brasil, uma médica criou um perfil na rede social Instagram que serve como grupo de apoio a pessoas que sofrem com as sequelas da Covid-19.

9) Imunidade

A imunidade contra a Covid-19 também gera mais perguntas que respostas. A ciência não sabe, por exemplo, quanto tempo dura a imunidade de quem já teve a doença. Estudos feitos ao longo do ano sugerem que os anticorpos que o corpo cria para se defender da infecção desaparecem com o passar do tempo. (Mas os cientistas não sabem quanto tempo).

Ainda assim, as pesquisas também apontaram que a resposta imune – aquela do sistema de defesa do corpo – podem ser duradouras. Isso porque ela também envolve as células T – um tipo de célula de defesa que tem, entre suas funções, “lembrar” de infecções anteriores por um longo tempo.

Ao mesmo tempo, casos de reinfecção pela Covid-19 já foram confirmados pelo mundo e no Brasil. Em alguns casos, a segunda infecção foi mais grave do que a primeira; em outros, a primeira foi pior. As reinfecções ainda estão sendo estudadas pela ciência – e, vale lembrar, “raras” se comparadas com o total de casos no mundo.

Outro ponto que ainda não é totalmente entendido pelos cientistas é por que algumas pessoas não desenvolvem nenhum sintoma da doença, enquanto outras têm quadros graves ou morrem. Além dos fatores de risco como as doenças preexistentes e a idade, fatores genéticos também parecem estar envolvidos. Esses mesmos fatores podem ajudar a desvendar tratamentos para a Covid.

10) Vacinas

A ciência foi capaz de identificar, nomear, estudar e entender um vírus novo e desenvolver várias vacinas contra ele em menos de um ano, um tempo recorde na história humana.

A primeira delas foi aprovada na Rússia, em agosto, e já foi aplicada em centenas de milhares de pessoas, segundo o governo russo.

Desde então, outra candidata também foi aprovada e já começou a ser aplicada no Reino Unido; nos Estados Unidos e no Canadá; e na Arábia Saudita. Na União Europeia, 25 dos 27 países já começaram a vacinação; ao redor do mundo, são ao menos 42 que já iniciaram a imunização.

O Brasil também planeja a vacinação, mas nenhum imunizante foi aprovado pela Anvisa ainda. Universidades brasileiras tentam desenvolver uma vacina nacional contra o vírus. Fora do país, ao menos dois brasileiros trabalham na vacina de Oxford.

Ainda resta bastante a saber sobre os imunizantes: segundo dados da OMS, 14 vacinas estão na fase 3, a última, de estudos em humanos. A maioria, entretanto, não publicou dados de segurança e eficácia dessa fase – quando os testes são feitos em larga escala.

Algumas dúvidas ficarão sem resposta em 2020: por quanto tempo as vacinas vão garantir imunidade contra a Covid-19? Serão efetivas no “mundo real”, fora dos ensaios controlados? Terão algum efeito colateral raro, não vistos nos estudos?

Esperamos aprender no ano que vem.

 

Foto: Menahem Kahana / AFP